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O que o whistleblower (denunciante) pode fazer no combate à corrupção no Brasil e por que até agora isso não aconteceu


Em 22 de outubro de 2020, a Securities & Exchange Commission (SEC), a CVM americana, anunciou o maior pagamento de recompensa já feito para um whistleblower (denunciante) nos Estados Unidos, no valor de US$ 114 milhões, mais de R$ 650 milhões em valores atuais. Bem mais do que a sonhada mega-sena. Desde seu primeiro prêmio, a SEC já pagou US$ 676 milhões a 108 denunciantes.

Por Alexandre Dalmasso

A palavra whistleblower, originária da língua inglesa, significa "o soprador de apito" e ganhou na última década uma relevância sem precedentes. Na França, a lei anticorrupção Sapin II, de 2016, reforça a importância de proteção do denunciante que divulgue, de boa-fé, alguma violação. Nos Estados Unidos, a lei centenária False Claims Act, de 1863, na área de cuidados com a saúde, permite ao denunciante ajuizar uma ação (denominada qui tam) em nome do governo americano e obter uma premiação de até 30% sobre o valor da penalidade, se assim for atribuído pelo juiz da causa. Mais recentemente, a Dodd-Frank Act, de 2010, reforçou o conceito de proteção do denunciante contra retaliação, e a instituição de premiações é de 10% a 30% sobre os valores das penalidades superiores a US$ 1 milhão.

Os efeitos, principalmente os resultantes da Dodd-Frank Act, foram notáveis na quantidade de denúncias, possibilitando a investigação e aplicação de sanções civis e criminais contra organizações e indivíduos, no setor público e privado, envolvidos especialmente em atos de corrupção, fraudes e lavagem de dinheiro. Organizações públicas e privadas precisaram investir recursos financeiros e humanos para solidificar culturas de compliance, com o propósito de evitar delitos e, por consequência, ações de denunciantes, dentre seus próprios colaboradores.

A verdade é que os países, por mais desenvolvidos que sejam, não possuem estruturas de auditoria e fiscalização eficazes o suficiente para identificar e reprimir os mais variados ilícitos. Muitas violações envolvem a conspiração de diversos atores, podendo contar, não raramente, com a participação de agentes públicos. Como, então, expandir a capacidade estatal para combater tais irregularidades? A resposta é: o whistleblower, ou, em "bom português", o denunciante ou informante.

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A ideia não é inteiramente inovadora no Brasil, pois os serviços de disque-denúncia em alguns Estados já partem do mesmo conceito ao solicitar o apoio da sociedade no combate ao crime, oferecendo anonimato e, por vezes, recompensa em dinheiro por informações na captura de procurados ou no resgate de vítimas. Em 10 de janeiro de 2018, foi sancionada a Lei 13.608, que dispunha sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliassem nas investigações policiais.

Porém, foi a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, resultante do pacote anticrime submetido à aprovação do Congresso Brasileiro, que trouxe a grande inovação que poderia mudar o panorama da corrupção e de outros delitos no Brasil, especialmente os de "colarinho branco". Ela alterou outra Lei, a 13.608, introduzindo a figura do informante. Criou dentre outras garantias para o mesmo: (i) proteção integral contra retaliações, estabelecendo sanções específicas para aquele que retaliar; (ii) isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao seu relato de boa-fé; e (iii) preservação da identidade. Ademais, a lei abriu a possibilidade de ser fixada uma recompensa em favor do informante de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo).

Por mais que a recompensa instituída seja tímida e condicionada à recuperação de valores públicos desviados por condutas delituosas, este é, indubitavelmente, um dos maiores avanços que o Brasil já teve no combate à corrupção e crimes correlatos. A pergunta a ser feita é: por que tal iniciativa não incrementou o combate à corrupção no Brasil?

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Primeiramente, por desconhecimento. Os dispositivos são desconhecidos da população e não há sequer divulgação pública de qualquer premiação a um informante, mesmo que preservando sua identidade. Outro motivo é a falta de confiança nos mecanismos para evitar a retaliação. Além disso, a lei não garante o pagamento da recompensa, facultativo ao poder discricionário da autoridade. E finalmente por falta de recursos públicos, tendo em vista que orçar tais valores, diante da imprevisibilidade do seu pagamento, acaba em regra forçando os responsáveis pela determinação do orçamento nas esferas federal, estadual, municipal e distrital a desconsiderá-los.

