As eleições são o principal argumento que diferencia um regime democrático dos demais. Porém, não basta a realização de eleições; é necessário que elas sejam livres, igualitárias, inclusivas, competitivas e decisivas, com o objetivo de fortalecer e tornar o processo eleitoral transparente.
O sufrágio é livre quando os eleitores têm suas escolhas políticas e partidárias respeitadas, sem medo de sofrer algum tipo de repressão ou de serem constrangidos por outros eleitores, líderes partidários ou políticos. Além disso, é necessário resguardar o direito de manifestar suas pretensões e posições políticas.
Considera-se igualitário quando todos os votos são computados de forma igual e sem a possibilidade de fraudes. Esse critério leva em conta o princípio de que todos somos iguais perante a lei, independentemente de idade, raça, cor, orientação sexual, religião, condição econômica ou preferência política. A partir do critério da igualdade, podemos pensar no princípio das eleições inclusivas, em que todos os cidadãos devem ter o direito de votar, de se candidatar a cargos eletivos, de ter assegurada a liberdade de expressão e de organização, além de ter garantidos outros direitos e oportunidades pela Constituição.
É competitivo quando o eleitor tem a oportunidade de votar ou não nos candidatos que estão concorrendo a cargos políticos, bem como a opção de votar em branco ou nulo, caso deseje, manifestando suas preferências ou insatisfação com o cenário político e as opções de candidatos apresentados. Nesse sentido, a competitividade nas eleições beneficia o eleitor, ao lhe oferecer várias alternativas de voto.
Por último, o pleito é considerado democrático quando é decisivo em vários aspectos. Primeiro, os vencedores devem assumir os cargos governamentais para os quais foram eleitos. Segundo, os governantes devem tomar decisões com base nos cargos para os quais foram empossados. Terceiro, os funcionários eleitos devem concluir seus mandatos dentro do prazo estabelecido, sem possibilidade de interrupção. Ou seja, em um regime democrático, não há espaço para atos golpistas ou atentados contra os direitos políticos dos cidadãos. Em certa medida, a democracia trabalha com o princípio da organização, levando em consideração os prazos, as regras e as leis que definem o modus operandi das instituições e a forma como os cidadãos devem se comportar em sociedade. No caso de funcionários eleitos para determinados cargos políticos, a premissa é que seus direitos sejam resguardados, desde o direito de se candidatar até o de finalizar seu mandato, caso sejam eleitos.
Em uma democracia consolidada, esses princípios são vistos como um dos seus principais alicerces e, portanto, qualquer tentativa de infringir esses direitos seria motivo para punições severas.
Mas será que, no Brasil, esses direitos têm sido garantidos em sua totalidade?
A verdade é que nossa realidade não é nada animadora. Basta olharmos o crescente índice de violência política no país. Dados do Varieties of Democracy (V-Dem) mostram que, desde 1900, o país segue uma linha crescente de atos relacionados à agressão política e, mesmo em períodos democráticos, esse problema ainda está longe de ser superado. Pelo contrário, os casos de violência política vêm crescendo assustadoramente desde 2010, alcançando patamares extremamente preocupantes em 2021. Segundo o V-Dem, em 2021, o Brasil registrou um total de 3.848 casos, números maiores do que no período entre 1964 e 1970 (anos em que o Brasil vivia sob o regime militar). Nesse quesito, fica evidente que estamos regredindo em termos de direitos políticos.
A violência política fere, de uma só vez, todos os direitos políticos garantidos constitucionalmente. Ela ocorre, na maioria das vezes, pelo fato de determinados eleitores ou políticos não concordarem ou acreditarem que o pensamento e a opção do outro não têm espaço no cenário político-eleitoral. Entretanto, devemos entender que a democracia prevê a pluralidade de ideias, pensamentos, opiniões e o direito à liberdade de expressão.
Porém, lamentavelmente, parece que muitos brasileiros estão longe de entender o real significado da palavra democracia, preferindo flertar com comportamentos que beiram o autoritarismo.
Mas, quem se beneficia com o aumento da violência política?
Esse sentimento de disputa por territórios eleitorais, em que apenas minhas ideias têm espaço em detrimento das demais, tem sido fortalecido, tanto no cenário nacional quanto no local. Não estou dizendo que determinadas figuras políticas incentivam diretamente a prática do crime político, mas a forma como se comportam e instruem seus eleitores tem gerado uma polarização agressiva.
Esses candidatos, em sua maioria, desfrutam da admiração de um grupo de pessoas. O rito parece o mesmo e sua construção sempre acontece antes, durante e depois do período eleitoral, sendo seu desfecho devastador. Trata-se de candidatos que apostam na ignorância política do eleitor, corrompendo-o intelectual e economicamente.
Quando, então, a violência política deixará de ser o calcanhar de Aquiles da democracia brasileira?
Uma das soluções (acredito que seja a principal) é educar politicamente a sociedade, mesmo que os resultados pareçam difíceis de alcançar. Uma sociedade com conhecimento sobre o funcionamento das instituições, as regras do jogo, a participação política, o controle social e institucional, bem como as atribuições e funções dos funcionários eleitos, dificilmente será influenciada por discursos antidemocráticos.
A esperança é que, um dia, teremos uma sociedade que sabe viver a pluralidade de ideias, o respeito ao próximo e livre do calcanhar de Aquiles.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica