O Estadão noticiou que Martin Scorsese fará um filme este ano cujo personagem é Jesus Cristo. O cineasta afirma que atendeu ao pedido de Francisco, o Papa, que sustenta o poder de sedução da cinematografia.
Scorsese fala em um Cristo “atual” e “atemporal”. Só que o projeto de nosso brasileiríssimo e queridíssimo Tom Zé, em madura elaboração que já vai para treze anos, mostra-se muito mais original. Ele imagina o Cristo renascendo na floresta em Sua segunda vinda.
E isso é muito mais instigante. Como Autor de tudo o que existe, Jesus deve estar triste com os maus-tratos que os inquilinos do planeta infligem à Terra. Bastaram cinco séculos – um átimo, considerada a eternidade – para que o patrimônio-maior da Amazônia enfrentasse o ponto de inflexão. Após o qual, não haverá mais floresta. Primeiro a savanização, depois o deserto. E as consequências disso, todos sabemos. É apressar a finalização da aventura humana sobre esta frágil esfera, mercê da insensatez da espécie que se autodenomina “racional”.
Ao renascer na floresta, Jesus Cristo evidenciaria a imprescindibilidade do convívio harmônico entre todos os seres vivos. A interligação íntima entre cada criatura, cada qual dependente da outra. A vida é um fenômeno de refinada inteligência. Rompido um só dos elos e a cadeia tende a se esfacelar. A perecer. A se extinguir.
Tom Zé, poeta-maior, enxergou tudo isso muito antes de Scorsese, que precisou merecer recomendação do Sumo Pontífice e que vai se basear no livro “A life of Jesus” (Uma vida de Jesus), de Shusaku Endo. Conforme anunciou, será um livro sem proselitismo, pois a religião falhou. Será algo neutral, asséptico, aparentemente sem alma. Uso da tecnologia, a cada momento mais avançada, para exibição de uma arte desprovida de sentimento.
Ao contrário, a obra de Tom Zé será o jorro espontâneo e emocionado daquilo de que é pródigo o seu coração. Toda a arte que ele produz tem a mesma origem amorável: brota no recôndito de seu imenso cofre afetivo, repleto de benquerença.
A gestação dessa proposta começou com a elaboração de duas estrofes: “Esperança” - Salvar a humanidade/Com riso ou com sacrifício/Sempre foi majestade/No doce peito de Cristo”.
O “doce peito de Cristo” continua ferido, porque a mensagem de infinito amor, que não se restringe aos iguais, mas contempla “a irmã natureza”, como dizia Francisco de Assis, está muito distante do comportamento comum à maioria dos homens.
O Brasil, terra de contrastes, que nasceu milionário em biodiversidade, detentor da maior riqueza contemporânea, seus reservatórios de água-doce, não fez por merecer o tesouro.
Quão adequado à urgência de uma conscientização ecológica de todos os patrícios, refletir sobre a segunda estrofe de Tom Zé: “Assim, uma coisa linda/Subiu pela Sua testa:/Na minha segunda vinda/ Voltarei como floresta.”
Somente o Criador, o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Salvador, que Se ofereceu em Holocausto para redimir a humanidade, poderia inspirar Seus irmãos – (Ele não afirmou que “todos somos filhos de Deus?) – a dispensar generosidade à natureza e, principalmente, ao verde. “Voltarei como floresta”! Que apelo irresistível à nossa conversão ético-ambiental!
Ao ser solicitado a escrever um texto para o Grupo Corpo, para a celebração dos cinquenta anos dessa fabulosa equipe, Tom Zé perpetrou mais duas estrofes, ratificação segura de que sua intenção está em pé, firme e forte: " E foi a Biomimética/ A salvação que Ele trouxe/, Porque Jesus piedoso/ Na Amazônia encarnou-se”.
Renascer naquela região que coleciona chagas abertas pela maldade, pela exploração ilícita de minerais, pela especulação imobiliária, pela grilagem, pela nefasta continuidade de genocídio indígena, é – talvez – a derradeira tentativa de Quem se imolou por amor.
O cultivo do caleidoscópio de artes com que o Brasil foi aquinhoado, a música, a literatura, a fotografia, a escultura, o desenho, a pintura, a performance, a dança, pode ser alternativa ao extermínio do futuro que, lamentavelmente, se intensificou nos últimos tempos e que parece não arrefecer.
Tom Zé, artista exímio e sensível, predestinado a criar obras-primas, presença de relevo no universo cultural de nossa Pátria, detectou a substanciosa analogia da Segunda Vinda do Cristo, agora na hileia brasileira. Foi-lhe espontânea a vinculação entre o Grupo Corpo e sua missão redentora dos humanos. Pois a arte liberta.
Daí a simbologia presente na estrofe que segue: “Grupo Corpo se engrandece/ Com a magia que tece/ E transforma o ser humano/ Pela arte, em soberano”.
Tom Zé preserva, em plenitude, a integralidade de sua vocação de artífice do belo, do bom, do generoso, do tocante. Foi o que o levou a encontrar liame nítido entre a esperança humana de retorno do Cristo e a simultânea esperança de que o bicho-homem se converta e passe a defender a natureza. Comando religioso para os que têm a graça da crença, mas comando jurídico inserto na “Constituição Ecológica” de 1988.
Salve Tom Zé! Nossa glória e nosso orgulho!
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras