"Uma coisa que ninguém te avisa sobre o processo de luto. Minha mãe morreu faz três meses, e trabalhei todos os dias desde então. Mas hoje, absolutamente do nada, fui solapada por um sentimento profundo e incapacitante de desolação, vazio, solidão e saudade - tudo ao mesmo tempo", esse foi o relato de Bianca Kremer, consultora, professora e pesquisadora em Direito e Tecnologia no Twitter.
Vivemos tempos de medo, ansiedade, tristeza, exaustão, depressão, potencializados pela pandemia e o isolamento social. A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreveu em um fórum de seus impactos na saúde mental um cenário preocupante - o estresse causado pela instabilidade no bem estar social pode ter consequências enormes para o futuro.
Esses reflexos são vistos no Relatório da Felicidade Mundial, elaborado pelo Instituto de Pesquisas Gallup em parceria com a ONU com entrevistas com mais de 350 mil pessoas de 95 países em 2020. O documento aponta que a perturbação de vários aspectos da vida, a maior insegurança econômica e outros desafios impostos pela covid-19 provocaram uma alta de ansiedade e tristeza, mas ao contrário do que se imaginava, o índice de satisfação com a vida dos países em geral permaneceu estável. Entretanto, o Brasil caiu 12 posições em comparação ao ano anterior. Agora ocupa o 41º lugar, com a menor média desde 2005, quando o ranking foi criado.
E, claro, não tem como dissociar o resultado da queda de posições ao contexto político, social, econômico, ambiental e sanitário que estamos vivendo. Pela 1ª vez em 17 anos, mais da metade da população não tem garantia de comida na mesa. São 116,8 milhões de pessoas nessa situação de insegurança alimentar no Brasil, de acordo com pesquisa divulgada em abril pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que reúne pesquisadores e professores ligados à segurança alimentar. A pesquisa revela um processo de intensa aceleração da fome, com um crescimento que passa a ser de 27,6% ao ano entre 2018 e 2020. Entre 2013 e 2018, o aumento era de 8% ao ano. Chegamos ao final de 2020 com 19 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, ainda com chances de vir a piorar nos próximos meses.
E mais uma vez me pego pensando: qual é o papel que cabe às empresas e as lideranças empresariais em conter essa escalada? Não podemos naturalizar o que o Brasil está vivendo como uma fatalidade sobre a qual não se pode intervir.
O mês de setembro é marcado pelo Setembro Amarelo, campanha de prevenção do suicídio. Ela foi adotada no Brasil em 2015 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Centro de Valorização da Vida (CVV). Um mês marcado por sensibilizações no tema e identificação de quando emoções sinalizam quadros mais sérios. No dia 10 também é comemorado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, para levantar a necessidade de diálogo e empatia. O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial e não pode ser olhado de forma individualizada, ainda mais em uma sociedade machista, racista, LGBTfóbica, capacitista e com tantos desafios sociais.
Saúde mental e o trabalho
O trabalho se tornou parte central de nossas vidas e uma fonte adicional de sofrimento vêm das próprias organizações. Geralmente por meio de políticas como reestruturação ou redução do tamanho da empresa, ou como resultado de esforços de mudança e cargas de trabalho pesadas. Outras fontes comuns de sofrimento fluem de fora dos limites do trabalho, quando as pessoas sofrem de doenças, lesões, perdas, divórcio, pressões financeiras, vícios, lutos como o relato mencionado.
Problemas relacionados ao estresse são responsáveis por mais de 75% das consultas médicas, e as pressões no trabalho e preocupações financeiras são, de longe, os maiores causadores de estresse na vida contemporânea.
Tudo isso diz respeito à empresa. Não somos meros "robôs" que desligamos uma chavinha e agora esquecemos que temos um parente em casa doente ou que controlamos as nossas emoções apesar de estar com o coração despedaçado por estar saindo de uma separação dolorosa.
Quando se aceita e acolhe a ideia de que esse é um mundo competitivo e cruel, e que os negócios nada mais são do que pessoas querendo puxar o tapete umas das outras, que o trabalho e a vida são entidades separadas que precisam de equilíbrio e não de integração, o resultado é muito sofrimento. Qualquer que seja o nível de renda, quando não há significado e propósito, quando nos sentimos desumanizados e objetificados, experimentamos sofrimento em todos os níveis.
Em muitos treinamentos que conduzi dentro de organizações ouvi muito sofrimento especialmente vindo das mulheres sobre a falta de valorização de seus talentos e habilidades, de caprichos de gerentes que não entendiam as dificuldades de seu trabalho, da pressão de prazos e demandas excessivas, e de se sentirem constantemente desvalorizadas e desengajadas quando queriam que seu trabalho fosse mais significativo e melhor remunerado.
Eu não tenho dúvidas que é possível fazer diferente e que devemos começar capacitando lideranças humanizadas para atravessar os enormes desafios emocionais que virão entre gerações em um mundo pós-covid.
E o começo de tudo é a reconexão com as nossas emoções, os nossos sentidos e a nossa capacidade de ter compaixão pelas pessoas buscando ativamente enquanto líderes aliviar o sofrimento das pessoas no trabalho. Perceber que o sofrimento está presente em uma organização, dar sentido ao sofrimento de uma forma que contribua para o desejo de aliviá-lo, sentir uma preocupação empática com as pessoas que sofrem e agir para aliviar o sofrimento de alguma maneira.
Como diz Raj Sisodia, criador do movimento Capitalismo Consciente, "nossa tarefa deve ser a de nos libertar da prisão do sofrimento alargando nossos círculos de compaixão para envolver todas as criaturas vivas e o todo da natureza em sua beleza".
*Carine Roos, CEO e fundadora da Newa