Em razão de pressões internacionais e para a preservação da segurança durante a realização das Olimpíadas, tratou o Congresso Nacional de analisar algumas propostas existentes e, ao final de muita discussão, aprovar a Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, que define o crime de terrorismo.
A redação atual da aludida lei não prevê o terrorismo político e o ideológico, que leva organizações terroristas a praticarem atos de violência em vários locais do mundo.
Diz seu artigo 2º: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Quando da discussão dos projetos de lei acerca de terrorismo houve a preocupação dos partidos de esquerda à época de que não se enquadrassem como atos terroristas as invasões de terras e de outras propriedades patrocinadas por organizações como o MST e outras análogas.
Tanto que o § 2º deste artigo dispõe que: “O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.
Não resta a menor dúvida de que o atentado a bomba ocorrido na Capital Federal em quase todos os países do mundo seria punido como terrorismo, mas em terras brasileiras não é bem assim, já que não há previsão legal para o terrorismo político e ideológico e, em matéria penal, é proibida a analogia “in malam partem”.
Parece piada pronta, mas só haverá terrorismo se os atos forem praticados por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Como dito, se cometidos por razões políticas ou ideológicas, não se pode configurar o crime de terrorismo por ausência de previsão legal.
Aquele triste e antidemocrático ato configura crime de explosão e incêndio, todos previstos no Código Penal, mas não terrorismo.
Não vejo o atentado como crime de abolição violenta do estado democrático e nem de golpe de estado, por não ter a conduta a potencialidade de impedir ou restringir o funcionamento de um dos Poderes da República e nem de depor o governo legitimamente constituído (acerca destes delitos, vide: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/afinal-o-que-sao-os-tais-crimes-contra-o-estado-democratico-tao-citados-e-aplicados-na-atualidade/1739131140 ).
Por outro lado, para que o autor pudesse ser considerado terrorista, se houvesse a previsão para o terrorismo político ou ideológico, haveria necessidade de, ao causar a explosão e incendiar o veículo, tivesse a intenção de provocar terror social ou generalizado (elemento subjetivo do tipo específico).
Com efeito, se sua intenção não fosse essa, poderia ser acusado de outro crime, mas não de ato terrorista.
O direito penal pune a pessoa a depender de sua intenção e não apenas do resultado naturalístico produzido. Sempre, ao se analisar a conduta, deve-se indagar qual a intenção do agente ao causar o resultado com sua ação ou permitir sua produção com a inação (omissão).
É o que diz a teoria finalista da ação adotada pelo Código Penal brasileiro.
Essa teoria foi criada por Hans Welzel, na Alemanha, nos idos de 1931. Para essa teoria, a conduta é uma atividade final humana. Toda ação visa a um determinado resultado. O que importa é o fim a que se destinou a ação ou a omissão e o desvalor destas e não o resultado.
A teoria finalista da ação parte do pressuposto de que toda conduta humana tem um fim. Não se concebe uma ação sem finalidade. Quando o ser humano age ele sabe o que está fazendo e qual será a consequência da sua conduta. Não se pode analisar e valorar apenas o resultado para mensurar a sua gravidade.
E, ao que tudo indica, a intenção dele era realmente causar terror, mas ainda depende de investigação.
Há em tramitação no Congresso Nacional alguns projetos de lei para incluir o terrorismo político e ideológico como conduta criminosa. Eu mesmo redigi um e encaminhei para um Deputado Federal para apresentação. De acordo com o proposto, a redação ficaria assim:
“PROJETO DE LEI Nº
Dá nova redação ao artigo 2º, “caput”, da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, e revoga o seu § 2º, para acrescentar as razões políticas e de ideologia como elementos do crime de terrorismo.
Art. 1º. O artigo 2º da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões políticas, de ideologia, de xenofobia, de discriminação ou de preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública (NR).
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§ 2º - (revogado)
Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, ...”
As alterações propostas de nada afetariam os movimentos sociais, desde que não haja a finalidade de provocar terror social ou generalizado, colocando em risco de dano pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
O que não é possível é permitir que condutas praticadas a pretexto de conterem reivindicações políticas, ideológicas ou sociais coloquem em risco a vida, patrimônio, paz e incolumidade pública, causando abalo social e na própria estrutura da República.
Com efeito, infelizmente, pelo nosso sistema penal, não há dispositivo que possa ser aplicado a situações análogas ao atentado a bomba ocorrido em Brasília, demandando urgente alteração legislativa para punir exemplarmente condutas como aquela, que é, sem nenhuma dúvida, classificada como terrorismo em quase todos os locais do mundo, mas não pode ser punida como tal pela legislação penal brasileira em vigor.