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Opinião|O sequestro da pauta anticorrupção pela extrema direita: o caso da Finlândia


Por Kleber Carrilho
Kleber Carrilho. Foto: Inac/Divulgação

Nos últimos anos, em diversos lugares do mundo, a extrema direita conseguiu chegar ao poder. Se não estão liderando governos, como acontece agora na Itália e na Hungria e já ocorreu no Brasil e nos EUA, estão fazendo parte da elite política e definindo os rumos de países que, até pouco tempo, não tinham ideia de que poderiam ter grupos que viviam à margem do sistema político no centro das decisões.

Em muitos desses casos, o discurso dos partidos da extrema direita nas eleições em que foram bem sucedidos inclui um tema: a luta anticorrupção. Mesmo em países em que a corrupção é quase inexistente, esses grupos desenvolveram, principalmente com o auxílio das redes sociais, uma narrativa de que as elites políticas são corruptas, roubam o povo, e portanto seus "verdadeiros representantes" precisam fazer parte do governo. E, nestas narrativas, os representantes legítimos do povo são eles mesmos, as "pessoas comuns" que deixaram de lado as suas vidas para se sacrificarem pela política.

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É claro que você conhece esse tipo de discurso, pois já o ouviu da boca de Jair Bolsonaro em 2018, além de ter contato com essa ideia na comunicação de Donald Trump em 2016.

Para que se tenha uma ideia de como essa discussão passa longe da realidade verificada por institutos e pesquisas, quero falar do caso da Finlândia, que tenho observado de perto nos últimos meses. A extrema direita, que teve um crescimento expressivo na última década, conseguiu chegar em segundo lugar nas eleições de abril deste ano, ultrapassando a centro-esquerda que liderava o governo anterior e quase alcançando a direita, que conseguiu ter a maior votação e nomear o primeiro-ministro.

Durante toda a campanha, o partido de extrema direita Finlandeses Básicos (ou Verdadeiros), numa tradução livre de Perussuomalaiset, insistiram na questão da corrupção, além de apontarem para o risco dos benefícios sociais para os imigrantes e para os desempregados.

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O que é interessante é que a Finlândia, de acordo com a Transparência Internacional, esteve em primeiro lugar nas últimas décadas entre os países menos corruptos no Índice de Percepção da Corrupção, revezando a liderança com a Dinamarca. Além disso, casos em que há suspeita de corrupção entre membros do governo, como ocorreu em duas ocasiões no mandato anterior, resultam em afastamento imediato das funções, às vezes com casos que seriam risíveis se comparados a outras realidades, como o Brasil. São, por exemplo, situações em que contas são pagas com dinheiro público, mas não fica claro se elas deveriam ser consideradas despesas privadas, como o caso de uma assessoria de imagem de uma ex-ministra.

Porém, o que aconteceu durante a campanha eleitoral foi que, em nome da luta anticorrupção, a extrema direita colocou tudo o que era possível dentro dessa discussão. Auxiliados por partidos ainda mais à direita, que inclusive falaram de ideias fascistas abertamente, os Finlandeses Básicos conseguiram jogar toda a esquerda e o sistema de proteção social dentro de uma classificação de injustiça e permissividade que se aproximava de um conceito muito livre de corrupção. Mesmo discussões sobre destinação de recursos públicos de forma legal incluíram a corrupção como pano de fundo. Se o uso do dinheiro público era considerado errado pela visão da extrema direita, era corrupção.

Para esconder um nacionalismo que se associa claramente ao fascismo, o grito mais alto e o xingamento "corrupto" passaram a fazer parte dos discursos nas redes sociais de lideranças que faziam coro com a frustração e o medo, principalmente nas áreas rurais do país, que abandonaram um dos partidos mais tradicionais da política finlandesa, o Keskusta (que significa Centro), para abraçar a extrema direita.

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Agora, na formação do governo, depois de um tempo recorde de negociações, os partidos da centro-direita e da extrema direita não conseguem se entender, com propostas que se chocam, principalmente na área econômica, e não permitem construções de médio prazo, fundamentais para um governo que deveria durar quatro anos.

