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Opinião|O instituto da colaboração premiada


Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:

O instituto da colaboração premiada, também conhecido como delação premiada, foi amplamente empregado na Operação Lava-jato e se mostrou fator decisivo para a apuração do esquema criminoso, que lesou a Petrobrás e tanto prejuízo trouxe para o país.

No entanto, algumas questões foram levantadas, notadamente quanto a possibilidade de pressão sobre os colaboradores, além de questões éticas.

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Recentemente, houve sensível alteração em suas regras pela Lei nº 13.964/2019, que teve o escopo de limitar seu alcance e, ainda, reduzir eventual coerção dos órgãos da persecução penal sobre o provável colaborador.

É certo que sem esse eficiente método de investigação e de produção de provas inúmeros crimes cometidos por organizações criminosas dificilmente serão esclarecidos, posto que a obtenção de prova direta, como testemunhas e documentos, é extremamente difícil, senão impossível em alguns casos. Só com a indicação pelo colaborador de provas a serem perseguidas é que será possível o esclarecimento dos fatos e a punição de crimes cometidos pela organização criminosa, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros de especial gravidade.

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E no que consiste este instituto e quais são as suas regras atuais?

Colaboração premiada consiste no benefício concedido ao autor de um delito que colabora voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Nossa legislação prevê várias formas de colaboração ou delação premiada.

Esse eficiente método de obtenção de prova já é aplicado na grande maioria dos países democráticos, mas apenas recentemente passou a figurar em nosso sistema legal. O método é eficaz notadamente na apuração de crimes cometidos em organização ou associação criminosa, pois envolve, na maioria das vezes, número considerável de pessoas.

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O crime organizado é um fenômeno mundial e transcende as fronteiras internacionais. Bilhões de dólares frutos dos mais variados crimes são movimentados anualmente por meio de transferências eletrônicas ou “doleiros”, que levam os valores pessoalmente através dos países.

É impossível combater eficazmente o crime organizado sem instrumentos modernos de investigação.

A ideia é muito simples: são oferecidas vantagens processuais a uma pessoa investigada ou acusada da prática de crime em troca de informações que levem aos demais integrantes da organização ou associação criminosa, esclarecimentos de crimes, recuperação de bens e valores, prevenção de novas infrações penais e localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Ao colaborador poderá o juiz, homologado o acordo, conceder vários benefícios legais.

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Para que seja possível essa barganha ao menos um dos integrantes deve ser identificado. Além disso, as provas a ele apresentadas devem ser substanciais de modo que haja chance real ou mesmo a certeza da condenação a severas sanções. Sem isso, não haverá estímulo para o acordo.

Percebe-se, assim, que o trabalho de investigação deve ser eficiente não apenas para identificar um dos autores do (s) crime (s), mas também para angariar provas convincentes para a elaboração do acordo de colaboração premiada.

Uma das formas de delação premiada ou colaboração encontra-se prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990, que determina a diminuição de um a dois terços da pena para o participante ou associado que delatar a quadrilha ou bando à autoridade (Juiz, Promotor, Delegado etc.) e possibilitar seu desmantelamento.

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O benefício alcança a quadrilha ou bando formada para a prática de crimes hediondos ou equiparados, haja vista que é previsto na Lei dos Crimes Hediondos. Incide sobre o crime de quadrilha ou bando e não nos por ela praticados. Aproveita ao denunciante e há necessidade do efetivo desmantelamento da quadrilha ou bando. O quantum da diminuição da pena varia de acordo com a maior ou menor contribuição causal do agente para o desmantelamento da quadrilha ou bando.

Mesmo com a nova redação dada ao art. 288 do Código Penal, continua sendo possível a delação premiada prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990. Isso porque, muito embora o dispositivo se refira a “bando ou quadrilha”, não se trata de norma penal incriminadora, sendo possível a aplicação da analogia “in bonam partem”; no entanto, a associação criminosa deverá ser composta por mais de três pessoas, que é o número mínimo exigido para a formação de quadrilha ou bando.

A Lei de Combate às Organizações Criminosas, Lei 12.850, de 02.08.2013, permite ao juiz, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

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Para tanto, a colaboração deverá levar a um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade corporal preservada.

O Ministério Público também poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa, for o primeiro a prestar efetiva colaboração e a infração não for do seu conhecimento, nos termos do art. 4º, § 4º, da aludida lei

A concessão do benefício levará em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

O membro do Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Parquet, tendo em vista a relevância da colaboração prestada, poderão requerer ou representar ao Magistrado pela concessão do perdão judicial, ainda que o benefício não tenha sido pactuado originalmente, aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, no caso de discordância do juízo (art. 4º, § 2º). Situação que não raras vezes ocorre, diante de colaboração maior do que a esperada originariamente. Por isso, a ampliação do benefício.

Sendo a colaboração posterior à prolação da sentença condenatória, a pena a ser cumprida poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). No entanto, para a progressão de regime, o mérito deverá estar presente, não bastando o preenchimento dos requisitos objetivos.

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no art. 1º, § 5º, dispõe que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Alcança apenas os crimes previstos na aludida lei. O juiz, para a aferição do benefício a ser concedido, deverá atentar para as circunstâncias do caso concreto, mormente quanto à maior ou menor contribuição do agente.

A Lei 9.807/1999, que trata do programa de proteção às vítimas e testemunhas, instituiu a delação ou colaboração premiada como forma de perdão judicial (art. 13) e como causa de diminuição de pena (art. 14).

De acordo com o art. 13, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Com efeito, presentes os requisitos exigidos pela norma, o acusado tem o direito subjetivo ao benefício, independentemente do crime praticado, exceto se o delito estiver previsto em lei que contiver dispositivo específico sobre a delação ou colaboração premiada, que será aplicado.

Já o art. 14 dispõe que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de um a dois terços. Quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa. É causa obrigatória de diminuição de pena e atinge os delitos que não prevejam norma especial sobre o assunto. Com efeito, aquele que não obtiver o perdão judicial por faltarem os requisitos legais previstos no art. 13 poderá ser beneficiado pelo dispositivo em questão (art. 14), desde que presentes os requisitos exigidos.

De forma parecida, o art. 41 da Lei de Drogas prevê a possibilidade do benefício para o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do delito e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Para esta pessoa, no caso de condenação, haverá a redução da pena de um a dois terços.

A norma estabelece dois requisitos para a redução da pena:

1º) colaboração voluntária; e

2º) eficiência, consubstanciada na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do delito.

Os requisitos são cumulativos. Assim, ausente qualquer um deles, o benefício não poderá ser concedido.

Note-se que a colaboração não necessita ser espontânea, contentando-se a norma com a sua voluntariedade. Assim, mesmo que a ideia de colaborar parta de outra pessoa, ou mesmo de pedido ou sugestão da autoridade, poderá o colaborador ser merecedor do benefício.

Também há necessidade de que a colaboração leve ao esclarecimento dos demais participantes do crime e, havendo produto, que ele seja recuperado, mesmo que parcialmente.

No que tange ao produto, há de ser interpretado em seu sentido amplo, englobando o proveito do crime. Assim, não só a droga (produto direto ou instrumento do crime, dependendo da hipótese), mas também o indireto, chamado de proveito pela maioria da doutrina, que, no caso, é a vantagem auferida pelo sujeito ou por terceiros com a prática do delito.

A colaboração deverá perdurar desde o início das investigações policiais até o fim do processo. Caso o indiciado ou acusado aja de má-fé e deixe de colaborar, o benefício não será concedido. Somente será o caso de aplicar a redução da pena quando a colaboração for eficaz e realmente ajudar nas investigações e no processo.

Mesmo que a colaboração se inicie no decorrer do processo, mas seja eficiente e leve à identificação dos demais participantes e na recuperação do produto do crime (quando houver), embora parcialmente, poderá o Magistrado reduzir a pena do colaborador no caso de condenação. O que não se faz possível é haver o início da colaboração e posterior retratação, o que denota má-fé e impede a concessão do benefício, no caso de condenação. Aliás, não há previsão na Lei de Drogas para a delação premiada após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Como parâmetro para a redução da pena o Magistrado deverá levar em consideração a eficiência e presteza na colaboração. Assim, quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa.

O redutor é aplicável aos crimes relacionados a drogas e descritos na respectiva lei, e se trata de causa obrigatória de diminuição de pena quando presentes seus requisitos, não ficando, assim, a critério do juiz sua aplicação ou não.

Para complementar todas estas leis especiais devem ser aplicadas subsidiariamente as regras dos arts. 3º-A a 7º da Lei 12.850/2013.

A colaboração premiada é negócio jurídico processual, ou seja, de acordo, além de meio de obtenção de prova, que para sua celebração exige utilidade e interesse públicos (art. 3º-A, da Lei nº 12.850/2013).

Uma das regras que deve ser observada pelas partes envolvidas é a confidencialidade, que deve vigorar desde o recebimento da proposta para a formalização do acordo, que constitui o marco do início das negociações, até o levantamento do sigilo mediante decisão judicial. A divulgação das tratativas iniciais ou de documentos que formalizem a proposta constitui violação do sigilo, além de quebra de confiança e da boa-fé (art. 3º-B, “caput”, da Lei 12.850/2013).

A proposta para a celebração do acordo de colaboração premiada pode ser indeferida de plano, desde que devidamente justificadas as razões que levaram ao ato, cientificando-se o interessado (art. 3º-B, § 1º). Como se trata de negócio jurídico, nenhuma das partes envolvidas pode ser obrigada a realizá-lo, não se tratando de direito público subjetivo do acusado ou investigado. Assim, não sendo conveniente ou ausente interesse público, o órgão da persecução penal legitimado para o acordo pode deixar de realizá-lo.

Não sendo indeferida sumariamente a proposta, as partes firmarão termo de confidencialidade para que prossigam as tratativas. O termo devidamente assinado pelas partes vincula os órgãos envolvidos na negociação, impedindo posterior indeferimento sem que ocorra justa causa (art. 3º-B, § 2º).

O recebimento da proposta para o acordo para análise ou a assinatura do termo de confidencialidade não implica suspensão das investigações, que prosseguirão normalmente. No entanto, pode ser acordado o contrário no que concerne à propositura de medidas cautelares e assecuratórias, no âmbito penal ou civil (art. 3º-B, § 3º).

Pode ser que haja necessidade de identificação ou complementação do objeto do acordo, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade ou interesse público, ou seja, de complementação dos elementos de prova trazidos pelo colaborador de modo a ser possível aos órgãos envolvidos na negociação terem a visão necessária para que o acordo possa, ou não, ser celebrado. Neste caso, será necessária a realização de instrução prévia (art. 3º-B, § 4º).

Os termos de recebimento da proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e assinados por ele e pelo colaborador, seu advogado ou por defensor público com poderes específicos (art. 3º-B, § 5º).

Não ocorrendo a celebração do acordo por iniciativa do celebrante, não poderá o órgão se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, que tenha agido de boa-fé, para qualquer outra finalidade (art. 3º-B, § 6º). Contrário senso, tendo o colaborador agido de má-fé, é possível o emprego das provas em seu desfavor e de outras pessoas envolvidas nos fatos em investigação.

