Os homens todos são feitos com o mesmo material. Vulnerável a sentimentos inferiores, frágil e quebradiço. É o que explica tantas incompreensões e episódios que não parecem ter sido protagonizados por uma espécie que se autodenomina racional.
É o que ocorre em todos os espaços. Inclusive naqueles ocupados por pessoas eruditas, de cultura superior, presumivelmente imunes à contaminação da insignificância. Sim, quanta mágoa se colhe no terreno do quase-nada! Vale a pena chorar por tão pouco?
Mas a humanidade surpreende. E fornece exemplos de pequenez que fazem corar estátuas de pedra. Um deles ocorreu com o campineiro Rodrigo Octávio, que depois de servir como Secretário-Particular do Presidente Prudente de Morais, teve o seu nome proposto para ingresso na Academia Real de Ciências de Portugal, apresentado pelo escritor Thomaz Ribeiro. Este servira como Embaixador de sua Pátria no Rio e ficara amigo do jovem neto do médico Dr. Langgaard, que também clinicou em Campinas, antes de ser festejado na Corte.
Thomaz Ribeiro encaminhou o ofício-proposta, acompanhado de um exemplar de cada livro escrito por Rodrigo Octávio. Os livros se perderam. Pediu que o indicado fornecesse outros volumes, o que foi feito. Novamente endereçou os livros, renovando a proposta inicial.
Recebe o proponente uma missiva de Antonio Cândido, que teria de elaborar o parecer favorável ao ingresso, dizendo que a proposta fora extraviada. Reitera Thomaz Rodrigues a indicação. Agora Antonio Cândido emite o seu parecer favorável. E o parecer desaparece. Nova análise do currículo e obras do recomendado é elaborado por Antonio Cândido. É crível saber que, mais uma vez, ele se perde?
Thomaz Ribeiro fica indignado. Escreve não ao seu “afilhado”, mas a Luiz Guimarães Filho, que servira como Embaixador Brasileiro em Lisboa e retornara ao Brasil. Narra que os acontecimentos que a Academia Nacional de Ciências registrara os magoara bastante. Medida com a qual não concordou, foi a de não se admitir mais sócios correspondentes, o que estava previsto nos Estatutos. Depois, diz do grande empenho seu em ver sócio da Academia “um rapaz que muito aí estimei e muito me obsequiou: Rodrigo Octávio”.
Conta do estranho desaparecimento primeiro dos livros, depois, por duas vezes, do parecer favorável à sua admissão na mais respeitada Casa de Ciências dos lusos. Era tal a decepção e sagrada ira de Thomaz Ribeiro, que ele tomou atitude drástica: “Declarei, por ofício, à Academia que cedia o meu lugar e que me dava por não acadêmico. Estou à espera de minha dispensa para mandar dizer ao Rodrigo Octávio - “Vossa Excelência não entrou, saí eu!”. Não creio que lhe possa dar outra satisfação, por que ninguém acreditará que se perdessem dois pareceres favoráveis antes de serem votados!”.
Mas Rodrigo Octávio foi admitido à Academia. Recebeu ofício em 6 de abril de 1900, com a comunicação de que, na véspera, fora eleito por unanimidade de votos. Pouco depois, Thomaz Ribeiro falecia.
Rodrigo Octávio já observara que os portugueses já não queriam mais brasileiros em sua Academia. Depois de Afonso Celso e Assis Brasil, admitidos em 1895 e 1896, o primeiro foi ele, em 1900. Dez anos depois, Tobias Monteiro e Alberto de Oliveira.
Rodrigo Octávio sempre se mostrou grato a Thomaz Ribeiro, cujo livro “Dom Jayme” estava à sua cabeceira e cujos versos sabia de cor. Principalmente aqueles que encerram a narração idílica falando de beijos: “Se os beijos são d’amor, se amor é vida/eu quero esse prazer, celeste, ameno!/viver! Oh! Sim, viver!/ Se os beijos têm veneno/se há beijos homicidas/quisera ter cem vidas/e vezes cem morrer!”.