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Opinião|Metaterritórios e refugiados climáticos


Por Cibele Alexandre Uchoa*

As notícias dos últimos anos, corroboradas por pesquisas científicas, indicam que podemos estar vivenciando “o fim da aventura humana na Terra” [1], e o fato de faixas territoriais significativas caminharem pouco a pouco para a submersão como consequência do descongelamento das calotas polares não é nenhuma novidade.

Cibele Alexandre Uchoa Foto: Arquivo pessoal

A ficção que representa nossa terra arrasada conta com diversas obras nas quais já é possível transferir a consciência humana para um ambiente virtual, como no icônico San Junipero [2]. Mas como nos atrasamos para a festa de final de mundo que preparamos, por enquanto planejamos reproduzir de forma virtual ambientes experienciados na realidade física.

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Os tours virtuais por museus, igrejas, escolas etc., seja com recursos disponibilizados pelas instituições ou a partir do Google Street View, já fazem parte de nossas navegações pela internet há alguns bons anos, e o refinamento esperado dessas visitas é que os tours estejam disponíveis para experiências digitais imersivas. Atlântida mesmo só virou mistério por um pequeno lapso de quase 20 mil anos que a separou desses recursos tecnológicos.

Na vanguarda dos projetos de um metaterritório – por necessidade –, o país da Oceania Tuvalu era originalmente formado por onze ilhas e atóis, mas já perdeu duas de suas ilhas para o mar e tem destino certo traçado pelas mudanças climáticas: a submersão. Com o planejamento de reproduzir pormenorizadamente o arquipélago em um ambiente de metaverso como forma de preservar a cultura e a história da nação, o governo do país objetiva bem mais que a criação de um culturaverso.

Do ponto de vista tecnológico, a reprodução de um território em um metaverso com o fim de guardar, na maior medida possível, a memória e a história de um povo que perdeu a sua pátria é um dos privilégios que o refinamento da tecnologia promete nos proporcionar, frente à destruição desse mesmo território, na conta da exploração desenfreada da natureza realizada em nome do que o modelo capitalista de produção convencionou denominar progresso. Do ponto de vista humano, esse dito privilégio não passa de falta de escolha, isso quando pode ser tido como escolha, já que os refugiados climáticos passam a constituir uma nação sem pátria, portanto, sem a instituição estatal garantidora de direitos e garantias fundamentais, e dependentes do acolhimento por parte de outros Estados.

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Memória e identidade cultural subsistem independentemente de recursos tecnológicos e da possibilidade de visitar, mesmo que digitalmente, um território. Isso porque estão ligados à história de um determinado povo e se relacionam a sentimentos mais profundos que a existência ou não de um Estado. Por outro lado, os direitos básicos merecem estar sob os holofotes, pois dependem da existência desse Estado – exemplo claro disso são as situações dos refugiados de guerras e daqueles que sequer conseguem refúgio (é bem provável que, assim como eu, você também tenha lembrança de alguma fotografia emblemática que ilustre toda essa questão).

Apesar de Tuvalu ter negociado um acordo com a Austrália – no qual está prevista a migração de 280 refugiados por ano, o investimento para a expansão do território da capital de Tuvalu em 6% e a provisão de segurança militar ao arquipélago em casos de conflitos regionais –, Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, externalizou a pretensão de o arquipélago manter sua soberania mesmo sem território. Assim, o objetivo da reprodução pormenorizada de Tuvalu em um ambiente de metaverso não se restringiria apenas à preservação da memória e da história de seu povo.

Na vanguarda não apenas da utilização dos recursos tecnológicos, Tuvalu vislumbra parâmetros jurídicos internacionais que talvez nunca possam ser praticados, mas tão somente teorizados. Há nações sem territórios, mas países soberanos com territórios digitais desafiam diversas questões geopolíticas, e a mais simples delas é o fato de que nenhum metaverso está em um espaço metafísico, de modo que não há como se desvencilhar da dependência de outro Estado. Pelo menos por enquanto.

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*Cibele Alexandre Uchoa, escritora, pesquisadora, mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult

Notas:

[1] TOZZI, Umberto; BIGAZZI, Giancarlo. Eva. Traduzido por Marcos Ficarelli. In: BANDA EVA. Banda Eva ao vivo. Salvador: Universal Music Group, 1997.

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[2] Quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror.

As notícias dos últimos anos, corroboradas por pesquisas científicas, indicam que podemos estar vivenciando “o fim da aventura humana na Terra” [1], e o fato de faixas territoriais significativas caminharem pouco a pouco para a submersão como consequência do descongelamento das calotas polares não é nenhuma novidade.

Cibele Alexandre Uchoa Foto: Arquivo pessoal

A ficção que representa nossa terra arrasada conta com diversas obras nas quais já é possível transferir a consciência humana para um ambiente virtual, como no icônico San Junipero [2]. Mas como nos atrasamos para a festa de final de mundo que preparamos, por enquanto planejamos reproduzir de forma virtual ambientes experienciados na realidade física.

Os tours virtuais por museus, igrejas, escolas etc., seja com recursos disponibilizados pelas instituições ou a partir do Google Street View, já fazem parte de nossas navegações pela internet há alguns bons anos, e o refinamento esperado dessas visitas é que os tours estejam disponíveis para experiências digitais imersivas. Atlântida mesmo só virou mistério por um pequeno lapso de quase 20 mil anos que a separou desses recursos tecnológicos.

Na vanguarda dos projetos de um metaterritório – por necessidade –, o país da Oceania Tuvalu era originalmente formado por onze ilhas e atóis, mas já perdeu duas de suas ilhas para o mar e tem destino certo traçado pelas mudanças climáticas: a submersão. Com o planejamento de reproduzir pormenorizadamente o arquipélago em um ambiente de metaverso como forma de preservar a cultura e a história da nação, o governo do país objetiva bem mais que a criação de um culturaverso.

Do ponto de vista tecnológico, a reprodução de um território em um metaverso com o fim de guardar, na maior medida possível, a memória e a história de um povo que perdeu a sua pátria é um dos privilégios que o refinamento da tecnologia promete nos proporcionar, frente à destruição desse mesmo território, na conta da exploração desenfreada da natureza realizada em nome do que o modelo capitalista de produção convencionou denominar progresso. Do ponto de vista humano, esse dito privilégio não passa de falta de escolha, isso quando pode ser tido como escolha, já que os refugiados climáticos passam a constituir uma nação sem pátria, portanto, sem a instituição estatal garantidora de direitos e garantias fundamentais, e dependentes do acolhimento por parte de outros Estados.

Memória e identidade cultural subsistem independentemente de recursos tecnológicos e da possibilidade de visitar, mesmo que digitalmente, um território. Isso porque estão ligados à história de um determinado povo e se relacionam a sentimentos mais profundos que a existência ou não de um Estado. Por outro lado, os direitos básicos merecem estar sob os holofotes, pois dependem da existência desse Estado – exemplo claro disso são as situações dos refugiados de guerras e daqueles que sequer conseguem refúgio (é bem provável que, assim como eu, você também tenha lembrança de alguma fotografia emblemática que ilustre toda essa questão).

Apesar de Tuvalu ter negociado um acordo com a Austrália – no qual está prevista a migração de 280 refugiados por ano, o investimento para a expansão do território da capital de Tuvalu em 6% e a provisão de segurança militar ao arquipélago em casos de conflitos regionais –, Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, externalizou a pretensão de o arquipélago manter sua soberania mesmo sem território. Assim, o objetivo da reprodução pormenorizada de Tuvalu em um ambiente de metaverso não se restringiria apenas à preservação da memória e da história de seu povo.

Na vanguarda não apenas da utilização dos recursos tecnológicos, Tuvalu vislumbra parâmetros jurídicos internacionais que talvez nunca possam ser praticados, mas tão somente teorizados. Há nações sem territórios, mas países soberanos com territórios digitais desafiam diversas questões geopolíticas, e a mais simples delas é o fato de que nenhum metaverso está em um espaço metafísico, de modo que não há como se desvencilhar da dependência de outro Estado. Pelo menos por enquanto.

*Cibele Alexandre Uchoa, escritora, pesquisadora, mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult

Notas:

[1] TOZZI, Umberto; BIGAZZI, Giancarlo. Eva. Traduzido por Marcos Ficarelli. In: BANDA EVA. Banda Eva ao vivo. Salvador: Universal Music Group, 1997.

