Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas e pesquisadores se reunem em São Paulo nesta segunda e terça para debater o papel das cortes constitucionais e do próprio STF na democracia. O evento é promovido pelo Estadão por meio do Blue Studio.
As mesas acontecem no auditório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Higienópolis, e são transmitidas ao vivo pela TV Estadão, com cobertura em tempo real do jornal.
“Nesses dois dias vamos nos debruçar sobre questões que estão na vanguarda dos desafios enfrentados pelo sistema Judiciário e que são fundamentais para o fortalecimento da democracia”, sintetizou Eurípedes Alcântara, diretor de Jornalismo do Grupo Estado, ao abrir o evento. “Especial atenção será dada à questão de como entender a politização das cortes constitucionais, um fenômeno marcante do nosso tempo e fonte de constantes divergências.”
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, fez a palestra de abertura. Ele rebateu as críticas frequentemente dirigidas ao tribunal por intervenção em decisões do Executivo e do Legislativo. “As pessoas chamam de ativista a decisão que não gostam, mas geralmente o que elas não gostam mesmo é da Constituição ou, eventualmente, de democracia”, afirmou.
Barroso também enalteceu o papel do STF na defesa de democracia e voltou a criticar tentativas de reforma da Corte.
“O Supremo tem cumprido seu papel de guardião da democracia. O resto é varejo político”, disse. “Atacar as supremas cortes, mudar a forma de indicação dos ministros, abreviar a permanência no cargo, interferir com seu funcionamento interno são opções políticas que não tem bons antecedentes democráticos.”
Na sequência, Barroso se juntou ao cientista político Carlos Pereira e ao professor associado do Insper Diego Werneck para conversar sobre a pressão dirigida ao Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. O ministro fez ponderações sobre pautas consideradas polêmicas, como a descriminalização do aborto, e falou sobre o papel da imprensa no combate ao populismo autoritário.
O STF e os outros tribunais superiores da América Latina
O segundo encontro do dia debate a posição do STF em perspectiva comparada com outros tribunais da América Latina. Participaram da mesa o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, o ministro aposentado Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, o cientista político Marcus André Melo e o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente da OAB.
Coêlho fez ponderações sobre um estudo comparado que ele fez entre as Cortes superiores da América Latina, defendendo o debate, no Brasil, sobre temas como o mandato para ministros do STF e o estabelecimento de critérios para as indicações da Corte.
Segundo ele, em todos os países da América Latina, exceto Brasil e Paraguai, os ministros das cortes máximas tem um mandato. Além disso, em todos os países estudados, há requisitos para a indicação de nomes ao tribunal superior, com exigência de um número mínimo de anos de experiência.
Coêlho ressalvou que a observação não significa que o Brasil deva ‘copiar’ os modelos, sendo necessária uma análise sobre a viabilidade dos mesmos. O advogado ressalta ainda que ‘nenhuma mudança pode ser revanchista’ e deve seguir um ‘debate racional’.
Já quanto ao protagonismo de cortes constitucionais, Coêlho apontou um fenômeno igual ao do Brasil. “Fiquei até surpreso, porque não imaginava que fosse tão frequente, mas o é”, anotou.
O cientista político Marcus André Melo também apresentou dados sobre as cortes constitucionais de outros países da América Latina, explorando outra visão sobre a composição do Tribunal.
O professor indicou, por exemplo, que o Brasil é o país com menor rotatividade na Corte máxima em 100 anos, ponderando: “O Brasil vai bem na fita nesse principal elemento de interferência do Poder Executivo, do hiperpresidencialismo histórico latino americano que se dá na forma de remoção de juízes através de ataques de toda ordem”.
O advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira desviou do debate para fazer um ‘desabafo’ sobre o que chamou de uma ‘fase difícil’ de ‘cerceamento’ à advocacia. “O STF deve voltar às origens de respeitar o advogado ou não teremos a implantação da Justiça e do Judiciário que almejamos”, ponderou.
O ex-presidente do STF, Ayres Britto, concordou com as ponderações de Mariz, pregando o respeito ‘aos profissionais que compõem funções essenciais da jurisdição’. “Tudo afunila para o Judiciário e o Supremo porque é o único Poder que não pode dar o silêncio como resposta”, indicou.
O jurista ainda dialogou com as ponderações de Barroso sobre acusações de ativismo judicial. Segundo Ayres Britto, o STF não pode ir além da previsão normativa, se transmutando em legislador.
De outro lado, ele anotou: “Se o ativismo é proibido, a proatividade intepretativa é um dever pra não ficar aquém dos conteúdos de direito brasileiro, da normatividade. Não se pode confundir ativismo, ir além do que pode o STF, com proatividade interpretativa, que é o dever de exaurir todos os conteúdos a partir da Constituição”
Qualidade da democracia
Para finalizar o primeiro dia, o ministro Gilmar Mendes, decano do STF, o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-procurador-geral de Justiça, Giampaolo Poggio Smanio, e o professor da Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha), Ricardo Campos, falam sobre as cortes constitucionais e a qualidade da democracia.
O ministro Gilmar Mendes afirmou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sofreu “assédio” do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, na preparação da eleição de 2022. Além disso, em sua exposição, defendeu ainda que o STF está autorizado a decidir sempre que for acionado e houver “omissão” do Congresso.
Giampaolo Poggio Smanio, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, alertou que o sistema criado pela Constituição não admite mais um Judiciário baseado somente em uma visão clássica de separação de Poderes, uma vez que ‘a população brasileira deseja usufruir dos direitos constitucionalmente estabelecidos’.
