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Opinião|Minirreforma da Lei de Licitações, registro de preços entre municípios e obras de engenharia


Por Alexandre Manir Figueiredo Sarquis*

É sempre motivo de perplexidade a aprovação de um projeto de lei pelo qual os agentes públicos e os estudiosos não esperavam. O que desperta surpresa é o fato de que o Congresso é o mecanismo de que dispomos para absorver o dissenso, promover o diálogo e abraçar as controvérsias a fim de que, por meio dos esclarecimentos e concessões recíprocas que são típicas do debate esclarecido, se alcance o ponto médio da dialética que consolida a Democracia.

Alexandre Manir Figueiredo Sarquis Foto: Arquivo pessoal

Mas as leis inesperadas também são, de certa forma, da Democracia. A transposição da capital do Rio de Janeiro para o centro do Brasil teve como um de seus argumentos – dizem – , o desejo dos governantes de pôr os Parlamentares em distanciamento propício à reflexão desapaixonada e racional sobre os temas nacionais. Ademais, sempre haverá a etapa subsequente de adesão formal do Poder Executivo - sanção ou veto – , em um último round de debates, ainda que distanciado do foro que seria mais adequado.

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Na sexta-feira do dia 1/12/2023 foi aprovado o PL do Senado 3954/2023 contendo uma pequena reforma na nova lei de licitações, marco que ainda se encontra em processo de implantação. Talvez o natural seria aguardar que a nova Lei produzisse seus completos desdobramentos para que, somente então e uma vez reveladas as faltas e deficiências, se aplicassem as correções na medida em que necessárias.

Bem, mas não foi assim e, agora, vemo-nos na posição de debater o que surgiu no bojo da tal reforma. Vou me limitar a dois pontos, pois percebo manifestações de pessoas que admiro e que respeito em certa divergência com o que penso sobre os mesmos assuntos. Natural a divergência, dado o exíguo prazo para analisar o projeto, mas se é verdade que o assunto não ficou bem debatido alhures, eis a oportunidade para que o façamos agora.

O primeiro ponto é o MODO DE DISPUTA FECHADO PARA OBRAS DE ENGENHARIA. Esclareço: modo de disputa fechado é a regra nas modalidades tradicionais da Lei 8666/1993, tais como a Concorrência e a Tomada de Preços. Abre-se o envelope da proposta e o que dele constar, é final. Em contraposição, o modo de disputa aberto é o que ficou consagrado com a Lei do Pregão, que permite lances públicos e sucessivos de forma que os concorrentes aceitam reduzir seu proveito econômico a fim de ter o contrato público adjudicado a favor de si.

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O modo aberto representou um formidável avanço em direção à economicidade das contratações públicas, mas ele opera sob o argumento implícito de nenhum empresário teria incentivos para sugerir preço que lhe fosse instantaneamente prejudicial, uma vez que é dotado de informação completa acerca do bem que negocia, bastaria, para não prejudicar nem a si nem ao mercado, que deixasse de realizar novas propostas tão logo percebesse que se seus lucros se anularam. É um argumento que depende da estrutura de mercado e da estrutura dos contratos que, por vezes, são imperfeitos e incompletos.

O original art. 56, §1º da nova Lei de Licitações (Lei 14133/2021) sentencia que o modo fechado estava vedado sempre que o critério de julgamento eleito fosse o de menor preço, sem qualquer ressalva. A conclusão era, na dicção original da Lei 141333/2021, que em obras de engenharia sempre haveria alguma etapa de lances. Com o PL 3954/25023, entretanto, o vaticínio do artigo foi contemporizado para introduzir uma ressalva: obras ou serviços especiais de engenharia de valor estimado superior a 1.500.000,00, para os quais pode haver modo fechado.

Parece estar surgindo um consenso de que a mudança não é bem-vinda, pois prejudicaria a possibilidade de contratos mais vantajosos para a Administração Pública. Tenho lá as minhas dúvidas. Contratos mais vantajosos não são sempre os de menor preço: a própria lei assim concede nos casos do concurso de projetos, da inexigibilidade por notória especialização e do tipo “técnica e preço”, por exemplo. A visão “menor preço”, se insofismável, corre o risco de impor um maniqueísmo licitatório monocromático, quase autista, incompatível com a complexidade das relações técnicas de uma empreitada de engenharia.

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Contratos de menores preços são os mais vantajosos acaso alcancem conclusão satisfatória sem comprometimento da continuidade operacional de quem executa, mas há incidência alarmante de quebras entre as empreiteiras nacionais. Surgem, ademais, inúmeros relatos de obras paralisadas pelo Brasil afora (https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/par/pacto-nacional-pela-retomada-de-obras-da-educacao e https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/diagnostico-sobre-obras-paradas/ por exemplo).

Em havendo assunção de riscos sem que se exija a correspondente remuneração, uma vez surpreendido pela inovação no estado da natureza ou na extensão das obrigações contratuais, cabe ao empreiteiro somente o subterfúgio a pedidos de reequilíbrio e aditivos, cada vez mais vigiados pelos Tribunais de Contas brasileiros. Contratação vantajosa é contratação que vai a termo satisfatoriamente e que propicia a possibilidade de continuidade da relação comercial em um cenário de integridade legal e moral.

