Após 6 meses de intensos debates, restou definido que não haveria a revogação do Novo Ensino Médio (lei 13.415 de 2017), cuja implementação está sendo gradativa, com um ciclo de três anos, iniciado em 2022 com a 1ª série e a ser completado em 2024. Até o momento, duas propostas aparentemente estão consensuadas: que os ajustes e os aprimoramentos da lei, desde que aprovados pelo Congresso, sejam aplicados a partir de 2025; e, para mitigar a ânsia de estudantes e educadores, que o Enem de 2024 aborde somente a Formação Geral Básica (FGB).
Quatro são os principais méritos do Novo Ensino Médio vigente desde 2022: (i) ampliação da carga horária de 2.400 para 3.000 horas totais, um acréscimo de 800h anuais para 1.000h, em um mínimo de 200 dias letivos ao ano; (ii) implantação de uma nova arquitetura curricular, mais universal e contemporânea, com significativo protagonismo do aluno, estímulo à interdisciplinaridade e maior flexibilidade de escolhas por parte do estudante em relação aos componentes curriculares (as chamadas disciplinas, antes da BNCC); (iii) matriz curricular formada em parte por componentes curriculares obrigatórios a todos os alunos, o que se denominou Formação Geral Básica (FGB), restrita a 60% da carga horária, ou seja 1.800h; (iv) e, para complementar as 1.200h restantes, o que a lei convencionou chamar de Itinerários Formativos (IF), nos quais o discente pode escolher entre Formação Técnica e Profissional ou componentes curriculares afins às áreas de conhecimento Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e suas tecnologias, de acordo com a graduação de interesse, caso pretenda ingressar no Ensino Superior.
Promoveram-se, portanto, mudanças significativas e benfazejas em relação ao antigo Ensino Médio, mas, como esperado, a implementação em 2022 demandou um esforço hercúleo das instituições de ensino, especialmente em relação aos Itinerários Formativos, que exigiram a contratação de novos professores ou o aporte de professores de outros componentes curriculares, reconfiguração física de partes da escola, capacitação de docentes, investimento pecuniário (“Pouco mais de dois bilhões de reais foram gastos na implementação do novo ensino médio” - afirma Cláudia Costin). E se permitiu a entronização de novos componentes curriculares, atrativos e contemporâneos, como Projeto de Vida, Educação Digital, Educação Financeira e Pensamento Computacional, ainda que, em contrapartida, outras despropositadas, que beiram a blague. Evidentemente nada difícil para a gestão pública colocar freios de arrumação, pois é consensual que os IF ficaram por demais livres, dispersos.
Assim, com méritos e percalços, o Brasil finalmente superou o antigo Ensino Médio que até 2021 desditosamente andou na contramão de exitosas experiências em diversos países do mundo, bem como de nossas necessidades sociais e econômicas: era um modelo com 13 disciplinas (em geral herméticas e desconectadas do interesse e da realidade da maioria dos alunos), que não levava em conta as aspirações, habilidades e projetos de vida individuais do discente, embora tenha disponibilizado conteúdos aprofundados para atender os que buscavam a aprovação nos vestibulares mais concorridos.
Porém, os demais estudantes, que não compartilhavam necessariamente de um objetivo universitário, ficavam à margem desse cortejo, seja por desmotivação ou abandono, seja por reprovação, uma tragédia que se manifesta nas últimas colocações dos adolescentes brasileiros nos comparativos internacionais (o Pisa é um dos exemplos). Ao cotejar as estatísticas desta etapa com a de outros países, faz jus a afirmativa de Cláudio Moura Castro: “O Brasil criou o pior sistema do mundo com um currículo único e uma escola única.” Péssimos sempre foram os resultados das avaliações internas, como o Ideb, cuja nota no período do antigo Ensino Médio se estabilizou em torno de 3,8 (numa escala que vai até 10). Temos, ainda, um enorme contingente de 7 milhões de jovens de 15 a 29 anos que nem trabalham nem estudam, os jocosamente chamados “nem-nem”.
