O procurador José Carlos Cosenzo, de 71 anos, candidato a procurador-geral de Justiça de São Paulo na eleição do próximo sábado, 13, afirmou que irá agir com autonomia se chegar ao topo do Ministério Público paulista.
“Não há meia independência”, ele diz, indagado se atuará com isenção caso tenha de investigar o ex-presidente Jair Bolsonaro, amigo do governador Tarcísio de Freitas, a quem cabe escolher o futuro procurador-geral.
“Não apenas em relação ao ex-presidente, mas em relação a qualquer pessoa e sobre qualquer fato cuja atuação me seja imposta”, enfatizou.
Ele afirma: “Atos do governo estadual, pessoas que estejam em cargos políticos ou que já estiveram, terão de mim a atuação profissional que se espera e se tem em São Paulo de todas e todos os membros da instituição”.
Cosenzo, de 71 anos, é o mais antigo na carreira entre os cinco candidatos à chefia do MP estadual. Com mais de 40 anos de Ministério Público, ele é da turma da situação. Tem o endosso de Mário Luiz Sarrubbo, que foi procurador-geral nos últimos quatro anos.
Também concorre, no agito de Sarrubbo, o procurador Paulo Sérgio de Oliveira e Costa. Dois são de oposição: José Carlos Bonilha e Antonio Da Ponte. A única mulher na contenda é a procuradora Tereza Exner.
A reportagem do Estadão entrevistou todos os cinco candidatos. Eles disputam os votos de 296 procuradores e 1.705 promotores que vão eleger uma lista tríplice.
Dessa lista sairá o novo procurador-geral. A decisão ficará a critério do governador. A Constituição atribui ao chefe do Executivo competência exclusiva para indicar o chefe do Ministério Público. Ele pode escolher qualquer nome da lista que lhe chegar às mãos, independentemente da ordem de colocação. É a primeira vez que Tarcísio se ocupa desta missão.
O procurador-geral detém poderes excepcionais. A ele cabe propor ações que envolvam deputados estaduais, prefeitos, juízes, promotores e o próprio governador.
José Carlos Cosenzo é um procurador carismático. Circula fácil nas rodas de promotores e procuradores. Nascido no distrito de Nova Itapirema, município de Nova Aliança, interior de São Paulo, ele cursou a Faculdade de Direito Riopretense. Logo ingressou na Promotoria.
A liderança é um traço peculiar a Cosenzo, relatam os amigos. Esse perfil o levou a postos importantes nas principais entidades da classe, a Associação Paulista do Ministério Público e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), nas quais exerceu os cargos de presidente e vice-presidente. Nessas funções revelou-se hábil articulador em defesa de interesses do MP.
Em sua entrevista ao Estadão, ele assinala que os promotores ‘devem ser comedidos nas palavras e rigorosos nos juízos de valor’. Ao ser questionado se vê excessos na atuação do Supremo Tribunal Federal na condução da investigação sobre o 8 de Janeiro, ele é esguio. “A opinião precisa ser técnica e nunca se deve dizer o que nos autos não pode ser escrito. Não me cabe ser juiz da atuação do Judiciário, do Executivo ou Legislativo.”
Também se revela um bom político quando questionado se considera justa a pena de 17 anos de prisão para os radicais que atacaram a Praça dos Três Poderes em Brasília. “Não somos comentaristas da vida social ou política. Não somos meros consultores. Falar menos e trabalhar mais.”
Para Cosenzo, o País vive dias de ‘polarização social resultante da divisão política’. “É óbvio que o MP não pode se posicionar em abono a um ou outro posicionamento. A Constituição estabelece claramente quais são nossos limites e nossa responsabilidade.”
Na reta final da campanha ele dá a receita para conquistar votos. “O diálogo, ouvir, ouvir, ouvir e assumir publicamente compromissos.”
LEIA JOSÉ CARLOS COSENZO, SUAS IDEIAS E PROPOSTAS
Qual o seu Ministério Público ideal?