Antes que se diga que se está a defender a majoração arbitrária de preços ou a dissimulação de lucros extraordinários, é de se sublinhar que já há uma série de controles postos em efeito, tais como o cálculo do orçamento estimativo pelos sistemas SINAPI e SICRO, conhecidos por conter preços módicos (art. 23, §2º, I), a imposição de que orçamento assim calculado constitua o máximo aceitável pela administração (art. 59, III), o fato de que o primeiro colocado pode ser chamado à negociação de preço mais vantajoso em qualquer caso (art. 61), a prova de capacidade técnica flexibilizada, permitindo um maior número de participantes que antes eram alijados da disputa (art. 67), a exigência de manutenção do percentual do desconto em relação a tabelas de referência nas mudanças contratuais (arts. 128 e 129) e o fato de que o modo de disputa fechado, ainda que não disponha de lances, sempre favorecerá a proposta válida de menor valor. Convenhamos, somente se aplica a nova regra às obras de engenharia especiais com preços globais superiores a R$ 1,5 milhão, dificilmente o permissivo geral que se teme.

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Resisto à ideia de que empresas de engenharia devam digladiar por preços em um mercado de tamanha complexidade técnica. Em bens de consumo, tal reducionismo é aceitável, pois somente se paga após analisado e aceito o bem, para o qual há uma consolidada expectativa de qualidade esperada. Em empreitadas de engenharia, ocorre diversamente, com o pagamento se iniciando já na mobilização, atividade sem qualquer prenúncio substancial da obra que está por vir. Enfim, inúmeros são os ensejos que se apresentam ao tempo de execução para que se recobre o espaço financeiro perdido ao tempo da disputa, todos de difícil fiscalização.

O segundo ponto a que faço menção é a CARONA EM REGISTRO DE PREÇOS ENTRE MUNICIPALIDADES. A carona em registro de preços, de plano, já representa uma flexibilização de todos os eixos valorativos da licitação pública, que preconiza um procedimento transparente, republicando e planejado, conduzido pelo quadro técnico do próprio órgão. Em registro de preços, a Administração Pública nem bloqueia recursos orçamentários, nem se vê obrigada a contratar o que registra, podendo não planejar. Na carona, mais ainda, nem mesmo a especificação e a licitação realiza, aproveitando, ao invés disso, aquela de outro órgão, com quem não teve qualquer contato durante a fase interna do procedimento.

Um órgão público pode pracear a intenção de registrar 100 microcomputadores mesmo que disponha de apenas 50 estações de trabalho, por exemplo. A nova Lei 14133/2021 regulamentou a carona em ata de registro de preços ao art. 86, §2º. Com isso, o eventual fornecedor detentor da ata mencionada acima ficaria na incerteza de vender desde zero computadores, posto que a entidade promotora não se encontra na obrigação jurídica de comprar uma unidade sequer, até vender trezentos microcomputadores, se todas as margens para carona forem deferidas. Esse é um grau de incerteza incompatível com a elaboração de propostas firmes pelo prazo que se exige que sejam mantidas (até dois anos).

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Nada obstante, isso está assim e assim será realizado. Houve um único senão na lei - e que agora se viu levantado. Impôs-se uma lógica de adesão hierárquica: Municipalidades adeririam a atas de Estados ou da União, Estados, às atas dos demais Estados ou da União, e a União, somente às dela mesma. Aquele em melhores condições de contemplar as estatalidades que o formam, elabora os instrumentos de operação descentralizada - imagino eu.

A reforma, no entanto, veio reorganizar tal lógica, permitindo que Municipalidades pratiquem adesões recíprocas. Parece se consolidar a opinião segundo a qual esta alteração, ao contrário da primeira que mencionei, é bem-vinda, pois a vedação originalmente colocada na Lei não respeitaria a autonomia dos Municípios, bem como ignoraria uma prática que já vem arraigada.

Não penso assim, pois acredito que o grande risco de mal uso da carona em registro de preços é justamente na adesão entre municípios.

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Perceba que já existe estímulo suficiente à formação de centrais de compras, inclusive, em meio aos Consórcios Intermunicipais (art. 181). Aí de fato se promoveria a formação de atas de registros de preços intermunicipais em um cenário de mutualidade racionalizada, com compartilhamento dos quantitativos, mas com elaboração de especificações conjuntamente. A maioria dos Municípios brasileiros participa de ao menos um consórcio intermunicipal.

A carona em registro de preços entre municípios, portanto, não viria para propiciar a adesão entre os entes próximos - o que já existe -, mas entre os distantes. Descartando os municípios da praça, cogitam-se os municípios do Brasil inteiro, que se apresenta em toda a sua diversidade, arrastando todas as vicissitudes, bem como jurisdições diversas de Tribunais de Contas.

Enfim, se eu fosse lançar votos, fotos pelos quais ninguém me perguntou, votaria favoravelmente às disputas fechadas em obras especiais de engenharia, desfavoravelmente à carona em registros de preços entre entes municipais e favoravelmente ao aprofundamento dos debates no Congresso Nacional, bastião de todos os nossos mais caros anseios de Democracia.

*Alexandre Manir Figueiredo Sarquis, formado em Direito, Engenharia e Administração Pública, é mestre em Economia, especialista em auditoria e doutorando em Direito Financeiro. Professor de Direito Administrativo da Fipecafi

É sempre motivo de perplexidade a aprovação de um projeto de lei pelo qual os agentes públicos e os estudiosos não esperavam. O que desperta surpresa é o fato de que o Congresso é o mecanismo de que dispomos para absorver o dissenso, promover o diálogo e abraçar as controvérsias a fim de que, por meio dos esclarecimentos e concessões recíprocas que são típicas do debate esclarecido, se alcance o ponto médio da dialética que consolida a Democracia.

Alexandre Manir Figueiredo Sarquis Foto: Arquivo pessoal

Mas as leis inesperadas também são, de certa forma, da Democracia. A transposição da capital do Rio de Janeiro para o centro do Brasil teve como um de seus argumentos – dizem – , o desejo dos governantes de pôr os Parlamentares em distanciamento propício à reflexão desapaixonada e racional sobre os temas nacionais. Ademais, sempre haverá a etapa subsequente de adesão formal do Poder Executivo - sanção ou veto – , em um último round de debates, ainda que distanciado do foro que seria mais adequado.

Na sexta-feira do dia 1/12/2023 foi aprovado o PL do Senado 3954/2023 contendo uma pequena reforma na nova lei de licitações, marco que ainda se encontra em processo de implantação. Talvez o natural seria aguardar que a nova Lei produzisse seus completos desdobramentos para que, somente então e uma vez reveladas as faltas e deficiências, se aplicassem as correções na medida em que necessárias.

Bem, mas não foi assim e, agora, vemo-nos na posição de debater o que surgiu no bojo da tal reforma. Vou me limitar a dois pontos, pois percebo manifestações de pessoas que admiro e que respeito em certa divergência com o que penso sobre os mesmos assuntos. Natural a divergência, dado o exíguo prazo para analisar o projeto, mas se é verdade que o assunto não ficou bem debatido alhures, eis a oportunidade para que o façamos agora.

O primeiro ponto é o MODO DE DISPUTA FECHADO PARA OBRAS DE ENGENHARIA. Esclareço: modo de disputa fechado é a regra nas modalidades tradicionais da Lei 8666/1993, tais como a Concorrência e a Tomada de Preços. Abre-se o envelope da proposta e o que dele constar, é final. Em contraposição, o modo de disputa aberto é o que ficou consagrado com a Lei do Pregão, que permite lances públicos e sucessivos de forma que os concorrentes aceitam reduzir seu proveito econômico a fim de ter o contrato público adjudicado a favor de si.

O modo aberto representou um formidável avanço em direção à economicidade das contratações públicas, mas ele opera sob o argumento implícito de nenhum empresário teria incentivos para sugerir preço que lhe fosse instantaneamente prejudicial, uma vez que é dotado de informação completa acerca do bem que negocia, bastaria, para não prejudicar nem a si nem ao mercado, que deixasse de realizar novas propostas tão logo percebesse que se seus lucros se anularam. É um argumento que depende da estrutura de mercado e da estrutura dos contratos que, por vezes, são imperfeitos e incompletos.

O original art. 56, §1º da nova Lei de Licitações (Lei 14133/2021) sentencia que o modo fechado estava vedado sempre que o critério de julgamento eleito fosse o de menor preço, sem qualquer ressalva. A conclusão era, na dicção original da Lei 141333/2021, que em obras de engenharia sempre haveria alguma etapa de lances. Com o PL 3954/25023, entretanto, o vaticínio do artigo foi contemporizado para introduzir uma ressalva: obras ou serviços especiais de engenharia de valor estimado superior a 1.500.000,00, para os quais pode haver modo fechado.

Parece estar surgindo um consenso de que a mudança não é bem-vinda, pois prejudicaria a possibilidade de contratos mais vantajosos para a Administração Pública. Tenho lá as minhas dúvidas. Contratos mais vantajosos não são sempre os de menor preço: a própria lei assim concede nos casos do concurso de projetos, da inexigibilidade por notória especialização e do tipo “técnica e preço”, por exemplo. A visão “menor preço”, se insofismável, corre o risco de impor um maniqueísmo licitatório monocromático, quase autista, incompatível com a complexidade das relações técnicas de uma empreitada de engenharia.

Contratos de menores preços são os mais vantajosos acaso alcancem conclusão satisfatória sem comprometimento da continuidade operacional de quem executa, mas há incidência alarmante de quebras entre as empreiteiras nacionais. Surgem, ademais, inúmeros relatos de obras paralisadas pelo Brasil afora (https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/par/pacto-nacional-pela-retomada-de-obras-da-educacao e https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/diagnostico-sobre-obras-paradas/ por exemplo).

Em havendo assunção de riscos sem que se exija a correspondente remuneração, uma vez surpreendido pela inovação no estado da natureza ou na extensão das obrigações contratuais, cabe ao empreiteiro somente o subterfúgio a pedidos de reequilíbrio e aditivos, cada vez mais vigiados pelos Tribunais de Contas brasileiros. Contratação vantajosa é contratação que vai a termo satisfatoriamente e que propicia a possibilidade de continuidade da relação comercial em um cenário de integridade legal e moral.

