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O abuso de Estados e do Distrito Federal da alíquota monofásica do ICMS sobre os combustíveis


Por André Felix Ricotta de Oliveira
André Felix Ricotta de Oliveira. Foto: Divulgação

O ICMS, imposto que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, sempre foi norteado pelo princípio da seletividade ou essencialidade, previsto no art. 155, § 2º, III da Constituição Federal.

Ela determina que o imposto pode ter alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade do produto. Ou seja, quanto mais essencial o produto para os consumidores finais, menor a alíquota do ICMS, menor a incidência ou exigência do imposto, enquanto mais supérfluo e menos essencial, maior seria a alíquota do imposto.

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Contudo, Estados e o Distrito Federal sempre utilizaram desse disposto constitucional para, de forma discricionária, estabelecerem alíquotas diferenciadas sobre as operações com mercadorias e serviços, sendo que, muitas vezes, produtos e serviços esses, essenciais para a população. As Unidades Federativas aplicavam as maiores alíquotas de ICMS em razão da riqueza econômica gerada por esses produtos e serviços, ou seja, elas sempre abusaram da tributação de bens e serviços essenciais para arrecadarem mais em detrimento da população e do princípio da seletividade.

Tal situação levou o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 714.139, fixar, em repercussão geral, o Tema 745, a tese: "adotada pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços".

No caso, era um Recurso Extraordinário oriundo de Santa Catarina em que o Estado exigia a alíquota de 25% sobre energia elétrica e serviço de comunicação e o STF decidiu que não poderia ser superior à alíquota média do UF que seria 17%.

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Posteriormente, adveio LC nº 194/22, disciplinando que os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens, serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos, e com isso, não poderiam ter alíquotas superiores à média das Unidades Federativas que fica em torno de 17% e 18%.

No entanto, os Estados e o Distrito Federal, ao estabelecerem a alíquota incidente no regime monofásico dos combustíveis, um valor fixo por litro, estão desrespeitando o princípio da seletividade e a determinação de que o combustível é essencial e não pode ter alíquota superior à média dos Estados. Como exemplo, ao fixarem a alíquota de R$ 1,22 por litro de gasolina, a partir de 1º de junho, as Unidades Federativas estão aumentando o ICMS sobre os combustíveis, pois corresponde a valor superior a aplicação da alíquota de18%.

O ICMS é um tributo que segue o princípio da não cumulatividade. O valor do imposto que incidiu na operação ou prestação anterior pode ser compensado com o montante devido na operação ou prestação posterior, com a finalidade de que se neutralize a incidência do imposto de forma cascata (imposto sobre imposto) e que no final da cadeia produtiva, o efeito para o consumidor final seja a incidência única sobre o valor final do produto ou serviço.

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Exemplificando de forma simples: a indústria vende produto a R$ 100,00. Com a alíquota de 18%, a mercadoria custará ao adquirente R$ 118,00 e o vendedor recolherá a quantia de R$ 18,00 a título de ICMS. Por sua vez, o distribuidor-adquirente deseja vender essa mercadoria para o varejista por R$ 200,00. Com a incidência do imposto a alíquota de 18%, o valor passa para R$ 236,00 e o distribuidor teria que recolher a quantia de R$ 36,00 de ICMS, mas recolhe apenas R$ 18,00, em razão do crédito da operação anterior. Finalmente, o varejista pretende vender ao consumidor final a mercadoria pelo valor de R$ 300,00. Com a incidência do ICMS passa custa R$ 354,00. Tendo em vista os créditos de ICMS correspondentes a R$ 36,00 do imposto da operação anterior, o varejista recolhe efetivamente o valor de R$ 18,00. Nesse exemplo, em razão ao princípio da não cumulatividade, foi recolhido efetivamente a título de ICMS na circulação de mercadoria, a quantia correspondente a R$ 54,00.

O regime monofásico do ICMS tem a finalidade de que se recolha uma única vez o ICMS devido em toda cadeia de produtiva, pelo produtor ou importador, representando os 18% sobre o valor do produto para o consumidor final, como no exemplo acima.

