Será que ainda existe quem não acredita em aquecimento global? Por incrível que pareça, ainda existem negacionistas. O que eles respondem para os incêndios que tomaram conta do Brasil entre final de agosto e início de setembro? Antes disso, qual a resposta deles para temperaturas superiores a quarenta graus registradas nos últimos meses?
Lamento informar aos terraplanistas, aos inimigos da vacina e demais ecologicamente iletrados, que, se o aquecimento global aumentar mais dois graus, “as calotas polares começarão a se desmanchar, 400 milhões de pessoas mais sofrerão com a escassez de água, cidades importantes na faixa equatorial do planeta se tornarão inabitáveis e mesmo em latitudes mais setentrionais, as ondas de calor matarão milhares de pessoas todo verão”. E esse, de acordo com David Wallace-Wells, autor de “A terra inabitável”, ainda é o melhor cenário.
Isso porque haverá trinta e duas vezes mais ondas de calor extremas na Índia e cada uma duraria cinco vezes mais, atingindo uma quantidade noventa e três vezes maior de pessoas. A Europa meridional viverá uma seca permanente e a seca média na América Central vai durar dezenove meses a mais e, no Caribe, vinte e um meses a mais. No Norte da África, a seca duraria sessenta vezes a mais. Ou seja: cinco anos! Haverá quem resista a isso?
E nós? O que nos aguarda? Já não haverá floresta a queimar. Oito milhões de novos casos de dengue e crise alimentar todos os anos. A mortalidade ligada ao calor se multiplicará. Seis desastres naturais provocados pelo clima ocorrerão ao mesmo tempo e os prejuízos ultrapassarão seiscentos trilhões de dólares. Mais riqueza do que há no mundo hoje. Sem falar nos conflitos e guerras que surgirão por escassez hídrica e luta para ficar nos últimos espaços vivíveis.
Tais consequências parecem zombar de nós e de nossa falsa percepção da realidade. “Os dramas ecológicos desencadeados por nosso uso da terra e a queima de combustíveis fósseis - lentamente por cerca de um século e muito rapidamente por apenas algumas décadas - continuarão a se desenrolar ao longo de muitos milênios, na verdade por um período de tempo maior do que a presença dos seres humanos no planeta, e vividos em parte por criaturas e em ambientes que ainda sequer conhecemos, trazidos ao palco planetário pela força do aquecimento”.
Não sinto qualquer preocupação que possa considerar o aviso da ciência, mobilizada pela ONU para sacudir a humanidade e fazê-la ter mais juízo: “O ponto mais extremo da estimativa de probabilidade de 2014 das Nações Unidas para um cenário inalterado de fim de século - o pior cenário resultado do pior cenário de emissões - nos deixa em oito por cento de aumento da temperatura global”. É um calor desumano. As pessoas não resistirão. Ou se acredita na resiliência sobrenatural do corpo da espécie que se considera racional?
Antes do morticínio generalizado, os oceanos aumentarão mais de sessenta metros e inundarão dois terços das principais cidades mundiais da atualidade. Não sobrará espaço no planeta para produzir, com eficiência, a quantidade de alimentos de acordo com o que consumimos hoje. O “celeiro do mundo” terá sido um delírio.
Na verdade, o planeta deveria se chamar “Água”, pois setenta por cento de sua superfície é coberta desse líquido precioso, que não sabemos preservar. E que, ao que tudo indica, irá nos faltar, muito antes de que se concretize o cenário dantesco delineado pelas evidências científicas. A humanidade egoísta, narcisista e consumista não acordou para uma realidade incontestável: pode-se viver sem petróleo. Não se pode viver sem água.
O que pensarão de nós aqueles que, se tiverem sorte, nos sucederão? Nós, que nos consideramos civilizados, eruditos, dominadores da tecnologia, proficientes artífices e utentes da Inteligência Artificial, não tivemos sequer o mínimo de inteligência natural para nos precaver?
Não faltou clareza à ciência para admoestar esse animal teimoso, que está se mostrando mais animalesco do que aficcionado ao bom senso e ao juízo comum, quanto às consequências desta conjugação maligna de destruição da natureza e da demasiada e crescente emissão do veneno que apressa a nossa morte.
Tivemos exemplo recentíssimo do que significa incendiar, entregar a terra às chamas, por um requinte de crueldade que nos equipara a seres satânicos. Tudo indica o nosso irreversível ingresso no século infernal. Como sairemos dele?