Antes que se diga que se está a defender a majoração arbitrária de preços ou a dissimulação de lucros extraordinários, é de se sublinhar que já há uma série de controles postos em efeito, tais como o cálculo do orçamento estimativo pelos sistemas SINAPI e SICRO, conhecidos por conter preços módicos (art. 23, §2º, I), a imposição de que orçamento assim calculado constitua o máximo aceitável pela administração (art. 59, III), o fato de que o primeiro colocado pode ser chamado à negociação de preço mais vantajoso em qualquer caso (art. 61), a prova de capacidade técnica flexibilizada, permitindo um maior número de participantes que antes eram alijados da disputa (art. 67), a exigência de manutenção do percentual do desconto em relação a tabelas de referência nas mudanças contratuais (arts. 128 e 129) e o fato de que o modo de disputa fechado, ainda que não disponha de lances, sempre favorecerá a proposta válida de menor valor. Convenhamos, somente se aplica a nova regra às obras de engenharia especiais com preços globais superiores a R$ 1,5 milhão, dificilmente o permissivo geral que se teme.

Resisto à ideia de que empresas de engenharia devam digladiar por preços em um mercado de tamanha complexidade técnica. Em bens de consumo, tal reducionismo é aceitável, pois somente se paga após analisado e aceito o bem, para o qual há uma consolidada expectativa de qualidade esperada. Em empreitadas de engenharia, ocorre diversamente, com o pagamento se iniciando já na mobilização, atividade sem qualquer prenúncio substancial da obra que está por vir. Enfim, inúmeros são os ensejos que se apresentam ao tempo de execução para que se recobre o espaço financeiro perdido ao tempo da disputa, todos de difícil fiscalização.

O segundo ponto a que faço menção é a CARONA EM REGISTRO DE PREÇOS ENTRE MUNICIPALIDADES. A carona em registro de preços, de plano, já representa uma flexibilização de todos os eixos valorativos da licitação pública, que preconiza um procedimento transparente, republicando e planejado, conduzido pelo quadro técnico do próprio órgão. Em registro de preços, a Administração Pública nem bloqueia recursos orçamentários, nem se vê obrigada a contratar o que registra, podendo não planejar. Na carona, mais ainda, nem mesmo a especificação e a licitação realiza, aproveitando, ao invés disso, aquela de outro órgão, com quem não teve qualquer contato durante a fase interna do procedimento.

Um órgão público pode pracear a intenção de registrar 100 microcomputadores mesmo que disponha de apenas 50 estações de trabalho, por exemplo. A nova Lei 14133/2021 regulamentou a carona em ata de registro de preços ao art. 86, §2º. Com isso, o eventual fornecedor detentor da ata mencionada acima ficaria na incerteza de vender desde zero computadores, posto que a entidade promotora não se encontra na obrigação jurídica de comprar uma unidade sequer, até vender trezentos microcomputadores, se todas as margens para carona forem deferidas. Esse é um grau de incerteza incompatível com a elaboração de propostas firmes pelo prazo que se exige que sejam mantidas (até dois anos).

Nada obstante, isso está assim e assim será realizado. Houve um único senão na lei - e que agora se viu levantado. Impôs-se uma lógica de adesão hierárquica: Municipalidades adeririam a atas de Estados ou da União, Estados, às atas dos demais Estados ou da União, e a União, somente às dela mesma. Aquele em melhores condições de contemplar as estatalidades que o formam, elabora os instrumentos de operação descentralizada - imagino eu.

A reforma, no entanto, veio reorganizar tal lógica, permitindo que Municipalidades pratiquem adesões recíprocas. Parece se consolidar a opinião segundo a qual esta alteração, ao contrário da primeira que mencionei, é bem-vinda, pois a vedação originalmente colocada na Lei não respeitaria a autonomia dos Municípios, bem como ignoraria uma prática que já vem arraigada.

Não penso assim, pois acredito que o grande risco de mal uso da carona em registro de preços é justamente na adesão entre municípios.

Perceba que já existe estímulo suficiente à formação de centrais de compras, inclusive, em meio aos Consórcios Intermunicipais (art. 181). Aí de fato se promoveria a formação de atas de registros de preços intermunicipais em um cenário de mutualidade racionalizada, com compartilhamento dos quantitativos, mas com elaboração de especificações conjuntamente. A maioria dos Municípios brasileiros participa de ao menos um consórcio intermunicipal.

A carona em registro de preços entre municípios, portanto, não viria para propiciar a adesão entre os entes próximos - o que já existe -, mas entre os distantes. Descartando os municípios da praça, cogitam-se os municípios do Brasil inteiro, que se apresenta em toda a sua diversidade, arrastando todas as vicissitudes, bem como jurisdições diversas de Tribunais de Contas.

Enfim, se eu fosse lançar votos, fotos pelos quais ninguém me perguntou, votaria favoravelmente às disputas fechadas em obras especiais de engenharia, desfavoravelmente à carona em registros de preços entre entes municipais e favoravelmente ao aprofundamento dos debates no Congresso Nacional, bastião de todos os nossos mais caros anseios de Democracia.

