Mensagens enviadas pelo blogueiro Allan dos Santos ao tenente-coronel Mauro Cid, chefe da Ajudância de Ordem da Presidência e assessor do presidente Jair Bolsonaro, contradizem depoimento prestado pelo blogueiro à Polícia Federal. Na oitiva, Allan dos Santos afirmou ser 'crítico' à intervenção militar, mas em conversa com o militar, obtida pelos investigadores, disse que 'As FFAA (Forças Armadas) precisam entrar urgentemente'.
O blogueiro aliado do Planalto foi ouvido no dia 23 de junho - uma semana antes, ele foi alvo de busca e apreensão na Operação Lume, solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O termo de depoimento foi obtido pelo Estadão.
A PF não confrontou Allan sobre as mensagens que viriam a ser usadas no depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, prestado na sexta, 11. Aos investigadores, o blogueiro afirmou que é 'crítico à intervenção militar' e que não participa ou organiza atos antidemocráticos. Allan disse que sua participação nos eventos 'se restringe a atividade profissional como jornalista' e não como manifestante.
referenceA declaração, porém, vai de encontro a mensagens obtidas pela PF e usadas na sexta, 11, para confrontar o tenente-coronel Mauro Cid sobre diálogos com o blogueiro. Segundo os investigadores, Allan dos Santos enviou no dia 31 de maio um link de reportagem ao militar sobre grupos denominados 'antifas' - à época, os manifestantes protestavam contra o governo Bolsonaro.
No dia seguinte, 1º de junho, o militar respondeu: 'Grupos guerrilheiros/terroristas. Estamos voltando para 68, mas agora com apoio da mídia'.
Allan dos Santos replicou: 'As FFAA (Forças Armadas) precisam ENTRAR URGENTEMENTE', ao que o tenente-coronel respondeu com um 'Opa!'. Mauro Cid foi questionado pela PF e disse que o seu 'Opa!' era 'apenas uma saudação, como, por exemplo, Bom dia!', e não tinha relação com as mensagens do blogueiro.
O tenente-coronel Mauro Cid é filho do general de Exército Cid Lorena, que foi colega de turma de Bolsonaro e do comandante do Exército, Edson Pujol (turma de 1977) ne Academia das Agulhas Negras. Cid Lorena dirigiu o departamento de Educação do Exército antes de passar para a reserva e assumir um cargo na Apex, em Miami, no governo do amigo, com salário de R$ 46 mil acumulado com o de general 32 mil.
Em outro momento, no dia 20 de abril, a PF disse que o blogueiro sugeriu a Mauro Cid 'a necessidade de uma intervenção militar'. Naquele dia, o presidente Jair Bolsonaro sofria intensas críticas sobre sua participação em um protesto a favor da ditadura.
Segundo a PF, após receber a mensagem, o tenente-coronel respondeu ao blogueiro: 'já te ligo'. Aos investigadores, disse 'que acredita que não realizou a ligação'.
Em mensagem datada do dia 26 de abril, Allan dos Santos teria dito ao militar 'que não via solução por vias democráticas' - à época, o governo federal enfrentava crise aberta com a saída do então ministro da Justiça Sérgio Moro, que acusou Bolsonaro de tentar interferir no comando da PF. O caso resultou em inquérito ainda em tramitação no Supremo contra o presidente.
Mais uma vez, o tenente-coronel Mauro Cid respondeu o blogueiro: 'já te ligo' e, novamente, disse à PF que 'não acredita que realizou a ligação'.
Uma quarta mensagem do blogueiro foi mostrada ao militar e se refere ao dia 06 de maio - no dia anterior, o ministro Celso de Mello, responsável pelo inquérito contra Bolsonaro, havia autorizado o depoimento dos ministros Augusto Heleno, Braga Netto e Eduardo Ramos e determinou que as oitivas fossem tomadas até mesmo 'debaixo de vara'. A declaração provocou forte reação no meio militar.
Allan dos Santos, segundo a PF, citou 'decisões do STF' e disse ao militar: 'Não dá mais'. O tenente-coronel Mauro Cid respondeu 'Tá difícil'. Questionado sobre a declaração, o militar disse que se tratou de manifestação pessoal sobre 'a forma como os generais foram intimados'.
Investigação. Allan dos Santos é um dos investigados no inquérito que apura a organização e financiamento de atos antidemocráticos em Brasília. O caso foi aberto a pedido da PGR e é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Relatório parcial da PF indica que o inquérito busca descobrir, em uma linha de investigação, se o governo federal agiu deliberadamente ou por omissão no financiamento de páginas e sites ligados aos atos antidemocráticos. É a primeira vez que o Planalto foi implicado no inquérito.
A investigação tem como base relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que identificou informações sobre anúncios da Secom em sites e páginas ligadas aos investigados. Os anúncios haviam sido incluídos por meio do Google AdSense, ferramenta do Google na qual o usuário define parâmetros sobre qual público-alvo quer alcançar com o anúncio. Apesar de não haver um controle sobre quais sites as peças são exibidas, o governo tem a opção de bloquear a sua presença em determinadas páginas.
"A investigação tem o objetivo de checar se essa ocorrência se deu por culpa ou por ação ou omissão deliberada de permitir a adesão da publicidade do governo federal, e a consequente monetização, ao conteúdo propagado. Outro ponto a ser elucidado (e que complementarão a análise do material já em curso) é se essa conduta ocorreu por vínculos pessoais/ideológicos entre agentes públicos e os produtores de conteúdo ou mesmo por articulação entre ambos", apontou a PF.
Outro foco da apuração mira aprofundar quais são os 'vínculos' entre a extremista Sara Giromini, o blogueiro Oswaldo Eustáquio e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de Damares Alves.
Segundo a PF, 'há vínculos, ainda não totalmente esclarecidos' sobre a contratação de Sara Giromini no ministério de Damares. Até outubro do ano passado, a extremista ocupou cargo na Coordenação-Geral da Atenção Integral à Gestante no Departamento de Promoção da Dignidade da Mulher.
Caso semelhante é analisado pela PF envolvendo Oswaldo Eustáquio. A esposa e sócia do blogueiro, Sandra Mara Volf Pedro Eustáquio, tem cargo na Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, no mesmo ministério.
"A natureza e a origem desses vínculos e as relações entre essas pessoas e agentes públicos com atuação nessa pasta merece aprofundamento, para corroborar ou eliminar a asserção feita no corpo da hipótese criminal de que tais contratações seriam também uma forma de distribuir fundos aos propagadores/operadores", apontou a Polícia Federal.
Em nota, a Secom afirmou que a distribuição de verbas publicitárias 'segue os critérios constitucionais de impessoalidade, legalidade, moralidade, publicidade e eficiência' e que a distribuição da publicidade digital oficial do governo 'é de responsabilidade do Google Ads'.
O Ministério da Mulher informou que 'todos os membros deste Ministério estão tranquilos para prestar qualquer informação que se fizer necessária para que os fatos sejam elucidados'.
COM A PALAVRA, ALLAN DOS SANTOSA reportagem busca contato com a defesa de Allan dos Santos. Uma mensagem foi enviada ao advogado que acompanhou o blogueiro no depoimento à PF, mas não houve resposta. O espaço está aberto a manifestações (paulo.netto@estadao.com)
COM A PALAVRA, A SECRETARIA ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO DO GOVERNO BOLSONARO
A Secretaria Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações esclarece:
1. A política de comunicação da Secom na distribuição de verbas publicitárias é estritamente técnica e segue os critérios constitucionais de impessoalidade, legalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
2 - Como já reiterado por diversas vezes pela Secom, a distribuição da publicidade digital oficial do governo federal é de responsabilidade do Google Ads, que utiliza inteligência artificial e distribui as peças de forma automatizada.
3. O interesse e o destaque dado à informação na cobertura da investigação é consequência da campanha de alguns veículos contra a política de Comunicação Social do governo.
4. O que se pretende é criar narrativas falsas, bem distantes da boa prática jornalística e atacar diariamente o Governo e seus ministros, com o objetivo de tentar desgastar a sua imagem.
5. A Secom respeita a Liberdade de Imprensa, assim como a Liberdade de Expressão de todo cidadão brasileiro e dos veículos de comunicação, mas condena esse tipo de campanha que não ajuda ao país e nem a democracia.
6. A Secom continuará com seu trabalho técnico, cumprindo sua obrigação de informar a população das ações do governo federal, sempre respeitando os critérios constitucionais já elencados.
Secretaria Especial de Comunicação Social Ministério das Comunicações
COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS A ex-servidora Sara Giromini e o ex-funcionário terceirizado Renan Sena, quando indiciados, não pertenciam mais ao quadro funcional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Desconhecemos qualquer investigação que envolva a secretária Sandra Terena.
Todos os membros deste Ministério estão tranquilos para prestar qualquer informação que se fizer necessária para que os fatos sejam elucidados.