Para a formalização da proposta de acordo de colaboração o advogado ou defensor público deverá instrui-la com procuração com poderes específicos. Sem ela, não podem ser iniciadas as tratativas. Também pode a proposta ser firmada pessoalmente pelo colaborador, seu advogado ou defensor público (art. 3º-C, da Lei 12.850/2013).

A presença do advogado do colaborador, ou na sua ausência de defensor público, é imprescindível para a tratativa da colaboração. Sem esses profissionais não é possível sequer o início dos acertos para o acordo (art. 3º-C, § 1º).

Havendo conflito de interesses, ou sendo o colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a presença de outro advogado ou a participação de defensor público (art. 3º-C, § 2º).

O colaborador deverá narrar no acordo todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que possuam relação direta com os fatos investigados (art. 3º-C, § 3º). Pode parecer, à primeira vista, que o presente dispositivo restringe sobremaneira o universo dos fatos que serão narrados pelo colaborador, de modo que outros fatos de seu conhecimento, mesmo que constituam infração penal, mas sem relação direta com os investigados, não poderão fazer parte do acordo. Se assim entendermos, cuidar-se-ia de norma que tem o claro propósito de restringir a colheita de provas que poderão trazer a lume outros crimes cometidos e seus participantes. Assim, v.g., o membro de comissão de licitação que celebrasse acordo para apuração de fraude em determinado procedimento licitatório, mesmo que tivesse conhecimento de outros crimes cometidos em licitações distintas sem a sua participação, não poderia fazer constar do acordo essas informações desconhecidas dos órgãos responsáveis pela persecução penal. Esse dispositivo impossibilitaria que a Operação Lava-jato tivesse esclarecido inúmeros delitos narrados pelos colaboradores sem relação direta com os fatos apurados que deram ensejo ao acordo de colaboração premiada. Interpretado dessa forma, infelizmente, o dispositivo obstará a apuração de gama enorme de delitos em prejuízo de toda a sociedade, beneficiando, por outro lado, os criminosos em geral, notadamente os do colarinho branco.

Não nos parece essa a melhor interpretação, que é sem sentido e lógica. Não há como impedir aquele que detém conhecimento de outros ilícitos de trazê-los ao conhecimento dos órgãos da persecução penal, impedindo sua apuração. O colaborador poderia ser testemunha desses fatos, mas não seria possível fazer constar do seu termo de colaboração. Não há o menor sentido nesta interpretação.

Preferimos interpretar a norma no sentido de que ela apenas determina que é obrigação do colaborador narrar no acordo todos os fatos ilícitos que praticou ou concorreu para sua prática e que possuam relação direta com os fatos investigados, mas nada impede que também revele

É da defesa a incumbência de instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos devidamente descritos, com todas suas circunstâncias, indicando as provas existentes e os elementos que as possam confirmar. Não basta, assim, apenas narrar os fatos, devendo ser apresentadas provas que os confirme ou ao menos indique como e onde podem ser obtidas. Por isso, a proposta deve ser muito bem esmiuçada e instruída com anexos para a melhor compreensão e demonstração dos fatos.

O acordo de colaboração premiada poderá ser negociado entre o Delegado de Polícia responsável pelas investigações, o investigado e o Defensor, com manifestação do Ministério Público, ou entre o Ministério Público, o investigado e seu Defensor (art. 4º, § 6º).

Deve ser observado que não é possível a homologação do acordo de colaboração sem a aquiescência do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública. Assim, mesmo que seja realizado o acordo entre o Delegado de Polícia e o investigado e seu Defensor, não havendo a concordância do Ministério Público, a colaboração não poderá ser homologada. Cabe ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a análise da necessidade e adequação da medida. Nesse caso, entendendo pertinente, caberá ao Magistrado valer-se analogicamente do art. 28 do Código de Processo Penal, sendo dirimida a questão no âmbito do próprio Ministério Público.

Porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu contrariamente ao que defendemos. Para o Pretório Excelso, o Delegado de Polícia pode realizar o acordo de colaboração premiada, mesmo sem a anuência do Ministério Público, mas a escolha e dosagem da sanção premial a ser aplicada caberá ao Juiz de Direito. Ou seja, mesmo que o acordo preveja as sanções premiais, a palavra final será do Poder Judiciário, que poderá acolhê-las ou não, aplicando as que lhe parecerem mais adequadas ao caso concreto (STF – ADI 5508/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio, m.v. – j. em 20.06.2018).

O acordo de colaboração premiada realizado pelo Delegado de Polícia sem o parecer favorável do Ministério Público, na prática, poderá trazer consequências jurídicas desfavoráveis para o acusado, uma vez que o Parquet continua a ser o titular da ação penal pública por mandamento constitucional e, igualmente, possui independência funcional, podendo pugnar a aplicação de outras sanções premiais, recorrer das que discordar ou, ainda, promover o arquivamento do inquérito policial, quando ausentes os elementos necessários para a deflagração penal, acarretando, com isso, grave insegurança jurídica, a recomendar à defesa não realizar o acordo sem a anuência do Membro do Ministério Público oficiante.

Pode o Ministério Público, nas hipóteses previstas no “caput” do art. 4º, da Lei nº 12.850/2013, deixar de oferecer denúncia, desde que a proposta de acordo de colaboração se referir a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento, o colaborador não for o líder da organização criminosa e tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos previstos no dispositivo (art. 4º, § 4º).

É considerado como conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial já tiver instaurado procedimento investigatório ou inquérito policial para a apuração dos fatos narrados pelo colaborador (art. 4º, § 4º-A).

Cuida-se, à evidência, de mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Poderá o Membro do Ministério Público, ao analisar a necessidade e adequação da medida, deixar de promover a ação penal pública em face de alguém que admitiu a prática de infração penal. Isso para que possa obter provas que levem ao desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos demais integrantes, recuperação do produto e proveito dos delitos, ou até mesmo a localização de eventual vítima que esteja privada indevidamente de sua liberdade de locomoção, como ocorre no crime de extorsão mediante sequestro.

O Membro do Ministério Público, ao procurar obter um bem maior, “abre mão” de um menor, qual seja, de processar um dos integrantes da organização criminosa. Faz uma escolha, que deve ser sensata: deixa de obter a condenação de uma pessoa, para tentar conseguir a condenação de outras e, com isso, obter resultado mais útil e proveitoso para toda sociedade.

Como um criminoso será beneficiado com a não propositura da ação penal, o acordo de colaboração deve ser necessário e adequado. Será necessário quando não for possível conseguir as provas de outra maneira. E adequado por propiciar a obtenção do resultado almejado.

A lei estipulou os critérios para essa modalidade de colaboração, que devem coexistir: 1) o colaborador não pode ser o líder da organização criminosa; 2) e deve ser o primeiro a colaborar efetiva e eficazmente, ou seja, de modo que advenham os efeitos previstos na lei (identificação dos demais integrantes, recuperação dos bens etc.); 3) infração desconhecida pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária.

O Magistrado não participará das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, a fim de não ser comprometida sua imparcialidade. Mas, para que a colaboração possa produzir seus efeitos jurídicos, deverá ser homologada pelo Poder Judiciário (art. 4º, §§ 6º e 7º).

E o Magistrado, no caso de não oferecimento da denúncia, pode se negar a homologar o acordo em homenagem ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?

Entendemos que não. O princípio da obrigatoriedade, como já ocorria na Lei dos Juizados Especiais ao propiciar a transação penal, foi mitigado. Ao analisar a necessidade e adequação da medida, pode o Membro do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia. Caberá ao Magistrado apenas a análise da regularidade, legalidade e voluntariedade da medida. Não lhe é possível avaliar o mérito do acordo, mas apenas se as normas legais que o permeiam foram observadas.

Para o combate ao crime organizado houve necessidade de alterar dogmas até então reinantes em nosso sistema jurídico. O Membro do Ministério Público deve avaliar a necessidade de realização do acordo de colaboração com criminosos para que lhe seja possível apurar outros crimes, identificar demais participantes, recuperar proveito e produto de infrações penais, tudo de modo a desmantelar organizações criminosas, punir seus integrantes e prevenir novas infrações.

Por isso, em determinadas situações, é possível até mesmo deixar de processar um dos integrantes da organização criminosa, o que, antes da publicação da Lei 12.850/2013, era impensado em razão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, o prazo para oferecimento da denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, com a suspensão do respectivo prazo prescricional (art. 4º, § 3º).

Muito embora a colaboração premiada isoladamente não possa ensejar um édito condenatório, por meio dela podem ser obtidas outras provas, que a corroborarão ou não. Além de não poder levar à condenação quando for a única prova produzida a incriminar o delatado, a delação premiada também não poderá ser empregada para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais ou para o recebimento da denúncia (art. 4º, § 16). Com efeito, as declarações do delator isoladamente não podem levar à decretação de nenhuma medida restritiva a direitos do delatado.

O acordo de colaboração premiada somente surtirá efeitos se for homologado judicialmente. Para tanto, o respectivo termo, instruído com as declarações do colaborador e cópia da investigação, será encaminhado ao Magistrado competente, que analisará sua regularidade, legalidade e voluntariedade, devendo, inclusive, ouvir sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor, a fim de verificar se o acordo foi realizado de forma voluntária. Também deverá ser verificado pelo Magistrado a adequação dos benefícios às hipóteses previstas no “caput” e nos §§ 4º e 5º do art. 4º. São nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena previsto no art. 33 do CP, suas regras e os requisitos para a progressão de regime não abrangidos pelo § 5º do mesmo dispositivo. Por fim, incumbe ao Magistrado analisar a adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do “caput” do art. 4º (art. 4º, § 7º).

Antes de conceder os benefícios acordados, a autoridade judiciária responsável pela homologação do acordo deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas da aplicação da pena, a fim de ser verificada previamente a viabilidade das medidas a serem adotadas. Excetua-se a essa regra quando no acordo for previsto o não oferecimento da denúncia ou se a sentença já houver sido prolatada (art. 4º, § 7º-A).

São nulas as previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória (art. 4º, § 7º-B).

Não atendidos os requisitos legais, o Magistrado poderá recusar a homologação, devolvendo o termo do acordo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias (art. 4º, § 8º).

Caberá o acordo até mesmo após a sentença condenatória, mas, nesse caso, o Magistrado apenas poderá reduzir a pena até a metade ou determinar a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). Nesse último caso, os requisitos subjetivos, que dizem respeito ao mérito, devem ser preenchidos. Isso porque a norma apenas antecipou o prazo para a promoção de regime. Não é razoável interpretá-la no sentido de ser autorizada a progressão sem nenhum critério, colocando em risco a sociedade ao inserir no regime semiaberto ou aberto aquele que não se encontra em condições de retornar ao convívio social por ainda ser perigoso ou não ter absorvido a terapêutica penal. Assim, somente aquele que se mostrar merecedor é que poderá ser progredido de regime prisional, cabendo ao magistrado das execuções penais essa análise e não ao juiz da instrução, que não é competente para decidir questões afetas à execução da pena. Dessa forma, o juiz da instrução por onde tramitou o processo é o competente para celebrar o acordo após o trânsito em julgado da condenação, determinando a redução da pena ou a progressão de regime, mediante a antecipação do lapso para o benefício; porém, o mérito para a progressão será analisado pelo juiz das execuções penais, que poderá indeferi-la no caso de sua ausência. Não vemos como o juiz das execuções penais ser o responsável pela homologação desse acordo por faltar-lhe competência, inclusive por sua rescisão ou retratação, além de não ter conhecimento do processo original e não atuar nas posteriores investigações ou processos resultantes da colaboração.

Homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre na presença de seu defensor, ser ouvido pelo Membro do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia responsável pelas investigações (art. 4º, § 9º). Essa é a finalidade do acordo de colaboração premiada, ou seja, a busca de provas para o desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos seus demais integrantes, recuperação do produto ou proveito do delito e até mesmo a libertação de eventual sequestrado.

O Magistrado poderá ouvir o colaborador, a requerimento das partes ou por iniciativa da Autoridade Policial, ainda que tenha sido beneficiado com perdão judicial ou não denunciado (art. 4º, § 12). Assim, a qualquer momento, sendo necessário para esclarecimentos de fatos apurados em processo judicial, será possível a oitiva do colaborador.

Nos depoimentos prestados perante o Magistrado, Membro do Ministério Público ou Autoridade Policial, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (art. 4º, § 14), o que permite seja processado por crime de falso testemunho previsto no art. 342 do Código Penal.

Para que a colaboração tenha maior peso na formação da convicção do Magistrado e denote sua voluntariedade, é recomendável, sempre que possível, seja o ato registrado por meio de recursos de gravação eletrônica. Porém, o registro das tratativas e dos atos de colaboração, além do registro por meio de gravação eletrônica, pode ser realizado por gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador (art. 4º, § 13). Com isso, todos os detalhes do depoimento poderão ser vistos e/ou ouvidos.

A fim de ser preservada a voluntariedade e legalidade da medida, o colaborador, em todos os atos de negociação e depoimentos que prestar, deverá ser acompanhado por seu Defensor (art. 4º, § 15).

Para a garantia do contraditório e da ampla defesa, deve ser permitido ao réu delatado em todas as fases do processo a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou (art. 4º, § 10-A).

É possível às partes se retratarem da proposta, ocasião em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser empregadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10). Isso pode ocorrer quando as partes se arrependem do acordado por algum motivo. Nesta hipótese, a prova colecionada produzida pelo colaborador poderá ser empregada contra outras pessoas, mas não contra ele. Como a colaboração é um ato jurídico bilateral, um acordo de vontades, é possível a retratação, que é ato lícito e, por isso, as provas trazidas pelo colaborador não podem prejudicá-lo, mas, certamente, podem sem empregadas em seu favor, vez que por ele produzidas.

Como a retratação implica arrependimento, é possível até a homologação judicial do acordo de colaboração premiada. Note-se, aliás, que a norma diz que as partes podem se retratar da proposta e não do acordo. Após essa fase, havendo descumprimento das obrigações estabelecidas no acordo, poderá ser requerida pelo Membro do Ministério Público sua rescisão, que será apreciada pelo Magistrado, após estabelecido o contraditório e a ampla defesa em procedimento próprio (art. 4º, § 17). Neste caso, demonstrada a omissão dolosa do colaborador sobre os fatos objetos da colaboração, além de possibilitar a rescisão do acordo, as provas produzidas poderão ser empregadas também em seu desfavor, uma vez que não se trata de retratação, mas de rescisão do pactuado pelo descumprimento das condições impostas. Não é dado ao colaborador se beneficiar da própria torpeza.

Também é pressuposto do acordo de colaboração que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração. Do contrário, o acordo poderá ser rescindido (art. 4º, § 18).

São direitos do colaborador (art. 5º): I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; VI – cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O termo de colaboração premiada será sempre redigido por escrito e deverá conter (art. 6º): I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

A medida será inicialmente sigilosa a fim de ser preservada a eficácia da investigação e a segurança do colaborar e de sua família. Para isso, o pedido de sua homologação será distribuído sigilosamente, contendo apenas dados e informações que não permitam a identificação do colaborador e o objeto da investigação. Todas as informações da colaboração deverão ser pormenorizadas e diretamente dirigidas ao juiz que recair a distribuição, que terá o prazo de 48 horas para proferir decisão. O acesso aos autos, por ser procedimento sigiloso, será restrito ao Magistrado, ao Membro do Ministério Público e ao Delegado de Polícia responsável pela investigação. O Defensor do colaborador, na defesa do seu representado, terá amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, sempre com autorização judicial. O Defensor, para que não seja comprometida a investigação, não terá acesso às diligências ainda em andamento. Recebida a denúncia ou a queixa-crime, em homenagem ao princípio da publicidade dos atos processuais, deve o Magistrado levantar o sigilo, observados os direitos do colaborador previstos no art. 5º, desde que não exista outro motivo para sua manutenção. Antes do recebimento da inicial acusatória é vedado ao Magistrado decidir pela publicidade dos termos do acordo e dos depoimentos do colaborador em qualquer hipótese (art. 7º).

Homologado judicialmente o acordo de colaboração premiada e cumpridos os seus termos não é possível ao Magistrado deixar de observá-lo por ocasião da prolação da sentença condenatória. Por isso, antes de homologar o acordo, deve o Magistrado atentar para que todos os requisitos legais sejam observados.

Entender que pode o Magistrado rever e alterar os termos do acordo já homologado judicialmente levará o instituto ao descrédito, uma vez que o investigado ou acusado não poderá confiar em seus termos, ocasionando insegurança jurídica. Justamente para que isso não ocorra é que a lei prevê a homologação judicial, ocasião na qual o acordo poderá ser rejeitado ou adequado pelo Juiz quando contiver vícios que o tornem legalmente inexequível. Aliás, antes de rejeitar a homologação do acordo, deve o Magistrado devolver o termo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias.

Da decisão que homologar o acordo ou rejeitar sua homologação em primeiro grau, cabe apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do Código de Processo Penal. Não é cabível o recurso em sentido estrito por não estar a hipótese expressamente elencada no art. 581 do Código de Processo Penal e nem há nos seus incisos situação semelhante àquela prevista no art. 4º, § 8º, da Lei nº 12.850/2013. Também não é possível a interposição de correição parcial, uma vez que a decisão não causa inversão tumultuária no processo. Assim, como a decisão tem força de definitiva, tanto que impede ou homologa o acordo, cabível se faz a apelação, como, aliás, já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto a hipótese de recusa da homologação ( REsp 1834215/RS, 6ª T., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, v.u., j. em 27.10.2015).

No caso de decisão monocrática do relator nos tribunais, o recurso cabível para essas hipóteses é o agravo interno, com fundamento no artigo 1021 do Código de Processo Civil.

As normas de direito material que cuidam da colaboração premiada em leis especiais devem ser observadas, aplicando-se a elas, quando omissas, as regras gerais processuais previstas na Lei nº 12.850/2013, que as regulamentarão nesse aspecto.

Como o instituto é relativamente novo em nosso país ainda trará algumas dúvidas de interpretação, mas nada que a jurisprudência não possa regulamentar à medida em que os casos forem levados ao Superior Tribunal de Justiça, responsável por sua uniformização no que é pertinente à legislação federal.

O instituto da colaboração premiada, também conhecido como delação premiada, foi amplamente empregado na Operação Lava-jato e se mostrou fator decisivo para a apuração do esquema criminoso, que lesou a Petrobrás e tanto prejuízo trouxe para o país.

No entanto, algumas questões foram levantadas, notadamente quanto a possibilidade de pressão sobre os colaboradores, além de questões éticas.

Recentemente, houve sensível alteração em suas regras pela Lei nº 13.964/2019, que teve o escopo de limitar seu alcance e, ainda, reduzir eventual coerção dos órgãos da persecução penal sobre o provável colaborador.

É certo que sem esse eficiente método de investigação e de produção de provas inúmeros crimes cometidos por organizações criminosas dificilmente serão esclarecidos, posto que a obtenção de prova direta, como testemunhas e documentos, é extremamente difícil, senão impossível em alguns casos. Só com a indicação pelo colaborador de provas a serem perseguidas é que será possível o esclarecimento dos fatos e a punição de crimes cometidos pela organização criminosa, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros de especial gravidade.

E no que consiste este instituto e quais são as suas regras atuais?

Colaboração premiada consiste no benefício concedido ao autor de um delito que colabora voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Nossa legislação prevê várias formas de colaboração ou delação premiada.

Esse eficiente método de obtenção de prova já é aplicado na grande maioria dos países democráticos, mas apenas recentemente passou a figurar em nosso sistema legal. O método é eficaz notadamente na apuração de crimes cometidos em organização ou associação criminosa, pois envolve, na maioria das vezes, número considerável de pessoas.

O crime organizado é um fenômeno mundial e transcende as fronteiras internacionais. Bilhões de dólares frutos dos mais variados crimes são movimentados anualmente por meio de transferências eletrônicas ou “doleiros”, que levam os valores pessoalmente através dos países.

É impossível combater eficazmente o crime organizado sem instrumentos modernos de investigação.

A ideia é muito simples: são oferecidas vantagens processuais a uma pessoa investigada ou acusada da prática de crime em troca de informações que levem aos demais integrantes da organização ou associação criminosa, esclarecimentos de crimes, recuperação de bens e valores, prevenção de novas infrações penais e localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Ao colaborador poderá o juiz, homologado o acordo, conceder vários benefícios legais.

Para que seja possível essa barganha ao menos um dos integrantes deve ser identificado. Além disso, as provas a ele apresentadas devem ser substanciais de modo que haja chance real ou mesmo a certeza da condenação a severas sanções. Sem isso, não haverá estímulo para o acordo.

Percebe-se, assim, que o trabalho de investigação deve ser eficiente não apenas para identificar um dos autores do (s) crime (s), mas também para angariar provas convincentes para a elaboração do acordo de colaboração premiada.

Uma das formas de delação premiada ou colaboração encontra-se prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990, que determina a diminuição de um a dois terços da pena para o participante ou associado que delatar a quadrilha ou bando à autoridade (Juiz, Promotor, Delegado etc.) e possibilitar seu desmantelamento.

O benefício alcança a quadrilha ou bando formada para a prática de crimes hediondos ou equiparados, haja vista que é previsto na Lei dos Crimes Hediondos. Incide sobre o crime de quadrilha ou bando e não nos por ela praticados. Aproveita ao denunciante e há necessidade do efetivo desmantelamento da quadrilha ou bando. O quantum da diminuição da pena varia de acordo com a maior ou menor contribuição causal do agente para o desmantelamento da quadrilha ou bando.

Mesmo com a nova redação dada ao art. 288 do Código Penal, continua sendo possível a delação premiada prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990. Isso porque, muito embora o dispositivo se refira a “bando ou quadrilha”, não se trata de norma penal incriminadora, sendo possível a aplicação da analogia “in bonam partem”; no entanto, a associação criminosa deverá ser composta por mais de três pessoas, que é o número mínimo exigido para a formação de quadrilha ou bando.