Ao chegar aos cargos de decisão, com o discurso vazio que apontava corrupção no governo anterior, mas não propunha políticas públicas claras, os influenciadores das redes não conseguem saber exatamente o que fazer para conseguir se manter no poder.

As manifestações contra o governo já começaram, principalmente quando posts e outros textos das lideranças da extrema direita foram relembradas, em que são vistos inclusive posicionamentos racistas, que envergonham uma parte importante dos finlandeses, que temem ser comparados com regimes autoritários, como a Hungria de Viktor Orban.

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O movimento da extrema direita não é novo, e já vinha sendo observado pelos acadêmicos finlandeses. Porém, o crescimento deles, principalmente após a pandemia da covid-19, não foi competentemente combatido pela esquerda e principalmente pelo centro, que foi quem mais perdeu votos. Grupos e pesquisas acadêmicas, como o Hub sobre Emoções, Populismo e Polarização, liderado por Emilia Palonen na Universidade de Helsinque, já mostravam que, com o uso das redes sociais com competência, a possibilidade de crescimento dos Finlandeses Básicos era algo provável.

Faltou, como em outros cantos do mundo e também no Brasil, uma capacidade de uso das redes sociais pelos democratas, com a intenção de combater a desinformação e as fakenews, o que é um desafio principalmente para evitar que a pauta da luta anticorrupção seja roubada. Afinal, quando ela é utilizada apenas como uma bandeira para acusar os outros, a verdadeira preocupação com os limites éticos da sociedade e da gestão pública fica esvaziada.

*Kleber Carrilho é cientista político (USP), doutor em Comunicação Social e pesquisador na Universidade de Helsinque (Finlândia)

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Kleber Carrilho. Foto: Inac/Divulgação

Nos últimos anos, em diversos lugares do mundo, a extrema direita conseguiu chegar ao poder. Se não estão liderando governos, como acontece agora na Itália e na Hungria e já ocorreu no Brasil e nos EUA, estão fazendo parte da elite política e definindo os rumos de países que, até pouco tempo, não tinham ideia de que poderiam ter grupos que viviam à margem do sistema político no centro das decisões.

Em muitos desses casos, o discurso dos partidos da extrema direita nas eleições em que foram bem sucedidos inclui um tema: a luta anticorrupção. Mesmo em países em que a corrupção é quase inexistente, esses grupos desenvolveram, principalmente com o auxílio das redes sociais, uma narrativa de que as elites políticas são corruptas, roubam o povo, e portanto seus "verdadeiros representantes" precisam fazer parte do governo. E, nestas narrativas, os representantes legítimos do povo são eles mesmos, as "pessoas comuns" que deixaram de lado as suas vidas para se sacrificarem pela política.

É claro que você conhece esse tipo de discurso, pois já o ouviu da boca de Jair Bolsonaro em 2018, além de ter contato com essa ideia na comunicação de Donald Trump em 2016.

Para que se tenha uma ideia de como essa discussão passa longe da realidade verificada por institutos e pesquisas, quero falar do caso da Finlândia, que tenho observado de perto nos últimos meses. A extrema direita, que teve um crescimento expressivo na última década, conseguiu chegar em segundo lugar nas eleições de abril deste ano, ultrapassando a centro-esquerda que liderava o governo anterior e quase alcançando a direita, que conseguiu ter a maior votação e nomear o primeiro-ministro.

Durante toda a campanha, o partido de extrema direita Finlandeses Básicos (ou Verdadeiros), numa tradução livre de Perussuomalaiset, insistiram na questão da corrupção, além de apontarem para o risco dos benefícios sociais para os imigrantes e para os desempregados.

O que é interessante é que a Finlândia, de acordo com a Transparência Internacional, esteve em primeiro lugar nas últimas décadas entre os países menos corruptos no Índice de Percepção da Corrupção, revezando a liderança com a Dinamarca. Além disso, casos em que há suspeita de corrupção entre membros do governo, como ocorreu em duas ocasiões no mandato anterior, resultam em afastamento imediato das funções, às vezes com casos que seriam risíveis se comparados a outras realidades, como o Brasil. São, por exemplo, situações em que contas são pagas com dinheiro público, mas não fica claro se elas deveriam ser consideradas despesas privadas, como o caso de uma assessoria de imagem de uma ex-ministra.