O Ministério Público ideal é aquele capaz de servir, de atuar ao lado da sociedade como um todo e de auxiliar o Estado a melhorar permanentemente a prestação de seus serviços. O MP ideal é o MP de São Paulo, que me anima a trabalhar há quase 40 anos, que tem uma história de fidelidade ao povo de São Paulo, aos seus membros e servidores. O MP que nunca se furtou a ajudar o Brasil. O MP de São Paulo sempre liderou importantes debates, como os relacionados ao combate à violência e à criminalidade organizada.
Que projetos o sr. tem para a Instituição?
Tenho compromissos. Compromisso com as mudanças necessárias, de valorização das pessoas que estão no MP para que possam trabalhar cada dia mais e melhor para as pessoas que não estão no MP. O bem-estar das pessoas, a melhoria da qualidade de vida, acolher e contribuir, esse é o grande projeto. Em poucas palavras, é fazer ainda mais e melhor do que já tem sido feito ao longo da história do maior MP do Brasil. Um dado que me é muito relevante. Todas as nossas atribuições são essenciais, porque o MP é essencial na sua inteireza. Não há valorização de uma área em detrimento de outra. Não há hierarquização, como se uma fosse mais relevante, porque todas são essenciais. O MP é o conjunto de todas as suas funções institucionais, da defesa da ordem pública à defesa do regime democrático.
Por que o sr. quer ser procurador-geral de Justiça de São Paulo?
Porque creio que esteja apto a tamanho desafio. Fui presidente da nossa entidade de classe, atuei na representação do MP brasileiro, debato as políticas institucionais há décadas e participo ativamente de todas as tratativas institucionais. Sou conhecido por ser promotor, promotor do Júri, representante do MP brasileiro, ou seja, não sou um neófito na política institucional. Acho que dei algumas contribuições importantes, mas aprendi muito mais nesses anos todos. Já estive incontáveis vezes em todos os Estados da Federação, conheço todos os MPs, já estive em todos os gabinetes de Brasília, conheço os meandros da política, mas o que mais conheço são as colegas e os colegas do MP de São Paulo. Por isso quero ser procurador-geral, para servir ainda mais a uma Instituição que é minha casa, e aos colegas que hoje, e assim tem sido nos últimos quase 40 anos, são minha família.
O que pretende priorizar na reta final de campanha?
Como sempre, o diálogo. Ouvir, ouvir, ouvir e assumir publicamente compromissos. Estar com os colegas e deles retirar o que desejam e necessitam e me preparar para, se tudo correr bem, fazer ainda mais por todos. Sei das nossas necessidades e penso que a definição de prioridades deve ser feita em comunhão com todos. Por isso, visitar, ouvir, expor e assumir compromissos. Meu projeto é de renovação de um compromisso e juramento que fiz quando ingressei no MP. Servir ao MP, aos colegas e à sociedade paulista.
Em suas visitas às Promotorias o que pôde constatar?
De um lado, que todos querem fazer o que de melhor for possível para São Paulo, para o próprio MP, para o sistema de justiça. De outro, que necessitam de investimentos. Investimentos em condições e organização dos trabalhos, de apoio material e pessoal. Por isso, também quero ser PGJ, porque cabe a ele definir prioridades e, para que estas alcancem as necessidades, é preciso conhecer o MP e a sua realidade. O que mais os colegas necessitam pode estar ao alcance da PGJ, desde que ela esteja sempre ao alcance dos colegas. Não se faz uma boa gestão do gabinete da PGJ, mas do gabinete dos membros do Ministério Público.
A realidade do MP não se resolve com discurso apenas, é preciso estar apto para enfrentar e venho me debatendo com a realidade do MP há quase 40 anos, como todos sabem. Precisaremos dialogar com a Assembleia Legislativa para algumas alterações legislativas, com o Executivo para que nos ajude a realizar investimentos, com os tribunais superiores para que as teses institucionais sejam acolhidas.
O que é que os promotores mais almejam?
Que a PGJ seja capaz de acolher a todos. Não apenas nos infortúnios da vida, mas no dia a dia, desde a definição da sede, do quadro de apoio até o debate das mudanças orçamentárias e legais. Que a PGJ seja instrumental. Instrumento de aperfeiçoamento do MP e da vida dos membros, servidores e sociedade.