No caso da gasolina, ao fixarem a alíquota "ad rem" de R$ 1,22 por litro, para representar a alíquota de 18% incidentes sobre o combustível, seu valor final do combustível ao consumidor deveria ser R$ 6,78 na bomba do posto de gasolina.

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Ora, sendo o valor médio da gasolina para o consumidor final R$ 5,50, a alíquota do ICMS monofásico deveria ser em torno de R$ 0,84 por litro para corresponder a alíquota de 18% sobre o preço final do produto. Assim, é evidente o enriquecimento ilícito por parte dos Estados na tributação do ICMS monofásico sobre a gasolina.

Tanto que a Secretaria de Fazenda do Estado de Santa Catarina reconhece o desrespeito ao princípio da seletividade estabelecendo em seu site:

"Convênio celebrado no âmbito do Confaz fixou o imposto em R$ 1,22 por litro a partir de 1º de junho. Em Santa Catarina, serão R$ 0,27 de aumento de imposto por litro - hoje o ICMS da gasolina está fixado em 17%, o que representa R$ 0,95 em imposto no litro da gasolina. Com a implantação do valor fixo, não haverá mais a incidência desta alíquota. Ratificado o acordo entre os Estados, o litro da gasolina passará dos atuais R$ 5,64 para R$ 5,91 em SC".

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Desse modo, fica claro que com os patamares fixados para alíquota monofásica do ICMS sobre a gasolina, Estados e Distrito Federal tiraram proveito para aumentar o imposto, desrespeitando o princípio constitucional da seletividade e as determinações da LC nº 194/22. Importante salientar que a alíquota de R$ 1,22 também será aplicada no álcool anidro, o que representa um aumento do ICMS sobre esse combustível, configurando desrespeito ainda maior ao princípio da seletividade e desincentivo a tributação ecológica.

*André Felix Ricotta de Oliveira, professor de Direito tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros. Conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da FECOMERCIO/SP. Coordenador do IBET de São José dos Campos. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da SEFAZ/SP.

André Felix Ricotta de Oliveira. Foto: Divulgação

O ICMS, imposto que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, sempre foi norteado pelo princípio da seletividade ou essencialidade, previsto no art. 155, § 2º, III da Constituição Federal.

Ela determina que o imposto pode ter alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade do produto. Ou seja, quanto mais essencial o produto para os consumidores finais, menor a alíquota do ICMS, menor a incidência ou exigência do imposto, enquanto mais supérfluo e menos essencial, maior seria a alíquota do imposto.

Contudo, Estados e o Distrito Federal sempre utilizaram desse disposto constitucional para, de forma discricionária, estabelecerem alíquotas diferenciadas sobre as operações com mercadorias e serviços, sendo que, muitas vezes, produtos e serviços esses, essenciais para a população. As Unidades Federativas aplicavam as maiores alíquotas de ICMS em razão da riqueza econômica gerada por esses produtos e serviços, ou seja, elas sempre abusaram da tributação de bens e serviços essenciais para arrecadarem mais em detrimento da população e do princípio da seletividade.

Tal situação levou o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 714.139, fixar, em repercussão geral, o Tema 745, a tese: "adotada pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços".

No caso, era um Recurso Extraordinário oriundo de Santa Catarina em que o Estado exigia a alíquota de 25% sobre energia elétrica e serviço de comunicação e o STF decidiu que não poderia ser superior à alíquota média do UF que seria 17%.

Posteriormente, adveio LC nº 194/22, disciplinando que os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens, serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos, e com isso, não poderiam ter alíquotas superiores à média das Unidades Federativas que fica em torno de 17% e 18%.

