As manchetes sobre as queimadas da Floresta Amazônica e a pressão de investidores internacionais para que o país adote medidas de coibição trazem apenas uma perspectiva - neste caso, negativa - da influência que o bioma pode exercer sobre a economia brasileira. Como um país mega biodiverso, o Brasil sempre exerceu papel de destaque nas negociações internacionais relacionadas à preservação do patrimônio genético dos países e à devida repartição de benefícios decorrente de seu uso sustentável, pautado pelos exemplos do desenvolvimento do captopril para tratamento de hipertensão a partir do veneno da jararaca e do uso do óleo do pau rosa na formulação do Chanel nº 5.
Na última quinta-feira o Senado votou favoravelmente ao Decreto Legislativo 324/20, que aprova o Protocolo de Nagoia no Brasil, após deliberação pela Câmara dos Deputados. O texto segue para promulgação pelo Presidente através de Decreto Federal.
O Protocolo de Nagoia é um acordo multilateral acessório à Convenção sobre Diversidade Biológica, celebrado na Rio 92, e visa implementar seu objetivo de repartição dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais a eles associados de forma justa e equitativa. Entrou em vigor em 12 de outubro de 2014 e, atualmente, fazem parte 124 países.
O Protocolo parte da premissa estabelecida na Convenção de que os países possuem direitos soberanos sobre os recursos genéticos existentes em seu território e podem exigir o cumprimento de requisitos, bem como a repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização por indivíduos, empresas ou entidades governamentais em outros Estados parte. Estes devem tomar medidas para cumprir o que foi estabelecido pela legislação do país provedor.
Assim, os impactos na indústria nacional decorrentes da ratificação do Protocolo estão principalmente relacionados com o dever geral de conhecer e cumprir as obrigações estabelecidas pelo país provedor de um recurso genético estrangeiro ou conhecimentos tradicionais a ele associados.
Esse mesmo dever geral, por outro lado, deve ser aplicado à indústria estrangeira quando essa tem acesso à biodiversidade brasileira ou aos conhecimentos tradicionais a ela associados para o desenvolvimento e fabricação de produtos. Como resultado, o Protocolo tem o potencial de eliminar assimetrias que existam entre as indústrias nacionais e internacionais.
Tendo o Brasil assinado o Protocolo em 2011 e a respectiva mensagem presidencial sido encaminhada à apreciação ao Congresso Nacional em 2012, o atraso em sua ratificação pode ser atribuído à falta de consenso sobre seus impactos positivos ou negativos na economia nacional. Apesar da sua enorme biodiversidade, o país é grande usuário de recursos genéticos estrangeiros, por exemplo, na agricultura e pecuária.
Motivadas pela necessidade de gerar boa vontade internacional em relação ao país em matéria ambiental, as Frentes Parlamentares da Agropecuária e Ambientalista concordaram que a adesão do Brasil seria importante para garantir um lugar de voto nas discussões em curso sobre a implementação do acordo nos estados parte.
As questões em debate são, por exemplo, o escopo do Protocolo (se será aplicável apenas às espécies que entraram nos países após sua ratificação ou se serão abrangidas novas utilizações de espécies que já se encontravam nos países), a definição de pontos de controle e de informação a serem fornecidas (se os escritórios de patente, como o INPI, seriam uma das autoridades), como lidar com os recursos genéticos de biomas em áreas transfronteiriças e sequências genéticas digitais.
Destaque-se que a lei brasileira sobre a matéria, Lei 13123/2015, estabelece que a partilha dos benefícios previstos no Protocolo não se aplica à utilização de espécies introduzidas no país pela ação humana nas atividades da agroindústria. Limitou-se seu escopo na legislação nacional, procurando mitigar os impactos nesta área. Quando do envio do instrumento de ratificação, é importante que esta condição seja elencada em declaração pelo Executivo brasileiro, como fez a União Europeia.
Apesar do longo processo brasileiro de internalização do Protocolo de Nagoia, agora, as expectativas da ratificação elevam os ânimos e possibilitam uma participação ainda mais ativa do país nas decisões que regerão o acordo internacional, incluindo a definição de seu escopo.
*Viviane Kunisawa e Maria Eduarda dos Santos são, respectivamente, sócia e pesquisadora do Licks Attorneys