A Lei de Combate às Organizações Criminosas, Lei 12.850, de 02.08.2013, permite ao juiz, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Para tanto, a colaboração deverá levar a um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade corporal preservada.

O Ministério Público também poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa, for o primeiro a prestar efetiva colaboração e a infração não for do seu conhecimento, nos termos do art. 4º, § 4º, da aludida lei

A concessão do benefício levará em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

O membro do Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Parquet, tendo em vista a relevância da colaboração prestada, poderão requerer ou representar ao Magistrado pela concessão do perdão judicial, ainda que o benefício não tenha sido pactuado originalmente, aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, no caso de discordância do juízo (art. 4º, § 2º). Situação que não raras vezes ocorre, diante de colaboração maior do que a esperada originariamente. Por isso, a ampliação do benefício.

Sendo a colaboração posterior à prolação da sentença condenatória, a pena a ser cumprida poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). No entanto, para a progressão de regime, o mérito deverá estar presente, não bastando o preenchimento dos requisitos objetivos.

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no art. 1º, § 5º, dispõe que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Alcança apenas os crimes previstos na aludida lei. O juiz, para a aferição do benefício a ser concedido, deverá atentar para as circunstâncias do caso concreto, mormente quanto à maior ou menor contribuição do agente.

A Lei 9.807/1999, que trata do programa de proteção às vítimas e testemunhas, instituiu a delação ou colaboração premiada como forma de perdão judicial (art. 13) e como causa de diminuição de pena (art. 14).

De acordo com o art. 13, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Com efeito, presentes os requisitos exigidos pela norma, o acusado tem o direito subjetivo ao benefício, independentemente do crime praticado, exceto se o delito estiver previsto em lei que contiver dispositivo específico sobre a delação ou colaboração premiada, que será aplicado.

Já o art. 14 dispõe que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de um a dois terços. Quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa. É causa obrigatória de diminuição de pena e atinge os delitos que não prevejam norma especial sobre o assunto. Com efeito, aquele que não obtiver o perdão judicial por faltarem os requisitos legais previstos no art. 13 poderá ser beneficiado pelo dispositivo em questão (art. 14), desde que presentes os requisitos exigidos.

De forma parecida, o art. 41 da Lei de Drogas prevê a possibilidade do benefício para o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do delito e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Para esta pessoa, no caso de condenação, haverá a redução da pena de um a dois terços.

A norma estabelece dois requisitos para a redução da pena:

1º) colaboração voluntária; e

2º) eficiência, consubstanciada na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do delito.

Os requisitos são cumulativos. Assim, ausente qualquer um deles, o benefício não poderá ser concedido.

Note-se que a colaboração não necessita ser espontânea, contentando-se a norma com a sua voluntariedade. Assim, mesmo que a ideia de colaborar parta de outra pessoa, ou mesmo de pedido ou sugestão da autoridade, poderá o colaborador ser merecedor do benefício.

Também há necessidade de que a colaboração leve ao esclarecimento dos demais participantes do crime e, havendo produto, que ele seja recuperado, mesmo que parcialmente.

No que tange ao produto, há de ser interpretado em seu sentido amplo, englobando o proveito do crime. Assim, não só a droga (produto direto ou instrumento do crime, dependendo da hipótese), mas também o indireto, chamado de proveito pela maioria da doutrina, que, no caso, é a vantagem auferida pelo sujeito ou por terceiros com a prática do delito.

A colaboração deverá perdurar desde o início das investigações policiais até o fim do processo. Caso o indiciado ou acusado aja de má-fé e deixe de colaborar, o benefício não será concedido. Somente será o caso de aplicar a redução da pena quando a colaboração for eficaz e realmente ajudar nas investigações e no processo.

Mesmo que a colaboração se inicie no decorrer do processo, mas seja eficiente e leve à identificação dos demais participantes e na recuperação do produto do crime (quando houver), embora parcialmente, poderá o Magistrado reduzir a pena do colaborador no caso de condenação. O que não se faz possível é haver o início da colaboração e posterior retratação, o que denota má-fé e impede a concessão do benefício, no caso de condenação. Aliás, não há previsão na Lei de Drogas para a delação premiada após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Como parâmetro para a redução da pena o Magistrado deverá levar em consideração a eficiência e presteza na colaboração. Assim, quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa.

O redutor é aplicável aos crimes relacionados a drogas e descritos na respectiva lei, e se trata de causa obrigatória de diminuição de pena quando presentes seus requisitos, não ficando, assim, a critério do juiz sua aplicação ou não.

Para complementar todas estas leis especiais devem ser aplicadas subsidiariamente as regras dos arts. 3º-A a 7º da Lei 12.850/2013.

A colaboração premiada é negócio jurídico processual, ou seja, de acordo, além de meio de obtenção de prova, que para sua celebração exige utilidade e interesse públicos (art. 3º-A, da Lei nº 12.850/2013).

Uma das regras que deve ser observada pelas partes envolvidas é a confidencialidade, que deve vigorar desde o recebimento da proposta para a formalização do acordo, que constitui o marco do início das negociações, até o levantamento do sigilo mediante decisão judicial. A divulgação das tratativas iniciais ou de documentos que formalizem a proposta constitui violação do sigilo, além de quebra de confiança e da boa-fé (art. 3º-B, “caput”, da Lei 12.850/2013).

A proposta para a celebração do acordo de colaboração premiada pode ser indeferida de plano, desde que devidamente justificadas as razões que levaram ao ato, cientificando-se o interessado (art. 3º-B, § 1º). Como se trata de negócio jurídico, nenhuma das partes envolvidas pode ser obrigada a realizá-lo, não se tratando de direito público subjetivo do acusado ou investigado. Assim, não sendo conveniente ou ausente interesse público, o órgão da persecução penal legitimado para o acordo pode deixar de realizá-lo.

Não sendo indeferida sumariamente a proposta, as partes firmarão termo de confidencialidade para que prossigam as tratativas. O termo devidamente assinado pelas partes vincula os órgãos envolvidos na negociação, impedindo posterior indeferimento sem que ocorra justa causa (art. 3º-B, § 2º).

O recebimento da proposta para o acordo para análise ou a assinatura do termo de confidencialidade não implica suspensão das investigações, que prosseguirão normalmente. No entanto, pode ser acordado o contrário no que concerne à propositura de medidas cautelares e assecuratórias, no âmbito penal ou civil (art. 3º-B, § 3º).

Pode ser que haja necessidade de identificação ou complementação do objeto do acordo, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade ou interesse público, ou seja, de complementação dos elementos de prova trazidos pelo colaborador de modo a ser possível aos órgãos envolvidos na negociação terem a visão necessária para que o acordo possa, ou não, ser celebrado. Neste caso, será necessária a realização de instrução prévia (art. 3º-B, § 4º).

Os termos de recebimento da proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e assinados por ele e pelo colaborador, seu advogado ou por defensor público com poderes específicos (art. 3º-B, § 5º).

Não ocorrendo a celebração do acordo por iniciativa do celebrante, não poderá o órgão se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, que tenha agido de boa-fé, para qualquer outra finalidade (art. 3º-B, § 6º). Contrário senso, tendo o colaborador agido de má-fé, é possível o emprego das provas em seu desfavor e de outras pessoas envolvidas nos fatos em investigação.

Para a formalização da proposta de acordo de colaboração o advogado ou defensor público deverá instrui-la com procuração com poderes específicos. Sem ela, não podem ser iniciadas as tratativas. Também pode a proposta ser firmada pessoalmente pelo colaborador, seu advogado ou defensor público (art. 3º-C, da Lei 12.850/2013).

A presença do advogado do colaborador, ou na sua ausência de defensor público, é imprescindível para a tratativa da colaboração. Sem esses profissionais não é possível sequer o início dos acertos para o acordo (art. 3º-C, § 1º).

Havendo conflito de interesses, ou sendo o colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a presença de outro advogado ou a participação de defensor público (art. 3º-C, § 2º).

O colaborador deverá narrar no acordo todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que possuam relação direta com os fatos investigados (art. 3º-C, § 3º). Pode parecer, à primeira vista, que o presente dispositivo restringe sobremaneira o universo dos fatos que serão narrados pelo colaborador, de modo que outros fatos de seu conhecimento, mesmo que constituam infração penal, mas sem relação direta com os investigados, não poderão fazer parte do acordo. Se assim entendermos, cuidar-se-ia de norma que tem o claro propósito de restringir a colheita de provas que poderão trazer a lume outros crimes cometidos e seus participantes. Assim, v.g., o membro de comissão de licitação que celebrasse acordo para apuração de fraude em determinado procedimento licitatório, mesmo que tivesse conhecimento de outros crimes cometidos em licitações distintas sem a sua participação, não poderia fazer constar do acordo essas informações desconhecidas dos órgãos responsáveis pela persecução penal. Esse dispositivo impossibilitaria que a Operação Lava-jato tivesse esclarecido inúmeros delitos narrados pelos colaboradores sem relação direta com os fatos apurados que deram ensejo ao acordo de colaboração premiada. Interpretado dessa forma, infelizmente, o dispositivo obstará a apuração de gama enorme de delitos em prejuízo de toda a sociedade, beneficiando, por outro lado, os criminosos em geral, notadamente os do colarinho branco.

Não nos parece essa a melhor interpretação, que é sem sentido e lógica. Não há como impedir aquele que detém conhecimento de outros ilícitos de trazê-los ao conhecimento dos órgãos da persecução penal, impedindo sua apuração. O colaborador poderia ser testemunha desses fatos, mas não seria possível fazer constar do seu termo de colaboração. Não há o menor sentido nesta interpretação.

Preferimos interpretar a norma no sentido de que ela apenas determina que é obrigação do colaborador narrar no acordo todos os fatos ilícitos que praticou ou concorreu para sua prática e que possuam relação direta com os fatos investigados, mas nada impede que também revele

É da defesa a incumbência de instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos devidamente descritos, com todas suas circunstâncias, indicando as provas existentes e os elementos que as possam confirmar. Não basta, assim, apenas narrar os fatos, devendo ser apresentadas provas que os confirme ou ao menos indique como e onde podem ser obtidas. Por isso, a proposta deve ser muito bem esmiuçada e instruída com anexos para a melhor compreensão e demonstração dos fatos.

O acordo de colaboração premiada poderá ser negociado entre o Delegado de Polícia responsável pelas investigações, o investigado e o Defensor, com manifestação do Ministério Público, ou entre o Ministério Público, o investigado e seu Defensor (art. 4º, § 6º).

Deve ser observado que não é possível a homologação do acordo de colaboração sem a aquiescência do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública. Assim, mesmo que seja realizado o acordo entre o Delegado de Polícia e o investigado e seu Defensor, não havendo a concordância do Ministério Público, a colaboração não poderá ser homologada. Cabe ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a análise da necessidade e adequação da medida. Nesse caso, entendendo pertinente, caberá ao Magistrado valer-se analogicamente do art. 28 do Código de Processo Penal, sendo dirimida a questão no âmbito do próprio Ministério Público.

Porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu contrariamente ao que defendemos. Para o Pretório Excelso, o Delegado de Polícia pode realizar o acordo de colaboração premiada, mesmo sem a anuência do Ministério Público, mas a escolha e dosagem da sanção premial a ser aplicada caberá ao Juiz de Direito. Ou seja, mesmo que o acordo preveja as sanções premiais, a palavra final será do Poder Judiciário, que poderá acolhê-las ou não, aplicando as que lhe parecerem mais adequadas ao caso concreto (STF – ADI 5508/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio, m.v. – j. em 20.06.2018).

O acordo de colaboração premiada realizado pelo Delegado de Polícia sem o parecer favorável do Ministério Público, na prática, poderá trazer consequências jurídicas desfavoráveis para o acusado, uma vez que o Parquet continua a ser o titular da ação penal pública por mandamento constitucional e, igualmente, possui independência funcional, podendo pugnar a aplicação de outras sanções premiais, recorrer das que discordar ou, ainda, promover o arquivamento do inquérito policial, quando ausentes os elementos necessários para a deflagração penal, acarretando, com isso, grave insegurança jurídica, a recomendar à defesa não realizar o acordo sem a anuência do Membro do Ministério Público oficiante.

Pode o Ministério Público, nas hipóteses previstas no “caput” do art. 4º, da Lei nº 12.850/2013, deixar de oferecer denúncia, desde que a proposta de acordo de colaboração se referir a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento, o colaborador não for o líder da organização criminosa e tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos previstos no dispositivo (art. 4º, § 4º).

É considerado como conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial já tiver instaurado procedimento investigatório ou inquérito policial para a apuração dos fatos narrados pelo colaborador (art. 4º, § 4º-A).

Cuida-se, à evidência, de mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Poderá o Membro do Ministério Público, ao analisar a necessidade e adequação da medida, deixar de promover a ação penal pública em face de alguém que admitiu a prática de infração penal. Isso para que possa obter provas que levem ao desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos demais integrantes, recuperação do produto e proveito dos delitos, ou até mesmo a localização de eventual vítima que esteja privada indevidamente de sua liberdade de locomoção, como ocorre no crime de extorsão mediante sequestro.

O Membro do Ministério Público, ao procurar obter um bem maior, “abre mão” de um menor, qual seja, de processar um dos integrantes da organização criminosa. Faz uma escolha, que deve ser sensata: deixa de obter a condenação de uma pessoa, para tentar conseguir a condenação de outras e, com isso, obter resultado mais útil e proveitoso para toda sociedade.

Como um criminoso será beneficiado com a não propositura da ação penal, o acordo de colaboração deve ser necessário e adequado. Será necessário quando não for possível conseguir as provas de outra maneira. E adequado por propiciar a obtenção do resultado almejado.

A lei estipulou os critérios para essa modalidade de colaboração, que devem coexistir: 1) o colaborador não pode ser o líder da organização criminosa; 2) e deve ser o primeiro a colaborar efetiva e eficazmente, ou seja, de modo que advenham os efeitos previstos na lei (identificação dos demais integrantes, recuperação dos bens etc.); 3) infração desconhecida pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária.

O Magistrado não participará das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, a fim de não ser comprometida sua imparcialidade. Mas, para que a colaboração possa produzir seus efeitos jurídicos, deverá ser homologada pelo Poder Judiciário (art. 4º, §§ 6º e 7º).

E o Magistrado, no caso de não oferecimento da denúncia, pode se negar a homologar o acordo em homenagem ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?

Entendemos que não. O princípio da obrigatoriedade, como já ocorria na Lei dos Juizados Especiais ao propiciar a transação penal, foi mitigado. Ao analisar a necessidade e adequação da medida, pode o Membro do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia. Caberá ao Magistrado apenas a análise da regularidade, legalidade e voluntariedade da medida. Não lhe é possível avaliar o mérito do acordo, mas apenas se as normas legais que o permeiam foram observadas.

Para o combate ao crime organizado houve necessidade de alterar dogmas até então reinantes em nosso sistema jurídico. O Membro do Ministério Público deve avaliar a necessidade de realização do acordo de colaboração com criminosos para que lhe seja possível apurar outros crimes, identificar demais participantes, recuperar proveito e produto de infrações penais, tudo de modo a desmantelar organizações criminosas, punir seus integrantes e prevenir novas infrações.

Por isso, em determinadas situações, é possível até mesmo deixar de processar um dos integrantes da organização criminosa, o que, antes da publicação da Lei 12.850/2013, era impensado em razão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, o prazo para oferecimento da denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, com a suspensão do respectivo prazo prescricional (art. 4º, § 3º).

Muito embora a colaboração premiada isoladamente não possa ensejar um édito condenatório, por meio dela podem ser obtidas outras provas, que a corroborarão ou não. Além de não poder levar à condenação quando for a única prova produzida a incriminar o delatado, a delação premiada também não poderá ser empregada para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais ou para o recebimento da denúncia (art. 4º, § 16). Com efeito, as declarações do delator isoladamente não podem levar à decretação de nenhuma medida restritiva a direitos do delatado.

O acordo de colaboração premiada somente surtirá efeitos se for homologado judicialmente. Para tanto, o respectivo termo, instruído com as declarações do colaborador e cópia da investigação, será encaminhado ao Magistrado competente, que analisará sua regularidade, legalidade e voluntariedade, devendo, inclusive, ouvir sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor, a fim de verificar se o acordo foi realizado de forma voluntária. Também deverá ser verificado pelo Magistrado a adequação dos benefícios às hipóteses previstas no “caput” e nos §§ 4º e 5º do art. 4º. São nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena previsto no art. 33 do CP, suas regras e os requisitos para a progressão de regime não abrangidos pelo § 5º do mesmo dispositivo. Por fim, incumbe ao Magistrado analisar a adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do “caput” do art. 4º (art. 4º, § 7º).

Antes de conceder os benefícios acordados, a autoridade judiciária responsável pela homologação do acordo deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas da aplicação da pena, a fim de ser verificada previamente a viabilidade das medidas a serem adotadas. Excetua-se a essa regra quando no acordo for previsto o não oferecimento da denúncia ou se a sentença já houver sido prolatada (art. 4º, § 7º-A).

São nulas as previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória (art. 4º, § 7º-B).

Não atendidos os requisitos legais, o Magistrado poderá recusar a homologação, devolvendo o termo do acordo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias (art. 4º, § 8º).

Caberá o acordo até mesmo após a sentença condenatória, mas, nesse caso, o Magistrado apenas poderá reduzir a pena até a metade ou determinar a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). Nesse último caso, os requisitos subjetivos, que dizem respeito ao mérito, devem ser preenchidos. Isso porque a norma apenas antecipou o prazo para a promoção de regime. Não é razoável interpretá-la no sentido de ser autorizada a progressão sem nenhum critério, colocando em risco a sociedade ao inserir no regime semiaberto ou aberto aquele que não se encontra em condições de retornar ao convívio social por ainda ser perigoso ou não ter absorvido a terapêutica penal. Assim, somente aquele que se mostrar merecedor é que poderá ser progredido de regime prisional, cabendo ao magistrado das execuções penais essa análise e não ao juiz da instrução, que não é competente para decidir questões afetas à execução da pena. Dessa forma, o juiz da instrução por onde tramitou o processo é o competente para celebrar o acordo após o trânsito em julgado da condenação, determinando a redução da pena ou a progressão de regime, mediante a antecipação do lapso para o benefício; porém, o mérito para a progressão será analisado pelo juiz das execuções penais, que poderá indeferi-la no caso de sua ausência. Não vemos como o juiz das execuções penais ser o responsável pela homologação desse acordo por faltar-lhe competência, inclusive por sua rescisão ou retratação, além de não ter conhecimento do processo original e não atuar nas posteriores investigações ou processos resultantes da colaboração.

Homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre na presença de seu defensor, ser ouvido pelo Membro do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia responsável pelas investigações (art. 4º, § 9º). Essa é a finalidade do acordo de colaboração premiada, ou seja, a busca de provas para o desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos seus demais integrantes, recuperação do produto ou proveito do delito e até mesmo a libertação de eventual sequestrado.

O Magistrado poderá ouvir o colaborador, a requerimento das partes ou por iniciativa da Autoridade Policial, ainda que tenha sido beneficiado com perdão judicial ou não denunciado (art. 4º, § 12). Assim, a qualquer momento, sendo necessário para esclarecimentos de fatos apurados em processo judicial, será possível a oitiva do colaborador.

Nos depoimentos prestados perante o Magistrado, Membro do Ministério Público ou Autoridade Policial, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (art. 4º, § 14), o que permite seja processado por crime de falso testemunho previsto no art. 342 do Código Penal.

Para que a colaboração tenha maior peso na formação da convicção do Magistrado e denote sua voluntariedade, é recomendável, sempre que possível, seja o ato registrado por meio de recursos de gravação eletrônica. Porém, o registro das tratativas e dos atos de colaboração, além do registro por meio de gravação eletrônica, pode ser realizado por gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador (art. 4º, § 13). Com isso, todos os detalhes do depoimento poderão ser vistos e/ou ouvidos.

A fim de ser preservada a voluntariedade e legalidade da medida, o colaborador, em todos os atos de negociação e depoimentos que prestar, deverá ser acompanhado por seu Defensor (art. 4º, § 15).

Para a garantia do contraditório e da ampla defesa, deve ser permitido ao réu delatado em todas as fases do processo a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou (art. 4º, § 10-A).

É possível às partes se retratarem da proposta, ocasião em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser empregadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10). Isso pode ocorrer quando as partes se arrependem do acordado por algum motivo. Nesta hipótese, a prova colecionada produzida pelo colaborador poderá ser empregada contra outras pessoas, mas não contra ele. Como a colaboração é um ato jurídico bilateral, um acordo de vontades, é possível a retratação, que é ato lícito e, por isso, as provas trazidas pelo colaborador não podem prejudicá-lo, mas, certamente, podem sem empregadas em seu favor, vez que por ele produzidas.

Como a retratação implica arrependimento, é possível até a homologação judicial do acordo de colaboração premiada. Note-se, aliás, que a norma diz que as partes podem se retratar da proposta e não do acordo. Após essa fase, havendo descumprimento das obrigações estabelecidas no acordo, poderá ser requerida pelo Membro do Ministério Público sua rescisão, que será apreciada pelo Magistrado, após estabelecido o contraditório e a ampla defesa em procedimento próprio (art. 4º, § 17). Neste caso, demonstrada a omissão dolosa do colaborador sobre os fatos objetos da colaboração, além de possibilitar a rescisão do acordo, as provas produzidas poderão ser empregadas também em seu desfavor, uma vez que não se trata de retratação, mas de rescisão do pactuado pelo descumprimento das condições impostas. Não é dado ao colaborador se beneficiar da própria torpeza.

Também é pressuposto do acordo de colaboração que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração. Do contrário, o acordo poderá ser rescindido (art. 4º, § 18).

