A mentalidade de boa parte dos agronegociantes não assimilou o que a ciência diz e as evidências comprovam. O aquecimento global é resultado da inclemente ação humana sobre os recursos naturais finitos e frágeis.
No livro "Arrabalde", João Moreira Salles descreve a conversa que teve com empresários do Pará. O pensamento de um deles vale como generalização do que se acredita no setor: "...acho uma sacanagem dizer que o cara na Amazônia é responsável por mudar o clima do mundo. Tem muito exagero nessa história de pulmão do mundo. Não concordo com esse discurso do medo, de que se nós cortarmos a floresta vai chover menos e inviabilizar a nossa atividade. Mudança climática é um fenômeno natural".
É óbvio que a ciência não concorda com isso. Pesquisadores, cientistas, poucos agricultores sensíveis têm certeza de que a causa dos distúrbios climáticos, dos eventos extremos, é a ação humana. Ela é que despeja gases do efeito estufa na atmosfera. Só que o pensamento de quem continua a exterminar o futuro é muito claro: "A floresta atrapalha o agricultor. Se você me perguntar, eu vou dizer: eu queria abrir a minha fazenda todinha". O que isso significa? Acabar com as árvores que ainda existem nela. E os argumentos são sempre os mesmos: o dinheiro: "...tem um prejuízo associado a não abrir a floresta. O governo investiu em estradas e infraestrutura, então existe um custo para o país deixar de desenvolver as terras. Por um lado, quem manda é o mercado".
A experiência paraense que refreou o desmatamento não resultou de consciência ecológica dos produtores. Não: eles tiveram medo da punição e receberam pressão do mercado. No momento em que os compradores não querem soja produzida em área desmatada, o que dói é o bolso do agricultor. Aí ele cede. Forçado, mas cede.
Só que o pacto firmado em 2008 foi praticamente abandonado entre 2019 e 2022. Foi nesse período que os órgãos de fiscalização foram esfacelados. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente em 2021 foi o menor em vinte anos. Acenou-se com a flexibilização das leis ambientais. O anúncio da soltura da "boiada" não foi retórico. Todos entenderam que o governo queria a extinção da floresta. Apesar de uma legislação robusta, a partir da Constituição da República, se o governo não quer punir, ele não pune. O recado chegou logo aos que apenas pensam em cifrão.
Funcionários do IBAMA que tentaram destruir maquinário de madeireiros que operavam criminosamente dentro de reserva indígena foram afastados e punidos. Isso anima os produtores a insistirem na revogação da moratória da soja, sob o surrado argumento de que ela "fere a soberania".
Como a cabeça liliputiana dessa parcela do "agro é pop", do "agro é tudo", é preciso convencê-la de que árvore em pé é mais lucrativa do que transformada em tora. Zerar o desmatamento na Amazônia e no cerrado até 2030 geraria um ganho de até duzentos e quarenta bilhões de dólares, ou um trilhão e duzentos bilhões de reais. São cálculos de Bráulio Borges, pesquisador do FGV-IBRE, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
O cálculo se fez de acordo com a lógica do CSC - Custo Social do Carbono, envolvendo a estimativa dos impactos causados pelas mudanças climáticas. Neles incluídos os danos impostos à saúde, ao ambiente e o custo para mitigá-los.
O desmatamento e suas consequências na elevação da emissão dos gases causadores do efeito-estufa entre 2019 e 2022, levaram a uma perda estimada em duzentos e um bilhões de dólares, ou cerca de um trilhão e dois milhões de reais. Espera-se que tudo isso esteja ainda bem firme na intenção do Presidente Lula, que ao participar da COP-27, no Egito, afirmou: "Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de cento e trinta países se comprometeram ao assinar a declaração de Glasgow sobre as florestas".
Ao lado disso, é urgente começar o replantio das áreas desérticas a que foram convertidas extensas faixas dos biomas degradados. Boa intenção existe e o Ministério do Meio Ambiente, praticamente extinto no último quatriênio, está entregue a alguém que conhece o tema e já demonstrou sua experiência no passado. Mas é preciso frear a fase dos discursos, das conferências, das palestras, das lives, das entrevistas. A hora é de ação.
Deixemos de lado as mentes liliputianas e vamos pensar grande. O Brasil merece.
*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras