Advogados criminais e também constitucionalistas consideram que a decisão tomada pelo STF nesta semana, descriminalizando o porte de maconha para uso pessoal, na prática não deve promover grandes alterações em um sistema que se arrasta desde sempre. “O pobre continuará sendo traficante e a classe média consumidora”, afirma Fernando Hideo, criminalista, professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito.
“Muito barulho em torno desse julgamento por nada”, ele diz. “A palavra final sobre quem é usuário ou traficante continua sendo do juiz, que na imensa maioria dos casos apenas valida o flagrante efetuado pelo policial militar.”
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O STF decidiu, por maioria, que usuário flagrado com 40 gramas de maconha deve responder apenas por ilícito administrativo e não mais por crime. Advogados que se dedicam a causas penais observam que os ministros descriminalizaram o porte, mas não o uso. Nessa linha, o uso da droga deixará de ser crime e passará a configurar um ilícito administrativo.
A Corte estabeleceu que a pessoa flagrada com até 40 gramas da droga será considerada usuária, e não traficante.
Os advogados consideram que desdobramentos virão. “O fundamental é que os 40 gramas serão fixados como critério para estabelecer uma ‘presunção relativa’ de que a pessoa surpreendida com droga seja usuária e não traficante, diz Fernando Hideo.
O criminalista André Bialski entende que a decisão do STF ao fixar o limite de 40 gramas é ‘correta e ponderada, com base em elementos empíricos que justificam a fixação desse limite para distinção entre usuário e traficante’.
Ele acentua que a descriminalização do uso de maconha não é uma questão exclusivamente jurídica e criminal. “Em qualquer ato estatal, existem efeitos diretos e indiretos que devem ser considerados para definição de políticas públicas e que englobam uma gama de esferas da sociedade.”
Bialski faz uma anotação importante. “A descriminalização, conforme decidido pelo STF, além do aspecto penal, também deve ser analisada pela perspectiva de saúde pública, educacional, socioeconômica, racial, do sistema penitenciário, entre tantas outras áreas. O aspecto criminal é apenas uma fração dos efeitos que o entendimento do STF terá na sociedade.”
O advogado enfatiza que o uso de maconha não se tornou legalizado, apenas foi decidido que seu consumo não deverá mais ser tratado como uma questão criminal.
“O uso de maconha continua sendo um ilícito, mas não mais um ilícito que demanda a intervenção penal do Estado, e sim administrativa. O Direito Penal possui caráter fragmentário e tutela apenas condutas consideradas mais gravosas e que representam maior perigo aos bens jurídicos tutelados. E, conforme decidido pelo STF, o usuário de maconha não deve ser tutelado pelas instâncias penais”, segue Bialski.
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Ele diz que entre os atos ilícitos existem os ilícitos penais, administrativos, tributários, trabalhistas, ambientais e outros. “Portanto, o uso de maconha continuará sendo ilícito, mas não será um ilícito penal.”
O advogado pontua que hoje, quando o usuário é abordado com maconha, ele é encaminhado à polícia. Após constatada a natureza e quantidade do entorpecente, o consumidor responderá a um processo judicial e pode ser submetido às penas previstas no artigo 28, da Lei de Drogas, como prestação de serviços à comunidade.
Regulação pelo Congresso
André Damiani, especialista em Direito Penal Econômico, destaca que o critério definido pelo STF de 40 gramas de maconha para diferenciar usuário de traficante será usado até o Congresso aprovar uma regulação nesse sentido.
“A pessoa portando maconha até 40 gramas será considerada usuária e não poderá responder criminalmente. Importante ressaltar que a prática continua sendo ilegal e a pessoa poderá responder por um ato ilícito administrativo”, alerta.
Segundo ele, a decisão não legaliza ou libera o uso de maconha no Brasil, mas define que o porte para uso deve ser punido como um ato ilícito administrativo e não na esfera criminal. “Isto porque a Lei de Drogas, que entrou em vigor em 2006, deixou de prever a pena de prisão para o porte. Porém, manteve a criminalização, com penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade, comparecimento obrigatório a curso educativo, advertência.”
Para Damiani, a decisão do Supremo poderá provocar revisão de penas. A lei de natureza penal mais benéfica retroage. “Indivíduos que foram penalizados por porte de maconha poderão ter suas penas revistas”, diz.
O Conselho Nacional de Justiça já prepara um mutirão nos presídios para levantar dados sobre pessoas detidas com a droga.
A advogada criminalista Lucie Antabi comenta que a definição sobre a quantidade de droga que irá caracterizar se o uso é pessoal ou para o tráfico é essencial. “Se o indivíduo for pego portando maconha, deverá ser verificado se a quantidade supera ou não os 40 gramas estabelecidos pelo STF. Caso supere, ele poderá responder por tráfico. Caso não atinja essa quantidade, responderá na esfera administrativa por ato ilícito”, esclarece.
Fernando Hideo lembra que já desde 2006 o usuário de droga não é punido com prisão. “Por isso, os únicos efeitos da ‘descriminalização’ nos moldes adotados pelo STF são a proibição de se aplicar pena de prestação de serviços e a inexistência de reincidência para o usuário. Ambas já são muito raras, pois os casos dessa natureza costumam se resolver com transação penal. O verdadeiro problema sempre foi distinguir usuário e traficante”, afirma.
Para Hideo, a quantidade de 40 gramas decidida pelo STF como critério para estabelecer uma presunção relativa de que a pessoa surpreendida com droga seja usuária e não traficante. “Acontece que, por se tratar meramente de uma ‘presunção relativa’, ela pode ser afastada pelos intérpretes e aplicadores da norma diante de outras circunstâncias no caso concreto”, explica.
Ele avalia que com o julgamento no STF perdeu-se uma oportunidade de se adotar ‘solução verdadeiramente transformadora, que seria estabelecer a inconstitucionalidade da Anvisa considerar maconha como droga para efeitos criminais, dada a inexistência de potencialidade lesiva quando comparada a outras drogas lícitas’.