Promotor também deveria concorrer ao topo do MP? Por quê?
Sempre defendi. Todos sabem. Fui promotor por quase toda a minha carreira. Fui presidente da associação, da Conamp, sendo promotor de Justiça. É óbvio que há inúmeros colegas, nos mais diferentes cargos, prontos para concorrerem e serem PGJ com enorme competência.
O governador é bolsonarista. Ele vai escolher o futuro chefe da Instituição. Se o sr. assumir o comando do MP paulista, conseguirá agir com isenção em investigações sobre o ex-presidente?
Não apenas em relação ao ex-presidente, mas em relação a qualquer pessoa e sobre qualquer fato cuja atuação me seja imposta. Não há meia independência. Atos do governo estadual, pessoas que estejam em cargos políticos ou que já estiveram, terão de mim a atuação profissional que se espera e se tem em São Paulo de todas e todos os membros da instituição.
Como vai proceder em episódios como a Operação Verão, à qual tem sido atribuídas até execuções por parte de policiais militares na Baixada Santista?
Garantindo aos colegas com atribuições meios e instrumentos que permitam a todos a atuação que se espera do MP. O papel do procurador-geral de Justiça é esse, ser instância de apoio aos colegas, sobretudo nas matérias que não lhe digam respeito.
O Supremo Tribunal Federal tem sido criticado por sua atuação em casos emblemáticos como a investigação do 8 de Janeiro. Vê excessos?
Não me cabe ser juiz da atuação do Judiciário, do Executivo ou Legislativo. Nós, promotores de Justiça, devemos ser comedidos nas palavras e rigorosos nos juízos de valor. A opinião precisa ser técnica e nunca se deve dizer o que nos autos não pode ser escrito.
Dezessete anos de prisão para invasores da Praça dos Três Poderes, acusados de atos antidemocráticos e abolição do Estado de Direito, é uma pena justa?
Não somos comentaristas da vida social ou política. Não somos meros consultores. Temos a responsabilidade de atuar em favor da sociedade e de seus valores. Falar menos e trabalhar mais. Há uma polarização social resultante da divisão política no Brasil e é óbvio que o MP não pode se posicionar em abono a um ou outro posicionamento. A Constituição estabelece claramente quais são nossos limites e nossa responsabilidade, e nela está previsto que nos cabe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis.
Qual a sua proposta para o drama da Cracolândia?
A questão deixou de ser apenas judicial ou capaz de ser resolvida exclusivamente com a ação do Executivo. Todos devemos atuar. A Justiça, o Executivo, as Polícias e termos presente que a questão é de saúde pública. Precisamos garantir àquelas pessoas condições de tratamento e aos que exploram essas pessoas, os traficantes, o tratamento que a lei penal lhes reserva. Dar a quem necessita atendimento especializado, aos criminosos a lei penal inflexível e a toda a cidade uma condição melhor de viver.
Qual a sua sugestão para o futuro prefeito de São Paulo?
A minha sugestão é para todos os prefeitos que serão eleitos em outubro e novembro. Que atuem fiéis aos compromissos assumidos, buscando o melhor resultado para a população. Não alimentando cizânias na sociedade, porque a eleição acaba e a gestão começa. A todos eu posso dizer, contem com o Ministério Público de São Paulo, ele estará sempre disponível e apto a ajudar a prevalecer a justiça no nosso Estado.
O PCC avança como um trator e se infiltra em setores do poder público. Como pretende enfrentar o crime organizado cada vez mais ousado e agressivo?