[2] Quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror.

As notícias dos últimos anos, corroboradas por pesquisas científicas, indicam que podemos estar vivenciando “o fim da aventura humana na Terra” [1], e o fato de faixas territoriais significativas caminharem pouco a pouco para a submersão como consequência do descongelamento das calotas polares não é nenhuma novidade.

Cibele Alexandre Uchoa Foto: Arquivo pessoal

A ficção que representa nossa terra arrasada conta com diversas obras nas quais já é possível transferir a consciência humana para um ambiente virtual, como no icônico San Junipero [2]. Mas como nos atrasamos para a festa de final de mundo que preparamos, por enquanto planejamos reproduzir de forma virtual ambientes experienciados na realidade física.

Os tours virtuais por museus, igrejas, escolas etc., seja com recursos disponibilizados pelas instituições ou a partir do Google Street View, já fazem parte de nossas navegações pela internet há alguns bons anos, e o refinamento esperado dessas visitas é que os tours estejam disponíveis para experiências digitais imersivas. Atlântida mesmo só virou mistério por um pequeno lapso de quase 20 mil anos que a separou desses recursos tecnológicos.

Na vanguarda dos projetos de um metaterritório – por necessidade –, o país da Oceania Tuvalu era originalmente formado por onze ilhas e atóis, mas já perdeu duas de suas ilhas para o mar e tem destino certo traçado pelas mudanças climáticas: a submersão. Com o planejamento de reproduzir pormenorizadamente o arquipélago em um ambiente de metaverso como forma de preservar a cultura e a história da nação, o governo do país objetiva bem mais que a criação de um culturaverso.

Do ponto de vista tecnológico, a reprodução de um território em um metaverso com o fim de guardar, na maior medida possível, a memória e a história de um povo que perdeu a sua pátria é um dos privilégios que o refinamento da tecnologia promete nos proporcionar, frente à destruição desse mesmo território, na conta da exploração desenfreada da natureza realizada em nome do que o modelo capitalista de produção convencionou denominar progresso. Do ponto de vista humano, esse dito privilégio não passa de falta de escolha, isso quando pode ser tido como escolha, já que os refugiados climáticos passam a constituir uma nação sem pátria, portanto, sem a instituição estatal garantidora de direitos e garantias fundamentais, e dependentes do acolhimento por parte de outros Estados.

Memória e identidade cultural subsistem independentemente de recursos tecnológicos e da possibilidade de visitar, mesmo que digitalmente, um território. Isso porque estão ligados à história de um determinado povo e se relacionam a sentimentos mais profundos que a existência ou não de um Estado. Por outro lado, os direitos básicos merecem estar sob os holofotes, pois dependem da existência desse Estado – exemplo claro disso são as situações dos refugiados de guerras e daqueles que sequer conseguem refúgio (é bem provável que, assim como eu, você também tenha lembrança de alguma fotografia emblemática que ilustre toda essa questão).

Apesar de Tuvalu ter negociado um acordo com a Austrália – no qual está prevista a migração de 280 refugiados por ano, o investimento para a expansão do território da capital de Tuvalu em 6% e a provisão de segurança militar ao arquipélago em casos de conflitos regionais –, Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, externalizou a pretensão de o arquipélago manter sua soberania mesmo sem território. Assim, o objetivo da reprodução pormenorizada de Tuvalu em um ambiente de metaverso não se restringiria apenas à preservação da memória e da história de seu povo.

Na vanguarda não apenas da utilização dos recursos tecnológicos, Tuvalu vislumbra parâmetros jurídicos internacionais que talvez nunca possam ser praticados, mas tão somente teorizados. Há nações sem territórios, mas países soberanos com territórios digitais desafiam diversas questões geopolíticas, e a mais simples delas é o fato de que nenhum metaverso está em um espaço metafísico, de modo que não há como se desvencilhar da dependência de outro Estado. Pelo menos por enquanto.

*Cibele Alexandre Uchoa, escritora, pesquisadora, mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult

Notas:

[1] TOZZI, Umberto; BIGAZZI, Giancarlo. Eva. Traduzido por Marcos Ficarelli. In: BANDA EVA. Banda Eva ao vivo. Salvador: Universal Music Group, 1997.

[2] Quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror.

