Quando, no ano de 1992, Mark Weiser publicou seu artigo sobre como seriam os computadores no século 21, e descreveu que estaríamos cercados de dispositivos eletrônicos conectados uns aos outros que facilitariam nossa vida de formas ainda inimagináveis, pensou-se que ele era um sonhador, e que essa tecnologia só existiria no papel.
De fato, a mudança foi muito maior do que a esperada. A revolução tecnológica chegou para destruir conceitos estabelecidos há anos e apresentar novas formas de interação entre os seres humanos as quais, até então, sequer imaginava-se existirem.
Cabe ao direito, portanto, regular este relacionamento social, não para conter a tecnologia, mas para permitir o desenvolvimento sustentável, limitando a prática de ilícitos e minimizando os riscos oriundos da disrupção.
Nesse contexto é que a questão dos aplicativos de locação por meio eletrônico, chegou ao judiciário.
No início era uma tecnologia disruptiva que permitia ao cidadão comum dar uma utilidade econômica para um imóvel seu desocupado, sem gastar tempo ou dinheiro para realizar uma investigação do locatário, pois a ferramenta já entrega um relatório ao proprietário que irá decidir se quer ou não alugar para aquela pessoa.
Inovador e revolucionário. No entanto, atualmente estão em trâmite no judiciário brasileiro centenas de ações judiciais relacionadas à proibição da locação por temporada realizada em condomínios residenciais através das plataformas digitais.
Embora a locação de curta temporada não seja uma novidade, pois comumente utilizada nas regiões turísticas do país, a crítica se deu pela resistência à mudança no intermediador do negócio. Se antes essa operação era formalizada por um longo e complexo procedimento que exigia a participação de uma série de intermediários, passou a ser realizada de forma prática, por meio de poucas interações entre a ferramenta e seu usuário.
Os condomínios e muitos intermediadores destas relações passaram a bombardear estas ferramentas de críticas e argumentos diversos, como por exemplo: que não é seguro, que desvirtua a natureza residencial do condomínio, que se trata de uma relação de hospedaria, etc.
Sob esses argumentos, muitos condomínios residenciais, inclusive, tentam impor uma proibição, arbitrária, desrespeitando o Direito Constitucional de Propriedade.
A locação para residência, ainda que temporária, é permitida por lei e não compromete a finalidade residencial do imóvel, pois o que determina a classificação como residencial ou comercial é o uso do imóvel e não se a locação foi realizada por aplicativo ou outro mecanismo.
Se a Lei de Locações traz a possibilidade de locação por temporada, não há sentido em tentar interpretar de outra forma, somente por um apelo apoiado em tradições incompatíveis com a realidade. A forma como o locatário localiza um imóvel não é suficiente para modificar a natureza da relação entre as partes.
Ainda, o Direito de Propriedade é consagrado na Constituição Federal, e confere ao proprietário direitos sobre o seu bem, desde que respeitada a função social da propriedade e que não atrapalhe o direito de terceiros. Assim, restringir o direito de propriedade requer comprovação dos prejuízos à coletividade. Presumir que o inquilino que realizou a locação por curto prazo "coloca em risco a segurança do condomínio", é no mínimo, leviano.
Claro que o mal uso da propriedade ofende direito individual, decorrente da vizinhança, mas os problemas condominiais não são exclusivos de unidades locadas por temporada, sendo certo que proprietários e locadores de longos períodos também violam normas de segurança condominial, e o condomínio, por sua vez, possui meios para punir os responsáveis quando necessário, seja qual for a relação que aquele indivíduo tem com o imóvel (proprietário ou inquilino).
Outro ponto a ser abordado, diz respeito a alegada informalidade na locação, que aproximaria esta ferramenta ao serviço de hospedagem. Muito pelo contrário! Certamente aqueles que se utilizam deste argumento, ou não conhecem a ferramenta, ou não conhecem como funciona uma hospedagem. A maioria dos aplicativos de locação de imóveis por temporada possuem ferramentas rigorosas para verificação da identidade de seus usuários, além de permitir a avaliação mútua entre as partes - proprietário e inquilino, proporcionando um ambiente profícuo para a confiança, priorizando sobretudo a segurança, o respeito e a honestidade entre seus usuários.
Além disso, estes aplicativos geralmente oferecem gratuitamente aos seus usuários, um seguro contra danos em montante suficiente para cobrir os danos causados. E diferentemente do que ocorre em hotéis ou estruturas assemelhadas, o acesso ao imóvel não é público e disponível aos passantes, mas absolutamente privado, no qual somente pessoas autorizadas e previamente identificadas estão autorizadas a ingressar.
Além disso, o controle de acesso ao condomínio é atividade comum e inevitável da dinâmica dos condomínios, não alterando a dinâmica dos funcionários da portaria do condomínio.
Alguns condomínios optam por deliberar em assembleia a proibição do uso dos aplicativos, restringindo um direito reconhecido pela Constituição Federal, de modo arbitrário e sem a devida discussão, o que vem sendo reformado pelos tribunais.
Neste contexto, devido aos mitos propagados por quem desconhece o funcionamento destas ferramentas, muito se perde, pois neste momento deveríamos estar discutindo as regras necessárias para a boa convivência de todos os usuários de modo harmonioso com as ferramentas digitais.
Enquanto não há jurisprudência pacificada e legislação específica sobre o tema, os proprietários que se sentirem lesados pela proibição arbitrária imposta pelo condomínio, poderão recorrer ao judiciário, visando assegurar seu direito, no que concerne ao uso, fruição e à disposição do imóvel.
*Gisleni Valente e Raphael Valentim são associados do Zilveti Advogados