Inspirado por uma ação semelhante realizada pelo clube River Plate de Buenos Aires, o Inter, também conhecido como Clube do Povo, decidiu abrir as portas do seu ginásio para receber pessoas em situação de rua. Em parceria com a prefeitura, buscou todos os alvarás de funcionamento para acolher cerca de 300 pessoas nesta noite. O clube, ainda, convocou a sua torcida e toda população a fazer doações de colchões e cobertores para aumentar a capacidade de atendimento.
O Grêmio, seu arquirrival em campo, não poderia ficar parado. Rapidamente, o clube anunciou que estaria mandando na manhã seguinte um ônibus com mais 300 colchonetes e cobertores, além de café e sopa pra aumentar a capacidade de atendimento da iniciativa.
Quem conhece a rivalidade entre os dois clubes sabe que ela é digna de estar em qualquer lista das 10 principais do mundo. A atitude foi muito elogiada por torcedores dos dois clubes, transformando essa rivalidade em solidariedade.
Mas o que uma iniciativa simples e assistencialista, ainda que fundamental, de dois clubes de futebol tema ensinar para as grandes fundações e institutos empresariais que atuam no investimento social privado do Brasil?
O Brasil é cheio de exemplos de projetos e iniciativas com alto nível de excelência, em que o setor privado investe para o desenvolvimento social. Áreas como educação, saúde e assistência estão entre as prioridades das grandes fundações.
Segundo o Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), o volume total investido pelas principais fundações e institutos empresariais foi de R$ 2,9 bilhões. Cerca de 60% desse total é direcionado para programas e ações sociais próprios, ou seja, que foram criados e são gerenciados internamente.
O setor de investimento social privado brasileiro não deixa nada a dever, em termos de nível de excelência, aos países mais desenvolvidos. Não raro, grandes fundações e institutos investem pesado em processos de avaliação de impacto, comprovando a relevância social e a capacidade de retorno dos investimentos que realizam.
O que acontece é que, muitas vezes, cada instituto e fundação cria o seu próprio projeto, sua própria metodólogo. Diversos programas que atuam em áreas semelhantes possuem iniciativas parecidas, partem de fundamentos teóricos similares e, inclusive, comprovam impactos igualmente relevantes.
O esforço torna-se desarticulado devido a diferenças nos territórios de atuação - cada organização quer trabalhar a sua área de influência, processos metodológicos. Além disso, cada uma aparenta querer ter o mérito pela invenção de uma solução revolucionária, ou a área temática escolhida para o projeto, afinal assume-se que a resolução de problemas complexos se dará com uma "bala de prata" (ou empreendedorismo, ou tecnologia, ou gestão etc.).
Com isso, é comum que os investimentos sejam dispersos por escolhas das áreas técnicas. Investimentos que poderiam ser complementares, acabam sendo direcionados para lugares diferentes por simples falta de comunicação. Iniciativas que poderiam fortalecer organizações sociais de forma mais consistente e abrangente são dispersas entre uma infinidade de parcerias pontuais.
Iniciativas que conseguem atuar em conjunto com poder público o fazem sozinhas, enquanto que poderiam "carregar" outras boas práticas em conjunto, maximizando os seus impactos sociais. Organizações que apresentam diferenças de maturidade e capacidade de investimento preferem atuar de forma isolada a juntar esforços e crescer em conjunto.
Em alguns casos, estamos falando de institutos e fundações de empresas que na arena competitiva são concorrentes diretas. Em outros, estamos falando de empresas que são parceiras ou tem relação de cliente e fornecedor.
Parece que há uma falta de comunicação e organização intrasetorial. O compartilhamento superficial das boas práticas e a quase inexistente troca das práticas que fracassaram estimulam a criação de iniciativas próprias em detrimento do uso de soluções já validadas.
A falta de uma visão de compartilhamento de objetivos e complementaridade de impactos determina a busca pela realização de um trabalho isolado. Por fim, os egos de muitos profissionais são colocados acima do bem comum, o que parece impedir que esforços sejam melhor coordenados e atinjam maior impacto.
O que pode ser maior do que a rivalidade clubista, que por vezes é tão apaixonada que chega a ser cega e irracional?
É evidente que não estamos equiparando a iniciativa do Sport Club Internacional e do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense com os projetos realizados pelas grandes fundações e institutos empresariais do Brasil.
Os grandes clubes de futebol são bons em administrar suas equipes esportivas. A abertura do Gigantinho para pessoas em situação de rua em uma noite fria é uma ação de responsabilidade social que visa atender a uma demanda emergencial.
Futebol, assim como qualquer outro esporte, vai muito além do entretenimento. Esporte nos ensina a ganhar, a perder e a respeitar o adversário. Esportes coletivos como futebol nos ensinam o trabalho em equipe, a busca por objetivos, o mérito de se dedicar ao treino e de se traçar boas estratégias.
No caso da abertura do Gigantinho, temos mais uma vez uma ação do futebol que pode inspirar as nossas vidas. De nada adiantaria um clube abrir seu ginásio no Praia de Belas e o outra distribuir colchões e cobertores no Humaitá. Ou então, o Inter acolher pessoas de vermelho e o Grêmio pessoas de azul. O impacto é muito maior quando os dois clubes se unem, deixando a rivalidade de lado, inspiram suas enormes torcidas, trazendo o poder público e a sociedade civil em torno de uma única causa.
*Marcelo Nonohay é diretor da MGN, empresa especializada em projetos de transformação social, com atuação nas áreas de Voluntariado Empresarial, Diversidade e Educação