As notícias dos últimos anos, corroboradas por pesquisas científicas, indicam que podemos estar vivenciando “o fim da aventura humana na Terra” [1], e o fato de faixas territoriais significativas caminharem pouco a pouco para a submersão como consequência do descongelamento das calotas polares não é nenhuma novidade.

Cibele Alexandre Uchoa Foto: Arquivo pessoal

A ficção que representa nossa terra arrasada conta com diversas obras nas quais já é possível transferir a consciência humana para um ambiente virtual, como no icônico San Junipero [2]. Mas como nos atrasamos para a festa de final de mundo que preparamos, por enquanto planejamos reproduzir de forma virtual ambientes experienciados na realidade física.

Os tours virtuais por museus, igrejas, escolas etc., seja com recursos disponibilizados pelas instituições ou a partir do Google Street View, já fazem parte de nossas navegações pela internet há alguns bons anos, e o refinamento esperado dessas visitas é que os tours estejam disponíveis para experiências digitais imersivas. Atlântida mesmo só virou mistério por um pequeno lapso de quase 20 mil anos que a separou desses recursos tecnológicos.

Na vanguarda dos projetos de um metaterritório – por necessidade –, o país da Oceania Tuvalu era originalmente formado por onze ilhas e atóis, mas já perdeu duas de suas ilhas para o mar e tem destino certo traçado pelas mudanças climáticas: a submersão. Com o planejamento de reproduzir pormenorizadamente o arquipélago em um ambiente de metaverso como forma de preservar a cultura e a história da nação, o governo do país objetiva bem mais que a criação de um culturaverso.

Do ponto de vista tecnológico, a reprodução de um território em um metaverso com o fim de guardar, na maior medida possível, a memória e a história de um povo que perdeu a sua pátria é um dos privilégios que o refinamento da tecnologia promete nos proporcionar, frente à destruição desse mesmo território, na conta da exploração desenfreada da natureza realizada em nome do que o modelo capitalista de produção convencionou denominar progresso. Do ponto de vista humano, esse dito privilégio não passa de falta de escolha, isso quando pode ser tido como escolha, já que os refugiados climáticos passam a constituir uma nação sem pátria, portanto, sem a instituição estatal garantidora de direitos e garantias fundamentais, e dependentes do acolhimento por parte de outros Estados.

Memória e identidade cultural subsistem independentemente de recursos tecnológicos e da possibilidade de visitar, mesmo que digitalmente, um território. Isso porque estão ligados à história de um determinado povo e se relacionam a sentimentos mais profundos que a existência ou não de um Estado. Por outro lado, os direitos básicos merecem estar sob os holofotes, pois dependem da existência desse Estado – exemplo claro disso são as situações dos refugiados de guerras e daqueles que sequer conseguem refúgio (é bem provável que, assim como eu, você também tenha lembrança de alguma fotografia emblemática que ilustre toda essa questão).

Apesar de Tuvalu ter negociado um acordo com a Austrália – no qual está prevista a migração de 280 refugiados por ano, o investimento para a expansão do território da capital de Tuvalu em 6% e a provisão de segurança militar ao arquipélago em casos de conflitos regionais –, Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, externalizou a pretensão de o arquipélago manter sua soberania mesmo sem território. Assim, o objetivo da reprodução pormenorizada de Tuvalu em um ambiente de metaverso não se restringiria apenas à preservação da memória e da história de seu povo.

Na vanguarda não apenas da utilização dos recursos tecnológicos, Tuvalu vislumbra parâmetros jurídicos internacionais que talvez nunca possam ser praticados, mas tão somente teorizados. Há nações sem territórios, mas países soberanos com territórios digitais desafiam diversas questões geopolíticas, e a mais simples delas é o fato de que nenhum metaverso está em um espaço metafísico, de modo que não há como se desvencilhar da dependência de outro Estado. Pelo menos por enquanto.

*Cibele Alexandre Uchoa, escritora, pesquisadora, mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult

Notas:

[1] TOZZI, Umberto; BIGAZZI, Giancarlo. Eva. Traduzido por Marcos Ficarelli. In: BANDA EVA. Banda Eva ao vivo. Salvador: Universal Music Group, 1997.

[2] Quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror.