São direitos do colaborador (art. 5º): I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; VI – cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O termo de colaboração premiada será sempre redigido por escrito e deverá conter (art. 6º): I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

A medida será inicialmente sigilosa a fim de ser preservada a eficácia da investigação e a segurança do colaborar e de sua família. Para isso, o pedido de sua homologação será distribuído sigilosamente, contendo apenas dados e informações que não permitam a identificação do colaborador e o objeto da investigação. Todas as informações da colaboração deverão ser pormenorizadas e diretamente dirigidas ao juiz que recair a distribuição, que terá o prazo de 48 horas para proferir decisão. O acesso aos autos, por ser procedimento sigiloso, será restrito ao Magistrado, ao Membro do Ministério Público e ao Delegado de Polícia responsável pela investigação. O Defensor do colaborador, na defesa do seu representado, terá amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, sempre com autorização judicial. O Defensor, para que não seja comprometida a investigação, não terá acesso às diligências ainda em andamento. Recebida a denúncia ou a queixa-crime, em homenagem ao princípio da publicidade dos atos processuais, deve o Magistrado levantar o sigilo, observados os direitos do colaborador previstos no art. 5º, desde que não exista outro motivo para sua manutenção. Antes do recebimento da inicial acusatória é vedado ao Magistrado decidir pela publicidade dos termos do acordo e dos depoimentos do colaborador em qualquer hipótese (art. 7º).

Homologado judicialmente o acordo de colaboração premiada e cumpridos os seus termos não é possível ao Magistrado deixar de observá-lo por ocasião da prolação da sentença condenatória. Por isso, antes de homologar o acordo, deve o Magistrado atentar para que todos os requisitos legais sejam observados.

Entender que pode o Magistrado rever e alterar os termos do acordo já homologado judicialmente levará o instituto ao descrédito, uma vez que o investigado ou acusado não poderá confiar em seus termos, ocasionando insegurança jurídica. Justamente para que isso não ocorra é que a lei prevê a homologação judicial, ocasião na qual o acordo poderá ser rejeitado ou adequado pelo Juiz quando contiver vícios que o tornem legalmente inexequível. Aliás, antes de rejeitar a homologação do acordo, deve o Magistrado devolver o termo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias.

Da decisão que homologar o acordo ou rejeitar sua homologação em primeiro grau, cabe apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do Código de Processo Penal. Não é cabível o recurso em sentido estrito por não estar a hipótese expressamente elencada no art. 581 do Código de Processo Penal e nem há nos seus incisos situação semelhante àquela prevista no art. 4º, § 8º, da Lei nº 12.850/2013. Também não é possível a interposição de correição parcial, uma vez que a decisão não causa inversão tumultuária no processo. Assim, como a decisão tem força de definitiva, tanto que impede ou homologa o acordo, cabível se faz a apelação, como, aliás, já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto a hipótese de recusa da homologação ( REsp 1834215/RS, 6ª T., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, v.u., j. em 27.10.2015).

No caso de decisão monocrática do relator nos tribunais, o recurso cabível para essas hipóteses é o agravo interno, com fundamento no artigo 1021 do Código de Processo Civil.

As normas de direito material que cuidam da colaboração premiada em leis especiais devem ser observadas, aplicando-se a elas, quando omissas, as regras gerais processuais previstas na Lei nº 12.850/2013, que as regulamentarão nesse aspecto.

Como o instituto é relativamente novo em nosso país ainda trará algumas dúvidas de interpretação, mas nada que a jurisprudência não possa regulamentar à medida em que os casos forem levados ao Superior Tribunal de Justiça, responsável por sua uniformização no que é pertinente à legislação federal.

O instituto da colaboração premiada, também conhecido como delação premiada, foi amplamente empregado na Operação Lava-jato e se mostrou fator decisivo para a apuração do esquema criminoso, que lesou a Petrobrás e tanto prejuízo trouxe para o país.

No entanto, algumas questões foram levantadas, notadamente quanto a possibilidade de pressão sobre os colaboradores, além de questões éticas.

Recentemente, houve sensível alteração em suas regras pela Lei nº 13.964/2019, que teve o escopo de limitar seu alcance e, ainda, reduzir eventual coerção dos órgãos da persecução penal sobre o provável colaborador.

É certo que sem esse eficiente método de investigação e de produção de provas inúmeros crimes cometidos por organizações criminosas dificilmente serão esclarecidos, posto que a obtenção de prova direta, como testemunhas e documentos, é extremamente difícil, senão impossível em alguns casos. Só com a indicação pelo colaborador de provas a serem perseguidas é que será possível o esclarecimento dos fatos e a punição de crimes cometidos pela organização criminosa, como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros de especial gravidade.

E no que consiste este instituto e quais são as suas regras atuais?

Colaboração premiada consiste no benefício concedido ao autor de um delito que colabora voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Nossa legislação prevê várias formas de colaboração ou delação premiada.

Esse eficiente método de obtenção de prova já é aplicado na grande maioria dos países democráticos, mas apenas recentemente passou a figurar em nosso sistema legal. O método é eficaz notadamente na apuração de crimes cometidos em organização ou associação criminosa, pois envolve, na maioria das vezes, número considerável de pessoas.

O crime organizado é um fenômeno mundial e transcende as fronteiras internacionais. Bilhões de dólares frutos dos mais variados crimes são movimentados anualmente por meio de transferências eletrônicas ou “doleiros”, que levam os valores pessoalmente através dos países.

É impossível combater eficazmente o crime organizado sem instrumentos modernos de investigação.

A ideia é muito simples: são oferecidas vantagens processuais a uma pessoa investigada ou acusada da prática de crime em troca de informações que levem aos demais integrantes da organização ou associação criminosa, esclarecimentos de crimes, recuperação de bens e valores, prevenção de novas infrações penais e localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Ao colaborador poderá o juiz, homologado o acordo, conceder vários benefícios legais.

Para que seja possível essa barganha ao menos um dos integrantes deve ser identificado. Além disso, as provas a ele apresentadas devem ser substanciais de modo que haja chance real ou mesmo a certeza da condenação a severas sanções. Sem isso, não haverá estímulo para o acordo.

Percebe-se, assim, que o trabalho de investigação deve ser eficiente não apenas para identificar um dos autores do (s) crime (s), mas também para angariar provas convincentes para a elaboração do acordo de colaboração premiada.

Uma das formas de delação premiada ou colaboração encontra-se prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990, que determina a diminuição de um a dois terços da pena para o participante ou associado que delatar a quadrilha ou bando à autoridade (Juiz, Promotor, Delegado etc.) e possibilitar seu desmantelamento.

O benefício alcança a quadrilha ou bando formada para a prática de crimes hediondos ou equiparados, haja vista que é previsto na Lei dos Crimes Hediondos. Incide sobre o crime de quadrilha ou bando e não nos por ela praticados. Aproveita ao denunciante e há necessidade do efetivo desmantelamento da quadrilha ou bando. O quantum da diminuição da pena varia de acordo com a maior ou menor contribuição causal do agente para o desmantelamento da quadrilha ou bando.

Mesmo com a nova redação dada ao art. 288 do Código Penal, continua sendo possível a delação premiada prevista no art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/1990. Isso porque, muito embora o dispositivo se refira a “bando ou quadrilha”, não se trata de norma penal incriminadora, sendo possível a aplicação da analogia “in bonam partem”; no entanto, a associação criminosa deverá ser composta por mais de três pessoas, que é o número mínimo exigido para a formação de quadrilha ou bando.

A Lei de Combate às Organizações Criminosas, Lei 12.850, de 02.08.2013, permite ao juiz, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Para tanto, a colaboração deverá levar a um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade corporal preservada.

O Ministério Público também poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa, for o primeiro a prestar efetiva colaboração e a infração não for do seu conhecimento, nos termos do art. 4º, § 4º, da aludida lei

A concessão do benefício levará em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

O membro do Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Parquet, tendo em vista a relevância da colaboração prestada, poderão requerer ou representar ao Magistrado pela concessão do perdão judicial, ainda que o benefício não tenha sido pactuado originalmente, aplicando-se, no que couber, o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, no caso de discordância do juízo (art. 4º, § 2º). Situação que não raras vezes ocorre, diante de colaboração maior do que a esperada originariamente. Por isso, a ampliação do benefício.

Sendo a colaboração posterior à prolação da sentença condenatória, a pena a ser cumprida poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). No entanto, para a progressão de regime, o mérito deverá estar presente, não bastando o preenchimento dos requisitos objetivos.

A Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no art. 1º, § 5º, dispõe que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Alcança apenas os crimes previstos na aludida lei. O juiz, para a aferição do benefício a ser concedido, deverá atentar para as circunstâncias do caso concreto, mormente quanto à maior ou menor contribuição do agente.

A Lei 9.807/1999, que trata do programa de proteção às vítimas e testemunhas, instituiu a delação ou colaboração premiada como forma de perdão judicial (art. 13) e como causa de diminuição de pena (art. 14).

De acordo com o art. 13, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Com efeito, presentes os requisitos exigidos pela norma, o acusado tem o direito subjetivo ao benefício, independentemente do crime praticado, exceto se o delito estiver previsto em lei que contiver dispositivo específico sobre a delação ou colaboração premiada, que será aplicado.

Já o art. 14 dispõe que o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá a pena reduzida de um a dois terços. Quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa. É causa obrigatória de diminuição de pena e atinge os delitos que não prevejam norma especial sobre o assunto. Com efeito, aquele que não obtiver o perdão judicial por faltarem os requisitos legais previstos no art. 13 poderá ser beneficiado pelo dispositivo em questão (art. 14), desde que presentes os requisitos exigidos.

De forma parecida, o art. 41 da Lei de Drogas prevê a possibilidade do benefício para o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do delito e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Para esta pessoa, no caso de condenação, haverá a redução da pena de um a dois terços.

A norma estabelece dois requisitos para a redução da pena:

1º) colaboração voluntária; e

2º) eficiência, consubstanciada na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do delito.

Os requisitos são cumulativos. Assim, ausente qualquer um deles, o benefício não poderá ser concedido.

Note-se que a colaboração não necessita ser espontânea, contentando-se a norma com a sua voluntariedade. Assim, mesmo que a ideia de colaborar parta de outra pessoa, ou mesmo de pedido ou sugestão da autoridade, poderá o colaborador ser merecedor do benefício.

Também há necessidade de que a colaboração leve ao esclarecimento dos demais participantes do crime e, havendo produto, que ele seja recuperado, mesmo que parcialmente.

No que tange ao produto, há de ser interpretado em seu sentido amplo, englobando o proveito do crime. Assim, não só a droga (produto direto ou instrumento do crime, dependendo da hipótese), mas também o indireto, chamado de proveito pela maioria da doutrina, que, no caso, é a vantagem auferida pelo sujeito ou por terceiros com a prática do delito.

A colaboração deverá perdurar desde o início das investigações policiais até o fim do processo. Caso o indiciado ou acusado aja de má-fé e deixe de colaborar, o benefício não será concedido. Somente será o caso de aplicar a redução da pena quando a colaboração for eficaz e realmente ajudar nas investigações e no processo.