Porém, o que aconteceu durante a campanha eleitoral foi que, em nome da luta anticorrupção, a extrema direita colocou tudo o que era possível dentro dessa discussão. Auxiliados por partidos ainda mais à direita, que inclusive falaram de ideias fascistas abertamente, os Finlandeses Básicos conseguiram jogar toda a esquerda e o sistema de proteção social dentro de uma classificação de injustiça e permissividade que se aproximava de um conceito muito livre de corrupção. Mesmo discussões sobre destinação de recursos públicos de forma legal incluíram a corrupção como pano de fundo. Se o uso do dinheiro público era considerado errado pela visão da extrema direita, era corrupção.

Para esconder um nacionalismo que se associa claramente ao fascismo, o grito mais alto e o xingamento "corrupto" passaram a fazer parte dos discursos nas redes sociais de lideranças que faziam coro com a frustração e o medo, principalmente nas áreas rurais do país, que abandonaram um dos partidos mais tradicionais da política finlandesa, o Keskusta (que significa Centro), para abraçar a extrema direita.

Agora, na formação do governo, depois de um tempo recorde de negociações, os partidos da centro-direita e da extrema direita não conseguem se entender, com propostas que se chocam, principalmente na área econômica, e não permitem construções de médio prazo, fundamentais para um governo que deveria durar quatro anos.

Ao chegar aos cargos de decisão, com o discurso vazio que apontava corrupção no governo anterior, mas não propunha políticas públicas claras, os influenciadores das redes não conseguem saber exatamente o que fazer para conseguir se manter no poder.

As manifestações contra o governo já começaram, principalmente quando posts e outros textos das lideranças da extrema direita foram relembradas, em que são vistos inclusive posicionamentos racistas, que envergonham uma parte importante dos finlandeses, que temem ser comparados com regimes autoritários, como a Hungria de Viktor Orban.

O movimento da extrema direita não é novo, e já vinha sendo observado pelos acadêmicos finlandeses. Porém, o crescimento deles, principalmente após a pandemia da covid-19, não foi competentemente combatido pela esquerda e principalmente pelo centro, que foi quem mais perdeu votos. Grupos e pesquisas acadêmicas, como o Hub sobre Emoções, Populismo e Polarização, liderado por Emilia Palonen na Universidade de Helsinque, já mostravam que, com o uso das redes sociais com competência, a possibilidade de crescimento dos Finlandeses Básicos era algo provável.

Faltou, como em outros cantos do mundo e também no Brasil, uma capacidade de uso das redes sociais pelos democratas, com a intenção de combater a desinformação e as fakenews, o que é um desafio principalmente para evitar que a pauta da luta anticorrupção seja roubada. Afinal, quando ela é utilizada apenas como uma bandeira para acusar os outros, a verdadeira preocupação com os limites éticos da sociedade e da gestão pública fica esvaziada.

*Kleber Carrilho é cientista político (USP), doutor em Comunicação Social e pesquisador na Universidade de Helsinque (Finlândia)

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Kleber Carrilho. Foto: Inac/Divulgação

Nos últimos anos, em diversos lugares do mundo, a extrema direita conseguiu chegar ao poder. Se não estão liderando governos, como acontece agora na Itália e na Hungria e já ocorreu no Brasil e nos EUA, estão fazendo parte da elite política e definindo os rumos de países que, até pouco tempo, não tinham ideia de que poderiam ter grupos que viviam à margem do sistema político no centro das decisões.

Em muitos desses casos, o discurso dos partidos da extrema direita nas eleições em que foram bem sucedidos inclui um tema: a luta anticorrupção. Mesmo em países em que a corrupção é quase inexistente, esses grupos desenvolveram, principalmente com o auxílio das redes sociais, uma narrativa de que as elites políticas são corruptas, roubam o povo, e portanto seus "verdadeiros representantes" precisam fazer parte do governo. E, nestas narrativas, os representantes legítimos do povo são eles mesmos, as "pessoas comuns" que deixaram de lado as suas vidas para se sacrificarem pela política.