*Alexandre Manir Figueiredo Sarquis, formado em Direito, Engenharia e Administração Pública, é mestre em Economia, especialista em auditoria e doutorando em Direito Financeiro. Professor de Direito Administrativo da Fipecafi

É sempre motivo de perplexidade a aprovação de um projeto de lei pelo qual os agentes públicos e os estudiosos não esperavam. O que desperta surpresa é o fato de que o Congresso é o mecanismo de que dispomos para absorver o dissenso, promover o diálogo e abraçar as controvérsias a fim de que, por meio dos esclarecimentos e concessões recíprocas que são típicas do debate esclarecido, se alcance o ponto médio da dialética que consolida a Democracia.

Alexandre Manir Figueiredo Sarquis Foto: Arquivo pessoal

Mas as leis inesperadas também são, de certa forma, da Democracia. A transposição da capital do Rio de Janeiro para o centro do Brasil teve como um de seus argumentos – dizem – , o desejo dos governantes de pôr os Parlamentares em distanciamento propício à reflexão desapaixonada e racional sobre os temas nacionais. Ademais, sempre haverá a etapa subsequente de adesão formal do Poder Executivo - sanção ou veto – , em um último round de debates, ainda que distanciado do foro que seria mais adequado.

Na sexta-feira do dia 1/12/2023 foi aprovado o PL do Senado 3954/2023 contendo uma pequena reforma na nova lei de licitações, marco que ainda se encontra em processo de implantação. Talvez o natural seria aguardar que a nova Lei produzisse seus completos desdobramentos para que, somente então e uma vez reveladas as faltas e deficiências, se aplicassem as correções na medida em que necessárias.

Bem, mas não foi assim e, agora, vemo-nos na posição de debater o que surgiu no bojo da tal reforma. Vou me limitar a dois pontos, pois percebo manifestações de pessoas que admiro e que respeito em certa divergência com o que penso sobre os mesmos assuntos. Natural a divergência, dado o exíguo prazo para analisar o projeto, mas se é verdade que o assunto não ficou bem debatido alhures, eis a oportunidade para que o façamos agora.

O primeiro ponto é o MODO DE DISPUTA FECHADO PARA OBRAS DE ENGENHARIA. Esclareço: modo de disputa fechado é a regra nas modalidades tradicionais da Lei 8666/1993, tais como a Concorrência e a Tomada de Preços. Abre-se o envelope da proposta e o que dele constar, é final. Em contraposição, o modo de disputa aberto é o que ficou consagrado com a Lei do Pregão, que permite lances públicos e sucessivos de forma que os concorrentes aceitam reduzir seu proveito econômico a fim de ter o contrato público adjudicado a favor de si.

O modo aberto representou um formidável avanço em direção à economicidade das contratações públicas, mas ele opera sob o argumento implícito de nenhum empresário teria incentivos para sugerir preço que lhe fosse instantaneamente prejudicial, uma vez que é dotado de informação completa acerca do bem que negocia, bastaria, para não prejudicar nem a si nem ao mercado, que deixasse de realizar novas propostas tão logo percebesse que se seus lucros se anularam. É um argumento que depende da estrutura de mercado e da estrutura dos contratos que, por vezes, são imperfeitos e incompletos.

O original art. 56, §1º da nova Lei de Licitações (Lei 14133/2021) sentencia que o modo fechado estava vedado sempre que o critério de julgamento eleito fosse o de menor preço, sem qualquer ressalva. A conclusão era, na dicção original da Lei 141333/2021, que em obras de engenharia sempre haveria alguma etapa de lances. Com o PL 3954/25023, entretanto, o vaticínio do artigo foi contemporizado para introduzir uma ressalva: obras ou serviços especiais de engenharia de valor estimado superior a 1.500.000,00, para os quais pode haver modo fechado.

Parece estar surgindo um consenso de que a mudança não é bem-vinda, pois prejudicaria a possibilidade de contratos mais vantajosos para a Administração Pública. Tenho lá as minhas dúvidas. Contratos mais vantajosos não são sempre os de menor preço: a própria lei assim concede nos casos do concurso de projetos, da inexigibilidade por notória especialização e do tipo “técnica e preço”, por exemplo. A visão “menor preço”, se insofismável, corre o risco de impor um maniqueísmo licitatório monocromático, quase autista, incompatível com a complexidade das relações técnicas de uma empreitada de engenharia.

Contratos de menores preços são os mais vantajosos acaso alcancem conclusão satisfatória sem comprometimento da continuidade operacional de quem executa, mas há incidência alarmante de quebras entre as empreiteiras nacionais. Surgem, ademais, inúmeros relatos de obras paralisadas pelo Brasil afora (https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/par/pacto-nacional-pela-retomada-de-obras-da-educacao e https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/diagnostico-sobre-obras-paradas/ por exemplo).

Em havendo assunção de riscos sem que se exija a correspondente remuneração, uma vez surpreendido pela inovação no estado da natureza ou na extensão das obrigações contratuais, cabe ao empreiteiro somente o subterfúgio a pedidos de reequilíbrio e aditivos, cada vez mais vigiados pelos Tribunais de Contas brasileiros. Contratação vantajosa é contratação que vai a termo satisfatoriamente e que propicia a possibilidade de continuidade da relação comercial em um cenário de integridade legal e moral.