Já possuímos o diamante em estado bruto, que é o regramento sobre o informante (whistleblower). Falta lapidá-lo para que brilhe.

*Alexandre Dalmasso é sócio do escritório Licks Attorneys

A palavra whistleblower, originária da língua inglesa, significa "o soprador de apito" e ganhou na última década uma relevância sem precedentes. Na França, a lei anticorrupção Sapin II, de 2016, reforça a importância de proteção do denunciante que divulgue, de boa-fé, alguma violação. Nos Estados Unidos, a lei centenária False Claims Act, de 1863, na área de cuidados com a saúde, permite ao denunciante ajuizar uma ação (denominada qui tam) em nome do governo americano e obter uma premiação de até 30% sobre o valor da penalidade, se assim for atribuído pelo juiz da causa. Mais recentemente, a Dodd-Frank Act, de 2010, reforçou o conceito de proteção do denunciante contra retaliação, e a instituição de premiações é de 10% a 30% sobre os valores das penalidades superiores a US$ 1 milhão.

Os efeitos, principalmente os resultantes da Dodd-Frank Act, foram notáveis na quantidade de denúncias, possibilitando a investigação e aplicação de sanções civis e criminais contra organizações e indivíduos, no setor público e privado, envolvidos especialmente em atos de corrupção, fraudes e lavagem de dinheiro. Organizações públicas e privadas precisaram investir recursos financeiros e humanos para solidificar culturas de compliance, com o propósito de evitar delitos e, por consequência, ações de denunciantes, dentre seus próprios colaboradores.

A verdade é que os países, por mais desenvolvidos que sejam, não possuem estruturas de auditoria e fiscalização eficazes o suficiente para identificar e reprimir os mais variados ilícitos. Muitas violações envolvem a conspiração de diversos atores, podendo contar, não raramente, com a participação de agentes públicos. Como, então, expandir a capacidade estatal para combater tais irregularidades? A resposta é: o whistleblower, ou, em "bom português", o denunciante ou informante.

A ideia não é inteiramente inovadora no Brasil, pois os serviços de disque-denúncia em alguns Estados já partem do mesmo conceito ao solicitar o apoio da sociedade no combate ao crime, oferecendo anonimato e, por vezes, recompensa em dinheiro por informações na captura de procurados ou no resgate de vítimas. Em 10 de janeiro de 2018, foi sancionada a Lei 13.608, que dispunha sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliassem nas investigações policiais.

Porém, foi a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, resultante do pacote anticrime submetido à aprovação do Congresso Brasileiro, que trouxe a grande inovação que poderia mudar o panorama da corrupção e de outros delitos no Brasil, especialmente os de "colarinho branco". Ela alterou outra Lei, a 13.608, introduzindo a figura do informante. Criou dentre outras garantias para o mesmo: (i) proteção integral contra retaliações, estabelecendo sanções específicas para aquele que retaliar; (ii) isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao seu relato de boa-fé; e (iii) preservação da identidade. Ademais, a lei abriu a possibilidade de ser fixada uma recompensa em favor do informante de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo).

Por mais que a recompensa instituída seja tímida e condicionada à recuperação de valores públicos desviados por condutas delituosas, este é, indubitavelmente, um dos maiores avanços que o Brasil já teve no combate à corrupção e crimes correlatos. A pergunta a ser feita é: por que tal iniciativa não incrementou o combate à corrupção no Brasil?

Primeiramente, por desconhecimento. Os dispositivos são desconhecidos da população e não há sequer divulgação pública de qualquer premiação a um informante, mesmo que preservando sua identidade. Outro motivo é a falta de confiança nos mecanismos para evitar a retaliação. Além disso, a lei não garante o pagamento da recompensa, facultativo ao poder discricionário da autoridade. E finalmente por falta de recursos públicos, tendo em vista que orçar tais valores, diante da imprevisibilidade do seu pagamento, acaba em regra forçando os responsáveis pela determinação do orçamento nas esferas federal, estadual, municipal e distrital a desconsiderá-los.