É claro que você conhece esse tipo de discurso, pois já o ouviu da boca de Jair Bolsonaro em 2018, além de ter contato com essa ideia na comunicação de Donald Trump em 2016.

Para que se tenha uma ideia de como essa discussão passa longe da realidade verificada por institutos e pesquisas, quero falar do caso da Finlândia, que tenho observado de perto nos últimos meses. A extrema direita, que teve um crescimento expressivo na última década, conseguiu chegar em segundo lugar nas eleições de abril deste ano, ultrapassando a centro-esquerda que liderava o governo anterior e quase alcançando a direita, que conseguiu ter a maior votação e nomear o primeiro-ministro.

Durante toda a campanha, o partido de extrema direita Finlandeses Básicos (ou Verdadeiros), numa tradução livre de Perussuomalaiset, insistiram na questão da corrupção, além de apontarem para o risco dos benefícios sociais para os imigrantes e para os desempregados.

O que é interessante é que a Finlândia, de acordo com a Transparência Internacional, esteve em primeiro lugar nas últimas décadas entre os países menos corruptos no Índice de Percepção da Corrupção, revezando a liderança com a Dinamarca. Além disso, casos em que há suspeita de corrupção entre membros do governo, como ocorreu em duas ocasiões no mandato anterior, resultam em afastamento imediato das funções, às vezes com casos que seriam risíveis se comparados a outras realidades, como o Brasil. São, por exemplo, situações em que contas são pagas com dinheiro público, mas não fica claro se elas deveriam ser consideradas despesas privadas, como o caso de uma assessoria de imagem de uma ex-ministra.

Porém, o que aconteceu durante a campanha eleitoral foi que, em nome da luta anticorrupção, a extrema direita colocou tudo o que era possível dentro dessa discussão. Auxiliados por partidos ainda mais à direita, que inclusive falaram de ideias fascistas abertamente, os Finlandeses Básicos conseguiram jogar toda a esquerda e o sistema de proteção social dentro de uma classificação de injustiça e permissividade que se aproximava de um conceito muito livre de corrupção. Mesmo discussões sobre destinação de recursos públicos de forma legal incluíram a corrupção como pano de fundo. Se o uso do dinheiro público era considerado errado pela visão da extrema direita, era corrupção.

Para esconder um nacionalismo que se associa claramente ao fascismo, o grito mais alto e o xingamento "corrupto" passaram a fazer parte dos discursos nas redes sociais de lideranças que faziam coro com a frustração e o medo, principalmente nas áreas rurais do país, que abandonaram um dos partidos mais tradicionais da política finlandesa, o Keskusta (que significa Centro), para abraçar a extrema direita.

Agora, na formação do governo, depois de um tempo recorde de negociações, os partidos da centro-direita e da extrema direita não conseguem se entender, com propostas que se chocam, principalmente na área econômica, e não permitem construções de médio prazo, fundamentais para um governo que deveria durar quatro anos.

Ao chegar aos cargos de decisão, com o discurso vazio que apontava corrupção no governo anterior, mas não propunha políticas públicas claras, os influenciadores das redes não conseguem saber exatamente o que fazer para conseguir se manter no poder.

As manifestações contra o governo já começaram, principalmente quando posts e outros textos das lideranças da extrema direita foram relembradas, em que são vistos inclusive posicionamentos racistas, que envergonham uma parte importante dos finlandeses, que temem ser comparados com regimes autoritários, como a Hungria de Viktor Orban.

O movimento da extrema direita não é novo, e já vinha sendo observado pelos acadêmicos finlandeses. Porém, o crescimento deles, principalmente após a pandemia da covid-19, não foi competentemente combatido pela esquerda e principalmente pelo centro, que foi quem mais perdeu votos. Grupos e pesquisas acadêmicas, como o Hub sobre Emoções, Populismo e Polarização, liderado por Emilia Palonen na Universidade de Helsinque, já mostravam que, com o uso das redes sociais com competência, a possibilidade de crescimento dos Finlandeses Básicos era algo provável.