Mesmo que a colaboração se inicie no decorrer do processo, mas seja eficiente e leve à identificação dos demais participantes e na recuperação do produto do crime (quando houver), embora parcialmente, poderá o Magistrado reduzir a pena do colaborador no caso de condenação. O que não se faz possível é haver o início da colaboração e posterior retratação, o que denota má-fé e impede a concessão do benefício, no caso de condenação. Aliás, não há previsão na Lei de Drogas para a delação premiada após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Como parâmetro para a redução da pena o Magistrado deverá levar em consideração a eficiência e presteza na colaboração. Assim, quanto maior a contribuição causal do agente maior será a diminuição da pena e vice-versa.

O redutor é aplicável aos crimes relacionados a drogas e descritos na respectiva lei, e se trata de causa obrigatória de diminuição de pena quando presentes seus requisitos, não ficando, assim, a critério do juiz sua aplicação ou não.

Para complementar todas estas leis especiais devem ser aplicadas subsidiariamente as regras dos arts. 3º-A a 7º da Lei 12.850/2013.

A colaboração premiada é negócio jurídico processual, ou seja, de acordo, além de meio de obtenção de prova, que para sua celebração exige utilidade e interesse públicos (art. 3º-A, da Lei nº 12.850/2013).

Uma das regras que deve ser observada pelas partes envolvidas é a confidencialidade, que deve vigorar desde o recebimento da proposta para a formalização do acordo, que constitui o marco do início das negociações, até o levantamento do sigilo mediante decisão judicial. A divulgação das tratativas iniciais ou de documentos que formalizem a proposta constitui violação do sigilo, além de quebra de confiança e da boa-fé (art. 3º-B, “caput”, da Lei 12.850/2013).

A proposta para a celebração do acordo de colaboração premiada pode ser indeferida de plano, desde que devidamente justificadas as razões que levaram ao ato, cientificando-se o interessado (art. 3º-B, § 1º). Como se trata de negócio jurídico, nenhuma das partes envolvidas pode ser obrigada a realizá-lo, não se tratando de direito público subjetivo do acusado ou investigado. Assim, não sendo conveniente ou ausente interesse público, o órgão da persecução penal legitimado para o acordo pode deixar de realizá-lo.

Não sendo indeferida sumariamente a proposta, as partes firmarão termo de confidencialidade para que prossigam as tratativas. O termo devidamente assinado pelas partes vincula os órgãos envolvidos na negociação, impedindo posterior indeferimento sem que ocorra justa causa (art. 3º-B, § 2º).

O recebimento da proposta para o acordo para análise ou a assinatura do termo de confidencialidade não implica suspensão das investigações, que prosseguirão normalmente. No entanto, pode ser acordado o contrário no que concerne à propositura de medidas cautelares e assecuratórias, no âmbito penal ou civil (art. 3º-B, § 3º).

Pode ser que haja necessidade de identificação ou complementação do objeto do acordo, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade ou interesse público, ou seja, de complementação dos elementos de prova trazidos pelo colaborador de modo a ser possível aos órgãos envolvidos na negociação terem a visão necessária para que o acordo possa, ou não, ser celebrado. Neste caso, será necessária a realização de instrução prévia (art. 3º-B, § 4º).

Os termos de recebimento da proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e assinados por ele e pelo colaborador, seu advogado ou por defensor público com poderes específicos (art. 3º-B, § 5º).

Não ocorrendo a celebração do acordo por iniciativa do celebrante, não poderá o órgão se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, que tenha agido de boa-fé, para qualquer outra finalidade (art. 3º-B, § 6º). Contrário senso, tendo o colaborador agido de má-fé, é possível o emprego das provas em seu desfavor e de outras pessoas envolvidas nos fatos em investigação.

Para a formalização da proposta de acordo de colaboração o advogado ou defensor público deverá instrui-la com procuração com poderes específicos. Sem ela, não podem ser iniciadas as tratativas. Também pode a proposta ser firmada pessoalmente pelo colaborador, seu advogado ou defensor público (art. 3º-C, da Lei 12.850/2013).

A presença do advogado do colaborador, ou na sua ausência de defensor público, é imprescindível para a tratativa da colaboração. Sem esses profissionais não é possível sequer o início dos acertos para o acordo (art. 3º-C, § 1º).

Havendo conflito de interesses, ou sendo o colaborador hipossuficiente, o celebrante deverá solicitar a presença de outro advogado ou a participação de defensor público (art. 3º-C, § 2º).

O colaborador deverá narrar no acordo todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que possuam relação direta com os fatos investigados (art. 3º-C, § 3º). Pode parecer, à primeira vista, que o presente dispositivo restringe sobremaneira o universo dos fatos que serão narrados pelo colaborador, de modo que outros fatos de seu conhecimento, mesmo que constituam infração penal, mas sem relação direta com os investigados, não poderão fazer parte do acordo. Se assim entendermos, cuidar-se-ia de norma que tem o claro propósito de restringir a colheita de provas que poderão trazer a lume outros crimes cometidos e seus participantes. Assim, v.g., o membro de comissão de licitação que celebrasse acordo para apuração de fraude em determinado procedimento licitatório, mesmo que tivesse conhecimento de outros crimes cometidos em licitações distintas sem a sua participação, não poderia fazer constar do acordo essas informações desconhecidas dos órgãos responsáveis pela persecução penal. Esse dispositivo impossibilitaria que a Operação Lava-jato tivesse esclarecido inúmeros delitos narrados pelos colaboradores sem relação direta com os fatos apurados que deram ensejo ao acordo de colaboração premiada. Interpretado dessa forma, infelizmente, o dispositivo obstará a apuração de gama enorme de delitos em prejuízo de toda a sociedade, beneficiando, por outro lado, os criminosos em geral, notadamente os do colarinho branco.

Não nos parece essa a melhor interpretação, que é sem sentido e lógica. Não há como impedir aquele que detém conhecimento de outros ilícitos de trazê-los ao conhecimento dos órgãos da persecução penal, impedindo sua apuração. O colaborador poderia ser testemunha desses fatos, mas não seria possível fazer constar do seu termo de colaboração. Não há o menor sentido nesta interpretação.

Preferimos interpretar a norma no sentido de que ela apenas determina que é obrigação do colaborador narrar no acordo todos os fatos ilícitos que praticou ou concorreu para sua prática e que possuam relação direta com os fatos investigados, mas nada impede que também revele

É da defesa a incumbência de instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos devidamente descritos, com todas suas circunstâncias, indicando as provas existentes e os elementos que as possam confirmar. Não basta, assim, apenas narrar os fatos, devendo ser apresentadas provas que os confirme ou ao menos indique como e onde podem ser obtidas. Por isso, a proposta deve ser muito bem esmiuçada e instruída com anexos para a melhor compreensão e demonstração dos fatos.

O acordo de colaboração premiada poderá ser negociado entre o Delegado de Polícia responsável pelas investigações, o investigado e o Defensor, com manifestação do Ministério Público, ou entre o Ministério Público, o investigado e seu Defensor (art. 4º, § 6º).

Deve ser observado que não é possível a homologação do acordo de colaboração sem a aquiescência do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública. Assim, mesmo que seja realizado o acordo entre o Delegado de Polícia e o investigado e seu Defensor, não havendo a concordância do Ministério Público, a colaboração não poderá ser homologada. Cabe ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a análise da necessidade e adequação da medida. Nesse caso, entendendo pertinente, caberá ao Magistrado valer-se analogicamente do art. 28 do Código de Processo Penal, sendo dirimida a questão no âmbito do próprio Ministério Público.

Porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu contrariamente ao que defendemos. Para o Pretório Excelso, o Delegado de Polícia pode realizar o acordo de colaboração premiada, mesmo sem a anuência do Ministério Público, mas a escolha e dosagem da sanção premial a ser aplicada caberá ao Juiz de Direito. Ou seja, mesmo que o acordo preveja as sanções premiais, a palavra final será do Poder Judiciário, que poderá acolhê-las ou não, aplicando as que lhe parecerem mais adequadas ao caso concreto (STF – ADI 5508/DF – Tribunal Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio, m.v. – j. em 20.06.2018).

O acordo de colaboração premiada realizado pelo Delegado de Polícia sem o parecer favorável do Ministério Público, na prática, poderá trazer consequências jurídicas desfavoráveis para o acusado, uma vez que o Parquet continua a ser o titular da ação penal pública por mandamento constitucional e, igualmente, possui independência funcional, podendo pugnar a aplicação de outras sanções premiais, recorrer das que discordar ou, ainda, promover o arquivamento do inquérito policial, quando ausentes os elementos necessários para a deflagração penal, acarretando, com isso, grave insegurança jurídica, a recomendar à defesa não realizar o acordo sem a anuência do Membro do Ministério Público oficiante.

Pode o Ministério Público, nas hipóteses previstas no “caput” do art. 4º, da Lei nº 12.850/2013, deixar de oferecer denúncia, desde que a proposta de acordo de colaboração se referir a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento, o colaborador não for o líder da organização criminosa e tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos previstos no dispositivo (art. 4º, § 4º).

É considerado como conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial já tiver instaurado procedimento investigatório ou inquérito policial para a apuração dos fatos narrados pelo colaborador (art. 4º, § 4º-A).

Cuida-se, à evidência, de mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Poderá o Membro do Ministério Público, ao analisar a necessidade e adequação da medida, deixar de promover a ação penal pública em face de alguém que admitiu a prática de infração penal. Isso para que possa obter provas que levem ao desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos demais integrantes, recuperação do produto e proveito dos delitos, ou até mesmo a localização de eventual vítima que esteja privada indevidamente de sua liberdade de locomoção, como ocorre no crime de extorsão mediante sequestro.

O Membro do Ministério Público, ao procurar obter um bem maior, “abre mão” de um menor, qual seja, de processar um dos integrantes da organização criminosa. Faz uma escolha, que deve ser sensata: deixa de obter a condenação de uma pessoa, para tentar conseguir a condenação de outras e, com isso, obter resultado mais útil e proveitoso para toda sociedade.

Como um criminoso será beneficiado com a não propositura da ação penal, o acordo de colaboração deve ser necessário e adequado. Será necessário quando não for possível conseguir as provas de outra maneira. E adequado por propiciar a obtenção do resultado almejado.

A lei estipulou os critérios para essa modalidade de colaboração, que devem coexistir: 1) o colaborador não pode ser o líder da organização criminosa; 2) e deve ser o primeiro a colaborar efetiva e eficazmente, ou seja, de modo que advenham os efeitos previstos na lei (identificação dos demais integrantes, recuperação dos bens etc.); 3) infração desconhecida pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária.

O Magistrado não participará das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, a fim de não ser comprometida sua imparcialidade. Mas, para que a colaboração possa produzir seus efeitos jurídicos, deverá ser homologada pelo Poder Judiciário (art. 4º, §§ 6º e 7º).

E o Magistrado, no caso de não oferecimento da denúncia, pode se negar a homologar o acordo em homenagem ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?

Entendemos que não. O princípio da obrigatoriedade, como já ocorria na Lei dos Juizados Especiais ao propiciar a transação penal, foi mitigado. Ao analisar a necessidade e adequação da medida, pode o Membro do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia. Caberá ao Magistrado apenas a análise da regularidade, legalidade e voluntariedade da medida. Não lhe é possível avaliar o mérito do acordo, mas apenas se as normas legais que o permeiam foram observadas.