Antes que se diga que se está a defender a majoração arbitrária de preços ou a dissimulação de lucros extraordinários, é de se sublinhar que já há uma série de controles postos em efeito, tais como o cálculo do orçamento estimativo pelos sistemas SINAPI e SICRO, conhecidos por conter preços módicos (art. 23, §2º, I), a imposição de que orçamento assim calculado constitua o máximo aceitável pela administração (art. 59, III), o fato de que o primeiro colocado pode ser chamado à negociação de preço mais vantajoso em qualquer caso (art. 61), a prova de capacidade técnica flexibilizada, permitindo um maior número de participantes que antes eram alijados da disputa (art. 67), a exigência de manutenção do percentual do desconto em relação a tabelas de referência nas mudanças contratuais (arts. 128 e 129) e o fato de que o modo de disputa fechado, ainda que não disponha de lances, sempre favorecerá a proposta válida de menor valor. Convenhamos, somente se aplica a nova regra às obras de engenharia especiais com preços globais superiores a R$ 1,5 milhão, dificilmente o permissivo geral que se teme.

Resisto à ideia de que empresas de engenharia devam digladiar por preços em um mercado de tamanha complexidade técnica. Em bens de consumo, tal reducionismo é aceitável, pois somente se paga após analisado e aceito o bem, para o qual há uma consolidada expectativa de qualidade esperada. Em empreitadas de engenharia, ocorre diversamente, com o pagamento se iniciando já na mobilização, atividade sem qualquer prenúncio substancial da obra que está por vir. Enfim, inúmeros são os ensejos que se apresentam ao tempo de execução para que se recobre o espaço financeiro perdido ao tempo da disputa, todos de difícil fiscalização.

O segundo ponto a que faço menção é a CARONA EM REGISTRO DE PREÇOS ENTRE MUNICIPALIDADES. A carona em registro de preços, de plano, já representa uma flexibilização de todos os eixos valorativos da licitação pública, que preconiza um procedimento transparente, republicando e planejado, conduzido pelo quadro técnico do próprio órgão. Em registro de preços, a Administração Pública nem bloqueia recursos orçamentários, nem se vê obrigada a contratar o que registra, podendo não planejar. Na carona, mais ainda, nem mesmo a especificação e a licitação realiza, aproveitando, ao invés disso, aquela de outro órgão, com quem não teve qualquer contato durante a fase interna do procedimento.

Um órgão público pode pracear a intenção de registrar 100 microcomputadores mesmo que disponha de apenas 50 estações de trabalho, por exemplo. A nova Lei 14133/2021 regulamentou a carona em ata de registro de preços ao art. 86, §2º. Com isso, o eventual fornecedor detentor da ata mencionada acima ficaria na incerteza de vender desde zero computadores, posto que a entidade promotora não se encontra na obrigação jurídica de comprar uma unidade sequer, até vender trezentos microcomputadores, se todas as margens para carona forem deferidas. Esse é um grau de incerteza incompatível com a elaboração de propostas firmes pelo prazo que se exige que sejam mantidas (até dois anos).

Nada obstante, isso está assim e assim será realizado. Houve um único senão na lei - e que agora se viu levantado. Impôs-se uma lógica de adesão hierárquica: Municipalidades adeririam a atas de Estados ou da União, Estados, às atas dos demais Estados ou da União, e a União, somente às dela mesma. Aquele em melhores condições de contemplar as estatalidades que o formam, elabora os instrumentos de operação descentralizada - imagino eu.

A reforma, no entanto, veio reorganizar tal lógica, permitindo que Municipalidades pratiquem adesões recíprocas. Parece se consolidar a opinião segundo a qual esta alteração, ao contrário da primeira que mencionei, é bem-vinda, pois a vedação originalmente colocada na Lei não respeitaria a autonomia dos Municípios, bem como ignoraria uma prática que já vem arraigada.

Não penso assim, pois acredito que o grande risco de mal uso da carona em registro de preços é justamente na adesão entre municípios.

Perceba que já existe estímulo suficiente à formação de centrais de compras, inclusive, em meio aos Consórcios Intermunicipais (art. 181). Aí de fato se promoveria a formação de atas de registros de preços intermunicipais em um cenário de mutualidade racionalizada, com compartilhamento dos quantitativos, mas com elaboração de especificações conjuntamente. A maioria dos Municípios brasileiros participa de ao menos um consórcio intermunicipal.

A carona em registro de preços entre municípios, portanto, não viria para propiciar a adesão entre os entes próximos - o que já existe -, mas entre os distantes. Descartando os municípios da praça, cogitam-se os municípios do Brasil inteiro, que se apresenta em toda a sua diversidade, arrastando todas as vicissitudes, bem como jurisdições diversas de Tribunais de Contas.

Enfim, se eu fosse lançar votos, fotos pelos quais ninguém me perguntou, votaria favoravelmente às disputas fechadas em obras especiais de engenharia, desfavoravelmente à carona em registros de preços entre entes municipais e favoravelmente ao aprofundamento dos debates no Congresso Nacional, bastião de todos os nossos mais caros anseios de Democracia.