Faltou, como em outros cantos do mundo e também no Brasil, uma capacidade de uso das redes sociais pelos democratas, com a intenção de combater a desinformação e as fakenews, o que é um desafio principalmente para evitar que a pauta da luta anticorrupção seja roubada. Afinal, quando ela é utilizada apenas como uma bandeira para acusar os outros, a verdadeira preocupação com os limites éticos da sociedade e da gestão pública fica esvaziada.

*Kleber Carrilho é cientista político (USP), doutor em Comunicação Social e pesquisador na Universidade de Helsinque (Finlândia)

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Kleber Carrilho. Foto: Inac/Divulgação

Nos últimos anos, em diversos lugares do mundo, a extrema direita conseguiu chegar ao poder. Se não estão liderando governos, como acontece agora na Itália e na Hungria e já ocorreu no Brasil e nos EUA, estão fazendo parte da elite política e definindo os rumos de países que, até pouco tempo, não tinham ideia de que poderiam ter grupos que viviam à margem do sistema político no centro das decisões.

Em muitos desses casos, o discurso dos partidos da extrema direita nas eleições em que foram bem sucedidos inclui um tema: a luta anticorrupção. Mesmo em países em que a corrupção é quase inexistente, esses grupos desenvolveram, principalmente com o auxílio das redes sociais, uma narrativa de que as elites políticas são corruptas, roubam o povo, e portanto seus "verdadeiros representantes" precisam fazer parte do governo. E, nestas narrativas, os representantes legítimos do povo são eles mesmos, as "pessoas comuns" que deixaram de lado as suas vidas para se sacrificarem pela política.

É claro que você conhece esse tipo de discurso, pois já o ouviu da boca de Jair Bolsonaro em 2018, além de ter contato com essa ideia na comunicação de Donald Trump em 2016.

Para que se tenha uma ideia de como essa discussão passa longe da realidade verificada por institutos e pesquisas, quero falar do caso da Finlândia, que tenho observado de perto nos últimos meses. A extrema direita, que teve um crescimento expressivo na última década, conseguiu chegar em segundo lugar nas eleições de abril deste ano, ultrapassando a centro-esquerda que liderava o governo anterior e quase alcançando a direita, que conseguiu ter a maior votação e nomear o primeiro-ministro.

Durante toda a campanha, o partido de extrema direita Finlandeses Básicos (ou Verdadeiros), numa tradução livre de Perussuomalaiset, insistiram na questão da corrupção, além de apontarem para o risco dos benefícios sociais para os imigrantes e para os desempregados.

O que é interessante é que a Finlândia, de acordo com a Transparência Internacional, esteve em primeiro lugar nas últimas décadas entre os países menos corruptos no Índice de Percepção da Corrupção, revezando a liderança com a Dinamarca. Além disso, casos em que há suspeita de corrupção entre membros do governo, como ocorreu em duas ocasiões no mandato anterior, resultam em afastamento imediato das funções, às vezes com casos que seriam risíveis se comparados a outras realidades, como o Brasil. São, por exemplo, situações em que contas são pagas com dinheiro público, mas não fica claro se elas deveriam ser consideradas despesas privadas, como o caso de uma assessoria de imagem de uma ex-ministra.

Porém, o que aconteceu durante a campanha eleitoral foi que, em nome da luta anticorrupção, a extrema direita colocou tudo o que era possível dentro dessa discussão. Auxiliados por partidos ainda mais à direita, que inclusive falaram de ideias fascistas abertamente, os Finlandeses Básicos conseguiram jogar toda a esquerda e o sistema de proteção social dentro de uma classificação de injustiça e permissividade que se aproximava de um conceito muito livre de corrupção. Mesmo discussões sobre destinação de recursos públicos de forma legal incluíram a corrupção como pano de fundo. Se o uso do dinheiro público era considerado errado pela visão da extrema direita, era corrupção.