Nesses últimos seis meses, estive em Brasília por duas vezes, em audiências públicas no MEC, reuniões com a presença de diretores do Inep, de Conselheiros Estaduais e do Conselho Nacional de Educação. Em ambas as vezes, com a presença do ministro Camilo Santana, sempre muito acolhedor e bom ouvinte. O Brasil tem atualmente um arcabouço legal (Lei Federal no. 13.415/17), que carece, sim, de melhorias, adequações e ajustes, tanto sob o prisma pedagógico quanto econômico e social, preponderantemente ações e práticas com boa organização e bom planejamento no âmago das salas de aula. Supomos que ninguém teve a ilusão de imaginar que, com a magnitude das alterações promovidas do antigo para o atual Ensino Médio, e num período de pós-pandemia, houvesse uma entrega numa bandeja de prata, com laços de fita.
Todavia, após toda a ampla discussão envolvendo o tema, a minuta da versão final do MEC, a qual será convertida em PL (Projeto de Lei) e encaminhada ao Congresso, estabelece a ampliação da carga horária da FGB de 1.800h para 2.400h, cuja razão talvez este modesto escriba e professor careça de maiores explicações para entender. Essas 2.400h comportariam exatamente o retorno ao antigo Ensino Médio, com seus já mencionados componentes curriculares plenos de penduricalhos desmotivantes e desnecessários, naquilo que para muitos é difícil de não ser visto como um disfarce para a revogação do Novo Ensino Médio.
Ademais, uma vez que o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) elenca 227 opções de cursos, em nível de Ensino Médio, com carga horária de 1.200h ou 1.000h, e uma minoria com 800h, cabe a pergunta: se um estudante pretende fazer um desses cursos concomitante ao Ensino Médio, mesmo que, nesse caso específico, a FGB se reduza para 2.100h, não “cabem” nem as 1.000h e muito menos as 1.200h do curso, uma vez que o limite plausível para conclusão em três anos é em um turno parcial de até 3.000h. E se, por exemplo, o aluno quer prestar vestibular para Direito, voltará a ter de assistir aulas aprofundadas de Física, Química e Matemática iguais às de seu colega de classe que ingressará em Engenharia? Se algo se parece com tromba de elefante, grande é a probabilidade de ser mesmo elefante e não uma zebra.
E não se pode deixar de lembrar a importância de viabilizar e estimular a Educação Profissional, pois ela tem o condão de reduzir a evasão e a reprovação por meio da sedução do ingresso mais rápido ao mercado de trabalho e da consequente monetização para subsistência pessoal e familiar. Como já muito reiterado, infaustamente o Brasil se tornou, na contramão de suas necessidades, um dos países com menor oferta de cursos de Formação Técnica e Profissional (apenas 7% a 11% das matrículas durante a vigência do antigo Ensino Médio). Nos 38 países da OCDE (de alta renda, comprometidos com a democracia e economia de mercado), esse índice variou entre 38% e 72%, sendo, portanto, maior a motivação para imitá-los. A partir de 2022, com o Novo Ensino Médio, houve um bem-vindo despertar, uma mola propulsora, um ecossistema propício para uma oferta significativa de mais dessas vagas. No Paraná, por exemplo, para 2024 cerca de 115 mil novas matrículas estão previstas para a 1ª série do Novo Ensino Médio, das quais pelo menos 30% seguirão a trilha de uma formação técnica.
Reconhecemos os elevados desafios adicionais que recaem sobre os ombros do Ministério da Educação nesse momento, mas é o MEC e o Conselho Nacional de Educação que têm a responsabilidade de promover uma boa normatização, com mudanças sensatas e equilibradas, para aprimorar o modelo e reduzir as incertezas, as angústias e o frisson de 8 milhões de adolescentes atualmente matriculados no Ensino Médio e os vindouros que cursam o Ensino Fundamental, além de pais, professores, gestores escolares, secretários e conselheiros de educação. Destacamos, também, que a responsabilidade constitucional da oferta do Ensino Médio é dos Estados, por meio dos seus Sistemas Estaduais de Ensino. Ademais, é imprescindível assistência técnica e financeira do MEC às Secretarias Estaduais de Educação, bem como avaliações comparativas, pois, como bem ensina William Deming, “não se gerencia o que não se mede”.
*Jacir J. Venturi, do Conselho Estadual de Educação do Paraná, por 48 anos atuou como professor ou diretor do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas, também como professor da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de livros