*Alexandre Manir Figueiredo Sarquis, formado em Direito, Engenharia e Administração Pública, é mestre em Economia, especialista em auditoria e doutorando em Direito Financeiro. Professor de Direito Administrativo da Fipecafi

É sempre motivo de perplexidade a aprovação de um projeto de lei pelo qual os agentes públicos e os estudiosos não esperavam. O que desperta surpresa é o fato de que o Congresso é o mecanismo de que dispomos para absorver o dissenso, promover o diálogo e abraçar as controvérsias a fim de que, por meio dos esclarecimentos e concessões recíprocas que são típicas do debate esclarecido, se alcance o ponto médio da dialética que consolida a Democracia.

Alexandre Manir Figueiredo Sarquis Foto: Arquivo pessoal

Mas as leis inesperadas também são, de certa forma, da Democracia. A transposição da capital do Rio de Janeiro para o centro do Brasil teve como um de seus argumentos – dizem – , o desejo dos governantes de pôr os Parlamentares em distanciamento propício à reflexão desapaixonada e racional sobre os temas nacionais. Ademais, sempre haverá a etapa subsequente de adesão formal do Poder Executivo - sanção ou veto – , em um último round de debates, ainda que distanciado do foro que seria mais adequado.

Na sexta-feira do dia 1/12/2023 foi aprovado o PL do Senado 3954/2023 contendo uma pequena reforma na nova lei de licitações, marco que ainda se encontra em processo de implantação. Talvez o natural seria aguardar que a nova Lei produzisse seus completos desdobramentos para que, somente então e uma vez reveladas as faltas e deficiências, se aplicassem as correções na medida em que necessárias.

Bem, mas não foi assim e, agora, vemo-nos na posição de debater o que surgiu no bojo da tal reforma. Vou me limitar a dois pontos, pois percebo manifestações de pessoas que admiro e que respeito em certa divergência com o que penso sobre os mesmos assuntos. Natural a divergência, dado o exíguo prazo para analisar o projeto, mas se é verdade que o assunto não ficou bem debatido alhures, eis a oportunidade para que o façamos agora.

O primeiro ponto é o MODO DE DISPUTA FECHADO PARA OBRAS DE ENGENHARIA. Esclareço: modo de disputa fechado é a regra nas modalidades tradicionais da Lei 8666/1993, tais como a Concorrência e a Tomada de Preços. Abre-se o envelope da proposta e o que dele constar, é final. Em contraposição, o modo de disputa aberto é o que ficou consagrado com a Lei do Pregão, que permite lances públicos e sucessivos de forma que os concorrentes aceitam reduzir seu proveito econômico a fim de ter o contrato público adjudicado a favor de si.

O modo aberto representou um formidável avanço em direção à economicidade das contratações públicas, mas ele opera sob o argumento implícito de nenhum empresário teria incentivos para sugerir preço que lhe fosse instantaneamente prejudicial, uma vez que é dotado de informação completa acerca do bem que negocia, bastaria, para não prejudicar nem a si nem ao mercado, que deixasse de realizar novas propostas tão logo percebesse que se seus lucros se anularam. É um argumento que depende da estrutura de mercado e da estrutura dos contratos que, por vezes, são imperfeitos e incompletos.

O original art. 56, §1º da nova Lei de Licitações (Lei 14133/2021) sentencia que o modo fechado estava vedado sempre que o critério de julgamento eleito fosse o de menor preço, sem qualquer ressalva. A conclusão era, na dicção original da Lei 141333/2021, que em obras de engenharia sempre haveria alguma etapa de lances. Com o PL 3954/25023, entretanto, o vaticínio do artigo foi contemporizado para introduzir uma ressalva: obras ou serviços especiais de engenharia de valor estimado superior a 1.500.000,00, para os quais pode haver modo fechado.

Parece estar surgindo um consenso de que a mudança não é bem-vinda, pois prejudicaria a possibilidade de contratos mais vantajosos para a Administração Pública. Tenho lá as minhas dúvidas. Contratos mais vantajosos não são sempre os de menor preço: a própria lei assim concede nos casos do concurso de projetos, da inexigibilidade por notória especialização e do tipo “técnica e preço”, por exemplo. A visão “menor preço”, se insofismável, corre o risco de impor um maniqueísmo licitatório monocromático, quase autista, incompatível com a complexidade das relações técnicas de uma empreitada de engenharia.

Contratos de menores preços são os mais vantajosos acaso alcancem conclusão satisfatória sem comprometimento da continuidade operacional de quem executa, mas há incidência alarmante de quebras entre as empreiteiras nacionais. Surgem, ademais, inúmeros relatos de obras paralisadas pelo Brasil afora (https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/par/pacto-nacional-pela-retomada-de-obras-da-educacao e https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/diagnostico-sobre-obras-paradas/ por exemplo).

Em havendo assunção de riscos sem que se exija a correspondente remuneração, uma vez surpreendido pela inovação no estado da natureza ou na extensão das obrigações contratuais, cabe ao empreiteiro somente o subterfúgio a pedidos de reequilíbrio e aditivos, cada vez mais vigiados pelos Tribunais de Contas brasileiros. Contratação vantajosa é contratação que vai a termo satisfatoriamente e que propicia a possibilidade de continuidade da relação comercial em um cenário de integridade legal e moral.

Antes que se diga que se está a defender a majoração arbitrária de preços ou a dissimulação de lucros extraordinários, é de se sublinhar que já há uma série de controles postos em efeito, tais como o cálculo do orçamento estimativo pelos sistemas SINAPI e SICRO, conhecidos por conter preços módicos (art. 23, §2º, I), a imposição de que orçamento assim calculado constitua o máximo aceitável pela administração (art. 59, III), o fato de que o primeiro colocado pode ser chamado à negociação de preço mais vantajoso em qualquer caso (art. 61), a prova de capacidade técnica flexibilizada, permitindo um maior número de participantes que antes eram alijados da disputa (art. 67), a exigência de manutenção do percentual do desconto em relação a tabelas de referência nas mudanças contratuais (arts. 128 e 129) e o fato de que o modo de disputa fechado, ainda que não disponha de lances, sempre favorecerá a proposta válida de menor valor. Convenhamos, somente se aplica a nova regra às obras de engenharia especiais com preços globais superiores a R$ 1,5 milhão, dificilmente o permissivo geral que se teme.

Resisto à ideia de que empresas de engenharia devam digladiar por preços em um mercado de tamanha complexidade técnica. Em bens de consumo, tal reducionismo é aceitável, pois somente se paga após analisado e aceito o bem, para o qual há uma consolidada expectativa de qualidade esperada. Em empreitadas de engenharia, ocorre diversamente, com o pagamento se iniciando já na mobilização, atividade sem qualquer prenúncio substancial da obra que está por vir. Enfim, inúmeros são os ensejos que se apresentam ao tempo de execução para que se recobre o espaço financeiro perdido ao tempo da disputa, todos de difícil fiscalização.

O segundo ponto a que faço menção é a CARONA EM REGISTRO DE PREÇOS ENTRE MUNICIPALIDADES. A carona em registro de preços, de plano, já representa uma flexibilização de todos os eixos valorativos da licitação pública, que preconiza um procedimento transparente, republicando e planejado, conduzido pelo quadro técnico do próprio órgão. Em registro de preços, a Administração Pública nem bloqueia recursos orçamentários, nem se vê obrigada a contratar o que registra, podendo não planejar. Na carona, mais ainda, nem mesmo a especificação e a licitação realiza, aproveitando, ao invés disso, aquela de outro órgão, com quem não teve qualquer contato durante a fase interna do procedimento.

Um órgão público pode pracear a intenção de registrar 100 microcomputadores mesmo que disponha de apenas 50 estações de trabalho, por exemplo. A nova Lei 14133/2021 regulamentou a carona em ata de registro de preços ao art. 86, §2º. Com isso, o eventual fornecedor detentor da ata mencionada acima ficaria na incerteza de vender desde zero computadores, posto que a entidade promotora não se encontra na obrigação jurídica de comprar uma unidade sequer, até vender trezentos microcomputadores, se todas as margens para carona forem deferidas. Esse é um grau de incerteza incompatível com a elaboração de propostas firmes pelo prazo que se exige que sejam mantidas (até dois anos).

Nada obstante, isso está assim e assim será realizado. Houve um único senão na lei - e que agora se viu levantado. Impôs-se uma lógica de adesão hierárquica: Municipalidades adeririam a atas de Estados ou da União, Estados, às atas dos demais Estados ou da União, e a União, somente às dela mesma. Aquele em melhores condições de contemplar as estatalidades que o formam, elabora os instrumentos de operação descentralizada - imagino eu.

A reforma, no entanto, veio reorganizar tal lógica, permitindo que Municipalidades pratiquem adesões recíprocas. Parece se consolidar a opinião segundo a qual esta alteração, ao contrário da primeira que mencionei, é bem-vinda, pois a vedação originalmente colocada na Lei não respeitaria a autonomia dos Municípios, bem como ignoraria uma prática que já vem arraigada.

Não penso assim, pois acredito que o grande risco de mal uso da carona em registro de preços é justamente na adesão entre municípios.

Perceba que já existe estímulo suficiente à formação de centrais de compras, inclusive, em meio aos Consórcios Intermunicipais (art. 181). Aí de fato se promoveria a formação de atas de registros de preços intermunicipais em um cenário de mutualidade racionalizada, com compartilhamento dos quantitativos, mas com elaboração de especificações conjuntamente. A maioria dos Municípios brasileiros participa de ao menos um consórcio intermunicipal.

A carona em registro de preços entre municípios, portanto, não viria para propiciar a adesão entre os entes próximos - o que já existe -, mas entre os distantes. Descartando os municípios da praça, cogitam-se os municípios do Brasil inteiro, que se apresenta em toda a sua diversidade, arrastando todas as vicissitudes, bem como jurisdições diversas de Tribunais de Contas.

Enfim, se eu fosse lançar votos, fotos pelos quais ninguém me perguntou, votaria favoravelmente às disputas fechadas em obras especiais de engenharia, desfavoravelmente à carona em registros de preços entre entes municipais e favoravelmente ao aprofundamento dos debates no Congresso Nacional, bastião de todos os nossos mais caros anseios de Democracia.

*Alexandre Manir Figueiredo Sarquis, formado em Direito, Engenharia e Administração Pública, é mestre em Economia, especialista em auditoria e doutorando em Direito Financeiro. Professor de Direito Administrativo da Fipecafi

Opinião por Alexandre Manir Figueiredo Sarquis*

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