No entanto, os Estados e o Distrito Federal, ao estabelecerem a alíquota incidente no regime monofásico dos combustíveis, um valor fixo por litro, estão desrespeitando o princípio da seletividade e a determinação de que o combustível é essencial e não pode ter alíquota superior à média dos Estados. Como exemplo, ao fixarem a alíquota de R$ 1,22 por litro de gasolina, a partir de 1º de junho, as Unidades Federativas estão aumentando o ICMS sobre os combustíveis, pois corresponde a valor superior a aplicação da alíquota de18%.

O ICMS é um tributo que segue o princípio da não cumulatividade. O valor do imposto que incidiu na operação ou prestação anterior pode ser compensado com o montante devido na operação ou prestação posterior, com a finalidade de que se neutralize a incidência do imposto de forma cascata (imposto sobre imposto) e que no final da cadeia produtiva, o efeito para o consumidor final seja a incidência única sobre o valor final do produto ou serviço.

Exemplificando de forma simples: a indústria vende produto a R$ 100,00. Com a alíquota de 18%, a mercadoria custará ao adquirente R$ 118,00 e o vendedor recolherá a quantia de R$ 18,00 a título de ICMS. Por sua vez, o distribuidor-adquirente deseja vender essa mercadoria para o varejista por R$ 200,00. Com a incidência do imposto a alíquota de 18%, o valor passa para R$ 236,00 e o distribuidor teria que recolher a quantia de R$ 36,00 de ICMS, mas recolhe apenas R$ 18,00, em razão do crédito da operação anterior. Finalmente, o varejista pretende vender ao consumidor final a mercadoria pelo valor de R$ 300,00. Com a incidência do ICMS passa custa R$ 354,00. Tendo em vista os créditos de ICMS correspondentes a R$ 36,00 do imposto da operação anterior, o varejista recolhe efetivamente o valor de R$ 18,00. Nesse exemplo, em razão ao princípio da não cumulatividade, foi recolhido efetivamente a título de ICMS na circulação de mercadoria, a quantia correspondente a R$ 54,00.

O regime monofásico do ICMS tem a finalidade de que se recolha uma única vez o ICMS devido em toda cadeia de produtiva, pelo produtor ou importador, representando os 18% sobre o valor do produto para o consumidor final, como no exemplo acima.

No caso da gasolina, ao fixarem a alíquota "ad rem" de R$ 1,22 por litro, para representar a alíquota de 18% incidentes sobre o combustível, seu valor final do combustível ao consumidor deveria ser R$ 6,78 na bomba do posto de gasolina.

Ora, sendo o valor médio da gasolina para o consumidor final R$ 5,50, a alíquota do ICMS monofásico deveria ser em torno de R$ 0,84 por litro para corresponder a alíquota de 18% sobre o preço final do produto. Assim, é evidente o enriquecimento ilícito por parte dos Estados na tributação do ICMS monofásico sobre a gasolina.

Tanto que a Secretaria de Fazenda do Estado de Santa Catarina reconhece o desrespeito ao princípio da seletividade estabelecendo em seu site:

"Convênio celebrado no âmbito do Confaz fixou o imposto em R$ 1,22 por litro a partir de 1º de junho. Em Santa Catarina, serão R$ 0,27 de aumento de imposto por litro - hoje o ICMS da gasolina está fixado em 17%, o que representa R$ 0,95 em imposto no litro da gasolina. Com a implantação do valor fixo, não haverá mais a incidência desta alíquota. Ratificado o acordo entre os Estados, o litro da gasolina passará dos atuais R$ 5,64 para R$ 5,91 em SC".

Desse modo, fica claro que com os patamares fixados para alíquota monofásica do ICMS sobre a gasolina, Estados e Distrito Federal tiraram proveito para aumentar o imposto, desrespeitando o princípio constitucional da seletividade e as determinações da LC nº 194/22. Importante salientar que a alíquota de R$ 1,22 também será aplicada no álcool anidro, o que representa um aumento do ICMS sobre esse combustível, configurando desrespeito ainda maior ao princípio da seletividade e desincentivo a tributação ecológica.

*André Felix Ricotta de Oliveira, professor de Direito tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros. Conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da FECOMERCIO/SP. Coordenador do IBET de São José dos Campos. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da SEFAZ/SP.