“Diante dessa realidade, o STF faz a mediação dos interesses que a sociedade leva a ele. Essa realidade traz o Supremo como um ator positivo, atuando nessa superação de falta de direitos, garantias. E, no meu entender, não há outro modo de a Corte realizar sua atividade que não seja essa, de efetivação de direito. Então toda omissão chega ao STF”, ponderou
“O tribunal não tem como não decidir sobre essas questões de direitos coletivos, sociais, fundamentais. E toda vez que se decidem, há um grupo que deseja a manutenção, a eficácia de direitos e outro que não deseja. É uma sociedade que tem um conflito de interesses e entendimentos. O STF é necessariamente um mediador desse conflito, dessas diferenças de posicionamento e de ideologia. E a qualidade da democracia depende da aceitação de uma mediação legitima de interesses. Em ultima instância ela é feita pelo STF”, completou.
Questionado sobre o fato de o STF debater questões relativas a outros Poderes, Smanio disse não ver ‘anormalidade’ na atuação do Tribunal, que continua a assegurar direitos. “Há um momento da sociedade brasileira, o debate eleitoral se acirrou, o Supremo teve que tomar decisões, de garantia da democracia e Constituição. Não há outra decisão que não seja nesse sentido. Concordâncias e discordâncias em cada caso são normais. Estamos voltando ‘à normalidade’. O dia a dia da Corte será tomado por outras polêmicas”, indicou.
Já o professor Ricardo Campos, da Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha), falou especificamente sobre um processo em tramitação no Supremo, pivô de tensões com o Legislativo: a regulação das redes sociais. Nessa perspectiva, o professor citou inclusive o papel do STF em impulsionar a discussão no parlamento.
Segundo Campos, o trecho do Marco Civil questionado no STF neste caso, cria um problema de acesso à Justiça no Brasil. Isso porque condiciona a remoção de um conteúdo nas redes sociais a uma decisão judicial, algo que vai contra ‘todo o desenvolvimento global de regulação de novas tecnologias’, indica o professor.
O professor ponderou que todos os casos que levantam uma polêmica no STF colocam em evidencia o papel da corte constitucional em ‘balizar uma razão’ dentro do equilíbrio dos Poderes’.
Veja a programação completa:
Dia 13
9h30 - abertura oficial
Eurípedes Alcântara, diretor de Jornalismo do Grupo Estado
Boas-vindas da Universidade Presbiteriana Mackenzie
10h – 10h20 - Palestra: O papel do STF na democracia
Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal
10h20 - Mesa 1: O Supremo sob pressão
A percepção de juízes e promotores sobre potenciais retaliações de outros poderes
Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal
Carlos Pereira, cientista político
Diego Werneck, professor associado do Insper e doutor em Direito pela Universidade Yale
Mediação: Roseann Kennedy, editora da Coluna do Estadão
10h50 - Mesa 2: Comparação entre o STF do Brasil e outras cortes na América Latina
Comparação entre o Supremo Tribunal Federal do Brasil e outras cortes constitucionais na América Latina. Quais lições podemos aprender de outros países?
Antonio Claudio Mariz de Oliveira, advogado
Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
Marcus André Melo, professor titular de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente nacional da OAB, especialista em Direito constitucional e empresarial
Mediação: Monica Gugliano, repórter, colunista de Política do Estadão
11h40 - Mesa 3: As cortes constitucionais e a qualidade da democracia
Os clássicos da ciência política apontam que a existência de revisão constitucional contribui para a qualidade da democracia. Como equilibrar os aspectos liberais e democráticos dos países diante dessa questão?
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal
Gianpaolo Poggio Smanio, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Ricardo Campos, docente de Regulação de serviços digitais e direito público na Faculdade de Direito da Goethe Universität Frankfurt am Main (Alemanha)
Mediação: Marcelo Godoy, repórter especial e colunista de Política do Estadão
Dia 14
9h - Mesa 4: Os tribunais superiores: perspectivas globais
Como tribunais constitucionais se inserem nas diferentes lógicas de funcionamento de regimes presidencialistas e parlamentaristas? Como evitar o desafio de um tribunal constitucional excessivamente politizado, em presidencialismos com presidente forte como o Brasil?
Ives Gandra Martins, jurista, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie
Michel Temer, ex-presidente do Brasil, advogado e professor
Rosalind Dixon, professora de Direito na UNSW Sydney e ex-copresidente da International Society of Public
Mediação: Carlos Pereira, colunista do Estadão
10h20 - Mesa 5: Os desafios dos tribunais constitucionais na era digital
As supremas cortes lidam atualmente com desafios nunca antes enfrentados, como o combate aos crimes das plataformas digitais. Como lidar com essa situação sem ferir princípios liberais básicos como a liberdade de expressão?
Clara Iglesias Keller, líder de Pesquisa no Instituto Weizenbaum de Berlim e Professora no IDP, Brasília
Ivar Hartman, Professor Associado do Insper e doutor em Direito Público
Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em Direito Digital e Professor de Direito Digital no MBA da FGV
Mediação: Ricardo Correa, coordenador de Política São Paulo do Estadão
11h10 - Mesa 6: O Judiciário como condutor de processos eleitorais
Em democracias maduras, o próprio Legislativo organiza as eleições. Em que medida a organização por parte de um poder fora do jogo eleitoral é importante para dar credibilidade ao processo e evitar fraudes?
Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal
Carla Luís, investigadora e membro do The Electoral Integrity Project na Universidade de Coimbra
Mario Sarrubbo, procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo
Mediação: Ricardo Correa, coordenador de Política São Paulo do Estadão
12h - Palestra de encerramento: Os desafios do Supremo Tribunal Federal na democracia brasileira
Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal