O italiano Antonio Gramsci, de vários títulos, em um dos seus mais célebres tratados, defendeu que "quando o velho mundo está morrendo e o novo tarda em aparecer, tem-se a meia luz perfeita por onde surgem os monstros". E tais, os monstros, no caso aqui posto para vossa apreciação (existem milhares deles, diga-se de passagem), podem ter o peso de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, jogar para os céus uma espessa fumaça vermelha e cavar mais de 40 quilômetros de um imenso buraco no mar, além de matar centenas de civis e mutilar outros tantos. Não se engane leitor, monstros da meia luz não andam sozinhos, antes de si aparecem o desgoverno, o desemprego, a fome e o desespero e depois de si, o completo esfacelamento do povo.
O monstro ao qual me refiro, nasceu na minha amada Beirute, dia 4 de agosto de 2020, em plena pandemia, em um espetáculo chocante assistido por milhares de pessoas ao redor do mundo. A explosão do principal porto do Líbano fez mais que os números mencionados acima, descortinou para o planeta um sistema corrupto e falho, gerado por um governo velho e cansado, em um modelo que não mais subsiste, mas que teima, sob o preço da morte do seu povo, a permanecer onde está.
Um ano após o acidente, o apocalipse está traçando seus contornos sombrios: a moeda libanesa caiu mais de 15 vezes em valor, a hiperinflação colocou os alimentos básicos fora do alcance da população, os remédios vitais não são encontrados e não há combustível suficiente para abastecer carros, tampouco o setor elétrico. As reservas do banco central libanês estão abaixo do limite obrigatório, anunciando o fim dos subsídios para manter até mesmo a classe média. Fora isso, não existe governo, pois os ministérios estão acéfalos e não há concordância quanto aos nomes que se apresentam.
O velho ainda resiste, a despeito de ser diuturnamente, manjedoura de monstros.
E o novo não nasce. Onde está o novo?
Talvez não no local que se espera, mas no outro Líbano fora do Líbano.
Eu falo da diáspora libanesa, que entregou para o mundo milhares de cidadãos. O termo diáspora vem do grego e pode ser entendido como o movimento de semeadura, partindo de uma dispersão. Desse movimento, aproximadamente 10 milhões de brasileiros se originaram. Sim, existem mais libaneses e seus descendentes no Brasil do que no próprio Líbano, cujo território mede exatos 10.452 km², menor que a Sergipe nacional.
Esse libanês fora do Líbano, plantado em outra realidade política e econômica do que a atrás mencionada, pode ser o ponto de sustentação que o país precisa, a árvore de cedro para firmar as colunas daquela nação.Enquanto a ajuda global, unicamente por motivos políticos está empacada, os libaneses do planeta, não. E vemos a diáspora se movimentar. Em 2018, um relatório da consultoria globalMckinsey, encomendado pelo próprio governo, apontava a diáspora como um dos principais eixos econômicos do país, sendo que naquela ocasião a mesma se manifestava no verão com o turismo e nos recursos mensais enviados para as famílias. Hoje, os libaneses ao redor do mundo se prontificam de outra forma. No Brasil, um grupo de descendentes, filhos e netos, se debruça estudando formas e alcance de ajuda. Para além de ajuda humanitária, para além de remessa de numerário. É preciso subsistência. É preciso reerguer a alma libanesa, colar seus pedaços, aplacar sua dor. O Líbano precisa ouvir sobre o Líbano.
Libaneses deste solo, erguei-vos! Sejam vós verdadeiras sementes de cedro, dadas à construção e reconstrução do país que é a porta do Universo. O Líbano precisa ouvir você.
*Renata Abalém é advogada, diretora da Câmara de Comércio Brasil Líbano e neta de libaneses