André Felix Ricotta de Oliveira. Foto: Divulgação

O ICMS, imposto que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, sempre foi norteado pelo princípio da seletividade ou essencialidade, previsto no art. 155, § 2º, III da Constituição Federal.

Ela determina que o imposto pode ter alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade do produto. Ou seja, quanto mais essencial o produto para os consumidores finais, menor a alíquota do ICMS, menor a incidência ou exigência do imposto, enquanto mais supérfluo e menos essencial, maior seria a alíquota do imposto.

Contudo, Estados e o Distrito Federal sempre utilizaram desse disposto constitucional para, de forma discricionária, estabelecerem alíquotas diferenciadas sobre as operações com mercadorias e serviços, sendo que, muitas vezes, produtos e serviços esses, essenciais para a população. As Unidades Federativas aplicavam as maiores alíquotas de ICMS em razão da riqueza econômica gerada por esses produtos e serviços, ou seja, elas sempre abusaram da tributação de bens e serviços essenciais para arrecadarem mais em detrimento da população e do princípio da seletividade.

Tal situação levou o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 714.139, fixar, em repercussão geral, o Tema 745, a tese: "adotada pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços".

No caso, era um Recurso Extraordinário oriundo de Santa Catarina em que o Estado exigia a alíquota de 25% sobre energia elétrica e serviço de comunicação e o STF decidiu que não poderia ser superior à alíquota média do UF que seria 17%.

Posteriormente, adveio LC nº 194/22, disciplinando que os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens, serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos, e com isso, não poderiam ter alíquotas superiores à média das Unidades Federativas que fica em torno de 17% e 18%.

No entanto, os Estados e o Distrito Federal, ao estabelecerem a alíquota incidente no regime monofásico dos combustíveis, um valor fixo por litro, estão desrespeitando o princípio da seletividade e a determinação de que o combustível é essencial e não pode ter alíquota superior à média dos Estados. Como exemplo, ao fixarem a alíquota de R$ 1,22 por litro de gasolina, a partir de 1º de junho, as Unidades Federativas estão aumentando o ICMS sobre os combustíveis, pois corresponde a valor superior a aplicação da alíquota de18%.

O ICMS é um tributo que segue o princípio da não cumulatividade. O valor do imposto que incidiu na operação ou prestação anterior pode ser compensado com o montante devido na operação ou prestação posterior, com a finalidade de que se neutralize a incidência do imposto de forma cascata (imposto sobre imposto) e que no final da cadeia produtiva, o efeito para o consumidor final seja a incidência única sobre o valor final do produto ou serviço.

Exemplificando de forma simples: a indústria vende produto a R$ 100,00. Com a alíquota de 18%, a mercadoria custará ao adquirente R$ 118,00 e o vendedor recolherá a quantia de R$ 18,00 a título de ICMS. Por sua vez, o distribuidor-adquirente deseja vender essa mercadoria para o varejista por R$ 200,00. Com a incidência do imposto a alíquota de 18%, o valor passa para R$ 236,00 e o distribuidor teria que recolher a quantia de R$ 36,00 de ICMS, mas recolhe apenas R$ 18,00, em razão do crédito da operação anterior. Finalmente, o varejista pretende vender ao consumidor final a mercadoria pelo valor de R$ 300,00. Com a incidência do ICMS passa custa R$ 354,00. Tendo em vista os créditos de ICMS correspondentes a R$ 36,00 do imposto da operação anterior, o varejista recolhe efetivamente o valor de R$ 18,00. Nesse exemplo, em razão ao princípio da não cumulatividade, foi recolhido efetivamente a título de ICMS na circulação de mercadoria, a quantia correspondente a R$ 54,00.

O regime monofásico do ICMS tem a finalidade de que se recolha uma única vez o ICMS devido em toda cadeia de produtiva, pelo produtor ou importador, representando os 18% sobre o valor do produto para o consumidor final, como no exemplo acima.