Para o combate ao crime organizado houve necessidade de alterar dogmas até então reinantes em nosso sistema jurídico. O Membro do Ministério Público deve avaliar a necessidade de realização do acordo de colaboração com criminosos para que lhe seja possível apurar outros crimes, identificar demais participantes, recuperar proveito e produto de infrações penais, tudo de modo a desmantelar organizações criminosas, punir seus integrantes e prevenir novas infrações.

Por isso, em determinadas situações, é possível até mesmo deixar de processar um dos integrantes da organização criminosa, o que, antes da publicação da Lei 12.850/2013, era impensado em razão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

Até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, o prazo para oferecimento da denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual período, com a suspensão do respectivo prazo prescricional (art. 4º, § 3º).

Muito embora a colaboração premiada isoladamente não possa ensejar um édito condenatório, por meio dela podem ser obtidas outras provas, que a corroborarão ou não. Além de não poder levar à condenação quando for a única prova produzida a incriminar o delatado, a delação premiada também não poderá ser empregada para a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais ou para o recebimento da denúncia (art. 4º, § 16). Com efeito, as declarações do delator isoladamente não podem levar à decretação de nenhuma medida restritiva a direitos do delatado.

O acordo de colaboração premiada somente surtirá efeitos se for homologado judicialmente. Para tanto, o respectivo termo, instruído com as declarações do colaborador e cópia da investigação, será encaminhado ao Magistrado competente, que analisará sua regularidade, legalidade e voluntariedade, devendo, inclusive, ouvir sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor, a fim de verificar se o acordo foi realizado de forma voluntária. Também deverá ser verificado pelo Magistrado a adequação dos benefícios às hipóteses previstas no “caput” e nos §§ 4º e 5º do art. 4º. São nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena previsto no art. 33 do CP, suas regras e os requisitos para a progressão de regime não abrangidos pelo § 5º do mesmo dispositivo. Por fim, incumbe ao Magistrado analisar a adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do “caput” do art. 4º (art. 4º, § 7º).

Antes de conceder os benefícios acordados, a autoridade judiciária responsável pela homologação do acordo deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas da aplicação da pena, a fim de ser verificada previamente a viabilidade das medidas a serem adotadas. Excetua-se a essa regra quando no acordo for previsto o não oferecimento da denúncia ou se a sentença já houver sido prolatada (art. 4º, § 7º-A).

São nulas as previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória (art. 4º, § 7º-B).

Não atendidos os requisitos legais, o Magistrado poderá recusar a homologação, devolvendo o termo do acordo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias (art. 4º, § 8º).

Caberá o acordo até mesmo após a sentença condenatória, mas, nesse caso, o Magistrado apenas poderá reduzir a pena até a metade ou determinar a progressão de regime prisional, ainda que ausentes os requisitos objetivos (art. 4º, § 5º). Nesse último caso, os requisitos subjetivos, que dizem respeito ao mérito, devem ser preenchidos. Isso porque a norma apenas antecipou o prazo para a promoção de regime. Não é razoável interpretá-la no sentido de ser autorizada a progressão sem nenhum critério, colocando em risco a sociedade ao inserir no regime semiaberto ou aberto aquele que não se encontra em condições de retornar ao convívio social por ainda ser perigoso ou não ter absorvido a terapêutica penal. Assim, somente aquele que se mostrar merecedor é que poderá ser progredido de regime prisional, cabendo ao magistrado das execuções penais essa análise e não ao juiz da instrução, que não é competente para decidir questões afetas à execução da pena. Dessa forma, o juiz da instrução por onde tramitou o processo é o competente para celebrar o acordo após o trânsito em julgado da condenação, determinando a redução da pena ou a progressão de regime, mediante a antecipação do lapso para o benefício; porém, o mérito para a progressão será analisado pelo juiz das execuções penais, que poderá indeferi-la no caso de sua ausência. Não vemos como o juiz das execuções penais ser o responsável pela homologação desse acordo por faltar-lhe competência, inclusive por sua rescisão ou retratação, além de não ter conhecimento do processo original e não atuar nas posteriores investigações ou processos resultantes da colaboração.

Homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre na presença de seu defensor, ser ouvido pelo Membro do Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia responsável pelas investigações (art. 4º, § 9º). Essa é a finalidade do acordo de colaboração premiada, ou seja, a busca de provas para o desmantelamento da organização criminosa, identificação e punição dos seus demais integrantes, recuperação do produto ou proveito do delito e até mesmo a libertação de eventual sequestrado.

O Magistrado poderá ouvir o colaborador, a requerimento das partes ou por iniciativa da Autoridade Policial, ainda que tenha sido beneficiado com perdão judicial ou não denunciado (art. 4º, § 12). Assim, a qualquer momento, sendo necessário para esclarecimentos de fatos apurados em processo judicial, será possível a oitiva do colaborador.

Nos depoimentos prestados perante o Magistrado, Membro do Ministério Público ou Autoridade Policial, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade (art. 4º, § 14), o que permite seja processado por crime de falso testemunho previsto no art. 342 do Código Penal.

Para que a colaboração tenha maior peso na formação da convicção do Magistrado e denote sua voluntariedade, é recomendável, sempre que possível, seja o ato registrado por meio de recursos de gravação eletrônica. Porém, o registro das tratativas e dos atos de colaboração, além do registro por meio de gravação eletrônica, pode ser realizado por gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador (art. 4º, § 13). Com isso, todos os detalhes do depoimento poderão ser vistos e/ou ouvidos.

A fim de ser preservada a voluntariedade e legalidade da medida, o colaborador, em todos os atos de negociação e depoimentos que prestar, deverá ser acompanhado por seu Defensor (art. 4º, § 15).

Para a garantia do contraditório e da ampla defesa, deve ser permitido ao réu delatado em todas as fases do processo a oportunidade de se manifestar após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou (art. 4º, § 10-A).

É possível às partes se retratarem da proposta, ocasião em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser empregadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10). Isso pode ocorrer quando as partes se arrependem do acordado por algum motivo. Nesta hipótese, a prova colecionada produzida pelo colaborador poderá ser empregada contra outras pessoas, mas não contra ele. Como a colaboração é um ato jurídico bilateral, um acordo de vontades, é possível a retratação, que é ato lícito e, por isso, as provas trazidas pelo colaborador não podem prejudicá-lo, mas, certamente, podem sem empregadas em seu favor, vez que por ele produzidas.

Como a retratação implica arrependimento, é possível até a homologação judicial do acordo de colaboração premiada. Note-se, aliás, que a norma diz que as partes podem se retratar da proposta e não do acordo. Após essa fase, havendo descumprimento das obrigações estabelecidas no acordo, poderá ser requerida pelo Membro do Ministério Público sua rescisão, que será apreciada pelo Magistrado, após estabelecido o contraditório e a ampla defesa em procedimento próprio (art. 4º, § 17). Neste caso, demonstrada a omissão dolosa do colaborador sobre os fatos objetos da colaboração, além de possibilitar a rescisão do acordo, as provas produzidas poderão ser empregadas também em seu desfavor, uma vez que não se trata de retratação, mas de rescisão do pactuado pelo descumprimento das condições impostas. Não é dado ao colaborador se beneficiar da própria torpeza.

Também é pressuposto do acordo de colaboração que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração. Do contrário, o acordo poderá ser rescindido (art. 4º, § 18).

São direitos do colaborador (art. 5º): I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; VI – cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O termo de colaboração premiada será sempre redigido por escrito e deverá conter (art. 6º): I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III – a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

A medida será inicialmente sigilosa a fim de ser preservada a eficácia da investigação e a segurança do colaborar e de sua família. Para isso, o pedido de sua homologação será distribuído sigilosamente, contendo apenas dados e informações que não permitam a identificação do colaborador e o objeto da investigação. Todas as informações da colaboração deverão ser pormenorizadas e diretamente dirigidas ao juiz que recair a distribuição, que terá o prazo de 48 horas para proferir decisão. O acesso aos autos, por ser procedimento sigiloso, será restrito ao Magistrado, ao Membro do Ministério Público e ao Delegado de Polícia responsável pela investigação. O Defensor do colaborador, na defesa do seu representado, terá amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, sempre com autorização judicial. O Defensor, para que não seja comprometida a investigação, não terá acesso às diligências ainda em andamento. Recebida a denúncia ou a queixa-crime, em homenagem ao princípio da publicidade dos atos processuais, deve o Magistrado levantar o sigilo, observados os direitos do colaborador previstos no art. 5º, desde que não exista outro motivo para sua manutenção. Antes do recebimento da inicial acusatória é vedado ao Magistrado decidir pela publicidade dos termos do acordo e dos depoimentos do colaborador em qualquer hipótese (art. 7º).

Homologado judicialmente o acordo de colaboração premiada e cumpridos os seus termos não é possível ao Magistrado deixar de observá-lo por ocasião da prolação da sentença condenatória. Por isso, antes de homologar o acordo, deve o Magistrado atentar para que todos os requisitos legais sejam observados.

Entender que pode o Magistrado rever e alterar os termos do acordo já homologado judicialmente levará o instituto ao descrédito, uma vez que o investigado ou acusado não poderá confiar em seus termos, ocasionando insegurança jurídica. Justamente para que isso não ocorra é que a lei prevê a homologação judicial, ocasião na qual o acordo poderá ser rejeitado ou adequado pelo Juiz quando contiver vícios que o tornem legalmente inexequível. Aliás, antes de rejeitar a homologação do acordo, deve o Magistrado devolver o termo às partes para que sejam feitas as adequações necessárias.

Da decisão que homologar o acordo ou rejeitar sua homologação em primeiro grau, cabe apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do Código de Processo Penal. Não é cabível o recurso em sentido estrito por não estar a hipótese expressamente elencada no art. 581 do Código de Processo Penal e nem há nos seus incisos situação semelhante àquela prevista no art. 4º, § 8º, da Lei nº 12.850/2013. Também não é possível a interposição de correição parcial, uma vez que a decisão não causa inversão tumultuária no processo. Assim, como a decisão tem força de definitiva, tanto que impede ou homologa o acordo, cabível se faz a apelação, como, aliás, já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto a hipótese de recusa da homologação ( REsp 1834215/RS, 6ª T., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, v.u., j. em 27.10.2015).

No caso de decisão monocrática do relator nos tribunais, o recurso cabível para essas hipóteses é o agravo interno, com fundamento no artigo 1021 do Código de Processo Civil.

As normas de direito material que cuidam da colaboração premiada em leis especiais devem ser observadas, aplicando-se a elas, quando omissas, as regras gerais processuais previstas na Lei nº 12.850/2013, que as regulamentarão nesse aspecto.

Como o instituto é relativamente novo em nosso país ainda trará algumas dúvidas de interpretação, mas nada que a jurisprudência não possa regulamentar à medida em que os casos forem levados ao Superior Tribunal de Justiça, responsável por sua uniformização no que é pertinente à legislação federal.

Opinião por César Dario Mariano da Silva

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