O MP de São Paulo tem sido a principal referência no combate ao PCC, desde que surgiu. Foi aqui que a principal denúncia contra todas as lideranças foi oferecida, foi aqui que os pedidos de transferências para presídios federais foram feitos, tem sido aqui que as investigações se mostram mais frutíferas. O MP pode seguir atuando com a nossa Polícia Militar, Polícia Científica e Polícia Civil para oferecer ao Brasil conhecimento suficiente para a repressão no Brasil todo. Acho que podemos formar uma aliança com esses atores importantes e dar ao País resultados efetivamente concretos. Há colegas que já se especializaram e há policiais estaduais também especializados. É preciso que seja formada uma grande aliança contra o crime organizado. Fui promotor criminal por toda a minha carreira e sei por onde podemos avançar ainda mais, e sei que não farei nada sozinho. Vale registrar a operação desta terça-feira, 9, a Operação Fim da Linha, cuja atuação integrada do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) com outras instituições resultou em seis prisões e no bloqueio de mais de R$ 600 milhões em patrimônio do crime organizado infiltrado no setor de transporte urbano da capital.
Qual a sua receita para redução da criminalidade nos grandes centros?
Há uma receita-base. Nenhuma instituição ou Poder pode pretender substituir o outro. Ao município cabem as guardas municipais, os serviços de controle de tráfego e, com inteligência e dados, eles podem contribuir decisivamente para o trabalho do Executivo estadual, pelas Polícias Civil e Militar, porque a eles cabem a polícia judiciária e a prevenção e repressão. E ao Judiciário cabe ter meios e modo adequado a respostas mais céleres possíveis. Justiça que tarda não é Justiça e sabemos que a sensação de violência e a elevação da criminalidade estão associadas também à impunidade. Ou seja, trabalhar juntos, essa a receita que me parece adequada.
JOSÉ CARLOS COSENZO E SUAS METAS
José Carlos Cosenzo, 71 anos, apreciador de boa leitura, considera ter uma ‘história a serviço do Ministério Público’.
Ao longo de mais de 40 anos de carreira, percorreu diversas Promotorias de Justiça, de Araraquara à Capital.
Ele defende um ‘projeto coletivo, fundamentado nos pilares do diálogo, conhecimento, trabalho e resolução’.
Sua meta: “Reafirmar o Ministério Público como Instituição imprescindível para a salvaguarda da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, preservando e conferindo estrutura ao seu ativo mais importante: as pessoas que o integram, sem se descurar dos colegas aposentados, que construíram e nos entregaram o Ministério Público atual”.
Cosenzo acena com ‘propostas inovadoras’ para o futuro do Ministério Público de São Paulo. Destaca a criação de um Núcleo de Integração entre 1.ª e 2.ª Instâncias, destinado a auxiliar na interposição de recursos e a interlocução com os Tribunais, incluindo as Cortes Superiores.
Ele propõe investimentos em ferramentas tecnológicas, como o georreferenciamento e a inteligência artificial, ‘para fortalecer o combate à criminalidade e a proteção dos direitos individuais e coletivos’.
Pretende investir, se eleito e nomeado procurador-geral de Justiça, no fomento de um Laboratório de Dados ‘composto por especialistas em diversas áreas para coletar e analisar informações que subsidiem a atuação do Ministério Público e influenciem políticas públicas em diversas temáticas’.
ENTENDA ONDE ESTÁ O PESO POLÍTICO DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
Chefe do Ministério Público, o procurador-geral de Justiça tem mandato de dois anos. Ele pode ser reconduzido uma vez ao topo da Instituição.
Cabe exclusivamente ao procurador-geral investigar e propor ações judiciais sobre atos de deputados estaduais, prefeitos, promotores, juízes e o governador.
As ações dessa natureza, que miram esse rol de autoridades, são da competência originária do chefe do MP.
O procurador-geral preside os órgãos de administração, entre os quais o Conselho Superior do MP, formado por 11 integrantes que têm poder para rever e reabrir inquéritos civis sobre corrupção e improbidade arquivados por promotores que atuam perante a primeira instância judicial.
Ele também comanda o Colégio de Procuradores de Justiça.
Ocupa cadeira, como representante do MP, no Órgão Especial do Tribunal de Justiça, colegiado que julga, entre outras demandas a constitucionalidade de leis de todos os municípios do Estado.
Ele integra, ainda, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
Ao procurador-geral é reservada a missão de enviar à Assembleia Legislativa do Estado projetos de lei com proposta de criação e extinção de cargos e serviços auxiliares e o orçamento da instituição.