No caso da gasolina, ao fixarem a alíquota "ad rem" de R$ 1,22 por litro, para representar a alíquota de 18% incidentes sobre o combustível, seu valor final do combustível ao consumidor deveria ser R$ 6,78 na bomba do posto de gasolina.

Ora, sendo o valor médio da gasolina para o consumidor final R$ 5,50, a alíquota do ICMS monofásico deveria ser em torno de R$ 0,84 por litro para corresponder a alíquota de 18% sobre o preço final do produto. Assim, é evidente o enriquecimento ilícito por parte dos Estados na tributação do ICMS monofásico sobre a gasolina.

Tanto que a Secretaria de Fazenda do Estado de Santa Catarina reconhece o desrespeito ao princípio da seletividade estabelecendo em seu site:

"Convênio celebrado no âmbito do Confaz fixou o imposto em R$ 1,22 por litro a partir de 1º de junho. Em Santa Catarina, serão R$ 0,27 de aumento de imposto por litro - hoje o ICMS da gasolina está fixado em 17%, o que representa R$ 0,95 em imposto no litro da gasolina. Com a implantação do valor fixo, não haverá mais a incidência desta alíquota. Ratificado o acordo entre os Estados, o litro da gasolina passará dos atuais R$ 5,64 para R$ 5,91 em SC".

Desse modo, fica claro que com os patamares fixados para alíquota monofásica do ICMS sobre a gasolina, Estados e Distrito Federal tiraram proveito para aumentar o imposto, desrespeitando o princípio constitucional da seletividade e as determinações da LC nº 194/22. Importante salientar que a alíquota de R$ 1,22 também será aplicada no álcool anidro, o que representa um aumento do ICMS sobre esse combustível, configurando desrespeito ainda maior ao princípio da seletividade e desincentivo a tributação ecológica.

*André Felix Ricotta de Oliveira, professor de Direito tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros. Conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da FECOMERCIO/SP. Coordenador do IBET de São José dos Campos. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da SEFAZ/SP.

André Felix Ricotta de Oliveira. Foto: Divulgação

O ICMS, imposto que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, sempre foi norteado pelo princípio da seletividade ou essencialidade, previsto no art. 155, § 2º, III da Constituição Federal.

Ela determina que o imposto pode ter alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade do produto. Ou seja, quanto mais essencial o produto para os consumidores finais, menor a alíquota do ICMS, menor a incidência ou exigência do imposto, enquanto mais supérfluo e menos essencial, maior seria a alíquota do imposto.

Contudo, Estados e o Distrito Federal sempre utilizaram desse disposto constitucional para, de forma discricionária, estabelecerem alíquotas diferenciadas sobre as operações com mercadorias e serviços, sendo que, muitas vezes, produtos e serviços esses, essenciais para a população. As Unidades Federativas aplicavam as maiores alíquotas de ICMS em razão da riqueza econômica gerada por esses produtos e serviços, ou seja, elas sempre abusaram da tributação de bens e serviços essenciais para arrecadarem mais em detrimento da população e do princípio da seletividade.

Tal situação levou o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 714.139, fixar, em repercussão geral, o Tema 745, a tese: "adotada pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços".

No caso, era um Recurso Extraordinário oriundo de Santa Catarina em que o Estado exigia a alíquota de 25% sobre energia elétrica e serviço de comunicação e o STF decidiu que não poderia ser superior à alíquota média do UF que seria 17%.

Posteriormente, adveio LC nº 194/22, disciplinando que os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens, serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos, e com isso, não poderiam ter alíquotas superiores à média das Unidades Federativas que fica em torno de 17% e 18%.

No entanto, os Estados e o Distrito Federal, ao estabelecerem a alíquota incidente no regime monofásico dos combustíveis, um valor fixo por litro, estão desrespeitando o princípio da seletividade e a determinação de que o combustível é essencial e não pode ter alíquota superior à média dos Estados. Como exemplo, ao fixarem a alíquota de R$ 1,22 por litro de gasolina, a partir de 1º de junho, as Unidades Federativas estão aumentando o ICMS sobre os combustíveis, pois corresponde a valor superior a aplicação da alíquota de18%.

O ICMS é um tributo que segue o princípio da não cumulatividade. O valor do imposto que incidiu na operação ou prestação anterior pode ser compensado com o montante devido na operação ou prestação posterior, com a finalidade de que se neutralize a incidência do imposto de forma cascata (imposto sobre imposto) e que no final da cadeia produtiva, o efeito para o consumidor final seja a incidência única sobre o valor final do produto ou serviço.

Exemplificando de forma simples: a indústria vende produto a R$ 100,00. Com a alíquota de 18%, a mercadoria custará ao adquirente R$ 118,00 e o vendedor recolherá a quantia de R$ 18,00 a título de ICMS. Por sua vez, o distribuidor-adquirente deseja vender essa mercadoria para o varejista por R$ 200,00. Com a incidência do imposto a alíquota de 18%, o valor passa para R$ 236,00 e o distribuidor teria que recolher a quantia de R$ 36,00 de ICMS, mas recolhe apenas R$ 18,00, em razão do crédito da operação anterior. Finalmente, o varejista pretende vender ao consumidor final a mercadoria pelo valor de R$ 300,00. Com a incidência do ICMS passa custa R$ 354,00. Tendo em vista os créditos de ICMS correspondentes a R$ 36,00 do imposto da operação anterior, o varejista recolhe efetivamente o valor de R$ 18,00. Nesse exemplo, em razão ao princípio da não cumulatividade, foi recolhido efetivamente a título de ICMS na circulação de mercadoria, a quantia correspondente a R$ 54,00.

O regime monofásico do ICMS tem a finalidade de que se recolha uma única vez o ICMS devido em toda cadeia de produtiva, pelo produtor ou importador, representando os 18% sobre o valor do produto para o consumidor final, como no exemplo acima.

No caso da gasolina, ao fixarem a alíquota "ad rem" de R$ 1,22 por litro, para representar a alíquota de 18% incidentes sobre o combustível, seu valor final do combustível ao consumidor deveria ser R$ 6,78 na bomba do posto de gasolina.

Ora, sendo o valor médio da gasolina para o consumidor final R$ 5,50, a alíquota do ICMS monofásico deveria ser em torno de R$ 0,84 por litro para corresponder a alíquota de 18% sobre o preço final do produto. Assim, é evidente o enriquecimento ilícito por parte dos Estados na tributação do ICMS monofásico sobre a gasolina.

Tanto que a Secretaria de Fazenda do Estado de Santa Catarina reconhece o desrespeito ao princípio da seletividade estabelecendo em seu site:

"Convênio celebrado no âmbito do Confaz fixou o imposto em R$ 1,22 por litro a partir de 1º de junho. Em Santa Catarina, serão R$ 0,27 de aumento de imposto por litro - hoje o ICMS da gasolina está fixado em 17%, o que representa R$ 0,95 em imposto no litro da gasolina. Com a implantação do valor fixo, não haverá mais a incidência desta alíquota. Ratificado o acordo entre os Estados, o litro da gasolina passará dos atuais R$ 5,64 para R$ 5,91 em SC".

Desse modo, fica claro que com os patamares fixados para alíquota monofásica do ICMS sobre a gasolina, Estados e Distrito Federal tiraram proveito para aumentar o imposto, desrespeitando o princípio constitucional da seletividade e as determinações da LC nº 194/22. Importante salientar que a alíquota de R$ 1,22 também será aplicada no álcool anidro, o que representa um aumento do ICMS sobre esse combustível, configurando desrespeito ainda maior ao princípio da seletividade e desincentivo a tributação ecológica.

*André Felix Ricotta de Oliveira, professor de Direito tributário, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros. Conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da FECOMERCIO/SP. Coordenador do IBET de São José dos Campos. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da SEFAZ/SP.

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