As notícias dos últimos anos, corroboradas por pesquisas científicas, indicam que podemos estar vivenciando “o fim da aventura humana na Terra” [1], e o fato de faixas territoriais significativas caminharem pouco a pouco para a submersão como consequência do descongelamento das calotas polares não é nenhuma novidade.

Cibele Alexandre Uchoa Foto: Arquivo pessoal

A ficção que representa nossa terra arrasada conta com diversas obras nas quais já é possível transferir a consciência humana para um ambiente virtual, como no icônico San Junipero [2]. Mas como nos atrasamos para a festa de final de mundo que preparamos, por enquanto planejamos reproduzir de forma virtual ambientes experienciados na realidade física.

Os tours virtuais por museus, igrejas, escolas etc., seja com recursos disponibilizados pelas instituições ou a partir do Google Street View, já fazem parte de nossas navegações pela internet há alguns bons anos, e o refinamento esperado dessas visitas é que os tours estejam disponíveis para experiências digitais imersivas. Atlântida mesmo só virou mistério por um pequeno lapso de quase 20 mil anos que a separou desses recursos tecnológicos.

Na vanguarda dos projetos de um metaterritório – por necessidade –, o país da Oceania Tuvalu era originalmente formado por onze ilhas e atóis, mas já perdeu duas de suas ilhas para o mar e tem destino certo traçado pelas mudanças climáticas: a submersão. Com o planejamento de reproduzir pormenorizadamente o arquipélago em um ambiente de metaverso como forma de preservar a cultura e a história da nação, o governo do país objetiva bem mais que a criação de um culturaverso.

Do ponto de vista tecnológico, a reprodução de um território em um metaverso com o fim de guardar, na maior medida possível, a memória e a história de um povo que perdeu a sua pátria é um dos privilégios que o refinamento da tecnologia promete nos proporcionar, frente à destruição desse mesmo território, na conta da exploração desenfreada da natureza realizada em nome do que o modelo capitalista de produção convencionou denominar progresso. Do ponto de vista humano, esse dito privilégio não passa de falta de escolha, isso quando pode ser tido como escolha, já que os refugiados climáticos passam a constituir uma nação sem pátria, portanto, sem a instituição estatal garantidora de direitos e garantias fundamentais, e dependentes do acolhimento por parte de outros Estados.

Memória e identidade cultural subsistem independentemente de recursos tecnológicos e da possibilidade de visitar, mesmo que digitalmente, um território. Isso porque estão ligados à história de um determinado povo e se relacionam a sentimentos mais profundos que a existência ou não de um Estado. Por outro lado, os direitos básicos merecem estar sob os holofotes, pois dependem da existência desse Estado – exemplo claro disso são as situações dos refugiados de guerras e daqueles que sequer conseguem refúgio (é bem provável que, assim como eu, você também tenha lembrança de alguma fotografia emblemática que ilustre toda essa questão).

Apesar de Tuvalu ter negociado um acordo com a Austrália – no qual está prevista a migração de 280 refugiados por ano, o investimento para a expansão do território da capital de Tuvalu em 6% e a provisão de segurança militar ao arquipélago em casos de conflitos regionais –, Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, externalizou a pretensão de o arquipélago manter sua soberania mesmo sem território. Assim, o objetivo da reprodução pormenorizada de Tuvalu em um ambiente de metaverso não se restringiria apenas à preservação da memória e da história de seu povo.

Na vanguarda não apenas da utilização dos recursos tecnológicos, Tuvalu vislumbra parâmetros jurídicos internacionais que talvez nunca possam ser praticados, mas tão somente teorizados. Há nações sem territórios, mas países soberanos com territórios digitais desafiam diversas questões geopolíticas, e a mais simples delas é o fato de que nenhum metaverso está em um espaço metafísico, de modo que não há como se desvencilhar da dependência de outro Estado. Pelo menos por enquanto.

*Cibele Alexandre Uchoa, escritora, pesquisadora, mestre e doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais – IBDCult

Notas:

[1] TOZZI, Umberto; BIGAZZI, Giancarlo. Eva. Traduzido por Marcos Ficarelli. In: BANDA EVA. Banda Eva ao vivo. Salvador: Universal Music Group, 1997.

[2] Quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror.

Opinião por Cibele Alexandre Uchoa*

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