Já possuímos o diamante em estado bruto, que é o regramento sobre o informante (whistleblower). Falta lapidá-lo para que brilhe.

*Alexandre Dalmasso é sócio do escritório Licks Attorneys

A palavra whistleblower, originária da língua inglesa, significa "o soprador de apito" e ganhou na última década uma relevância sem precedentes. Na França, a lei anticorrupção Sapin II, de 2016, reforça a importância de proteção do denunciante que divulgue, de boa-fé, alguma violação. Nos Estados Unidos, a lei centenária False Claims Act, de 1863, na área de cuidados com a saúde, permite ao denunciante ajuizar uma ação (denominada qui tam) em nome do governo americano e obter uma premiação de até 30% sobre o valor da penalidade, se assim for atribuído pelo juiz da causa. Mais recentemente, a Dodd-Frank Act, de 2010, reforçou o conceito de proteção do denunciante contra retaliação, e a instituição de premiações é de 10% a 30% sobre os valores das penalidades superiores a US$ 1 milhão.

Os efeitos, principalmente os resultantes da Dodd-Frank Act, foram notáveis na quantidade de denúncias, possibilitando a investigação e aplicação de sanções civis e criminais contra organizações e indivíduos, no setor público e privado, envolvidos especialmente em atos de corrupção, fraudes e lavagem de dinheiro. Organizações públicas e privadas precisaram investir recursos financeiros e humanos para solidificar culturas de compliance, com o propósito de evitar delitos e, por consequência, ações de denunciantes, dentre seus próprios colaboradores.

A verdade é que os países, por mais desenvolvidos que sejam, não possuem estruturas de auditoria e fiscalização eficazes o suficiente para identificar e reprimir os mais variados ilícitos. Muitas violações envolvem a conspiração de diversos atores, podendo contar, não raramente, com a participação de agentes públicos. Como, então, expandir a capacidade estatal para combater tais irregularidades? A resposta é: o whistleblower, ou, em "bom português", o denunciante ou informante.

A ideia não é inteiramente inovadora no Brasil, pois os serviços de disque-denúncia em alguns Estados já partem do mesmo conceito ao solicitar o apoio da sociedade no combate ao crime, oferecendo anonimato e, por vezes, recompensa em dinheiro por informações na captura de procurados ou no resgate de vítimas. Em 10 de janeiro de 2018, foi sancionada a Lei 13.608, que dispunha sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliassem nas investigações policiais.

Porém, foi a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, resultante do pacote anticrime submetido à aprovação do Congresso Brasileiro, que trouxe a grande inovação que poderia mudar o panorama da corrupção e de outros delitos no Brasil, especialmente os de "colarinho branco". Ela alterou outra Lei, a 13.608, introduzindo a figura do informante. Criou dentre outras garantias para o mesmo: (i) proteção integral contra retaliações, estabelecendo sanções específicas para aquele que retaliar; (ii) isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao seu relato de boa-fé; e (iii) preservação da identidade. Ademais, a lei abriu a possibilidade de ser fixada uma recompensa em favor do informante de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo).

Por mais que a recompensa instituída seja tímida e condicionada à recuperação de valores públicos desviados por condutas delituosas, este é, indubitavelmente, um dos maiores avanços que o Brasil já teve no combate à corrupção e crimes correlatos. A pergunta a ser feita é: por que tal iniciativa não incrementou o combate à corrupção no Brasil?

Primeiramente, por desconhecimento. Os dispositivos são desconhecidos da população e não há sequer divulgação pública de qualquer premiação a um informante, mesmo que preservando sua identidade. Outro motivo é a falta de confiança nos mecanismos para evitar a retaliação. Além disso, a lei não garante o pagamento da recompensa, facultativo ao poder discricionário da autoridade. E finalmente por falta de recursos públicos, tendo em vista que orçar tais valores, diante da imprevisibilidade do seu pagamento, acaba em regra forçando os responsáveis pela determinação do orçamento nas esferas federal, estadual, municipal e distrital a desconsiderá-los.

Já possuímos o diamante em estado bruto, que é o regramento sobre o informante (whistleblower). Falta lapidá-lo para que brilhe.

*Alexandre Dalmasso é sócio do escritório Licks Attorneys

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