Para esconder um nacionalismo que se associa claramente ao fascismo, o grito mais alto e o xingamento "corrupto" passaram a fazer parte dos discursos nas redes sociais de lideranças que faziam coro com a frustração e o medo, principalmente nas áreas rurais do país, que abandonaram um dos partidos mais tradicionais da política finlandesa, o Keskusta (que significa Centro), para abraçar a extrema direita.

Agora, na formação do governo, depois de um tempo recorde de negociações, os partidos da centro-direita e da extrema direita não conseguem se entender, com propostas que se chocam, principalmente na área econômica, e não permitem construções de médio prazo, fundamentais para um governo que deveria durar quatro anos.

Ao chegar aos cargos de decisão, com o discurso vazio que apontava corrupção no governo anterior, mas não propunha políticas públicas claras, os influenciadores das redes não conseguem saber exatamente o que fazer para conseguir se manter no poder.

As manifestações contra o governo já começaram, principalmente quando posts e outros textos das lideranças da extrema direita foram relembradas, em que são vistos inclusive posicionamentos racistas, que envergonham uma parte importante dos finlandeses, que temem ser comparados com regimes autoritários, como a Hungria de Viktor Orban.

O movimento da extrema direita não é novo, e já vinha sendo observado pelos acadêmicos finlandeses. Porém, o crescimento deles, principalmente após a pandemia da covid-19, não foi competentemente combatido pela esquerda e principalmente pelo centro, que foi quem mais perdeu votos. Grupos e pesquisas acadêmicas, como o Hub sobre Emoções, Populismo e Polarização, liderado por Emilia Palonen na Universidade de Helsinque, já mostravam que, com o uso das redes sociais com competência, a possibilidade de crescimento dos Finlandeses Básicos era algo provável.

Faltou, como em outros cantos do mundo e também no Brasil, uma capacidade de uso das redes sociais pelos democratas, com a intenção de combater a desinformação e as fakenews, o que é um desafio principalmente para evitar que a pauta da luta anticorrupção seja roubada. Afinal, quando ela é utilizada apenas como uma bandeira para acusar os outros, a verdadeira preocupação com os limites éticos da sociedade e da gestão pública fica esvaziada.

*Kleber Carrilho é cientista político (USP), doutor em Comunicação Social e pesquisador na Universidade de Helsinque (Finlândia)

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Kleber Carrilho. Foto: Inac/Divulgação

Nos últimos anos, em diversos lugares do mundo, a extrema direita conseguiu chegar ao poder. Se não estão liderando governos, como acontece agora na Itália e na Hungria e já ocorreu no Brasil e nos EUA, estão fazendo parte da elite política e definindo os rumos de países que, até pouco tempo, não tinham ideia de que poderiam ter grupos que viviam à margem do sistema político no centro das decisões.

Em muitos desses casos, o discurso dos partidos da extrema direita nas eleições em que foram bem sucedidos inclui um tema: a luta anticorrupção. Mesmo em países em que a corrupção é quase inexistente, esses grupos desenvolveram, principalmente com o auxílio das redes sociais, uma narrativa de que as elites políticas são corruptas, roubam o povo, e portanto seus "verdadeiros representantes" precisam fazer parte do governo. E, nestas narrativas, os representantes legítimos do povo são eles mesmos, as "pessoas comuns" que deixaram de lado as suas vidas para se sacrificarem pela política.

É claro que você conhece esse tipo de discurso, pois já o ouviu da boca de Jair Bolsonaro em 2018, além de ter contato com essa ideia na comunicação de Donald Trump em 2016.

Para que se tenha uma ideia de como essa discussão passa longe da realidade verificada por institutos e pesquisas, quero falar do caso da Finlândia, que tenho observado de perto nos últimos meses. A extrema direita, que teve um crescimento expressivo na última década, conseguiu chegar em segundo lugar nas eleições de abril deste ano, ultrapassando a centro-esquerda que liderava o governo anterior e quase alcançando a direita, que conseguiu ter a maior votação e nomear o primeiro-ministro.

Durante toda a campanha, o partido de extrema direita Finlandeses Básicos (ou Verdadeiros), numa tradução livre de Perussuomalaiset, insistiram na questão da corrupção, além de apontarem para o risco dos benefícios sociais para os imigrantes e para os desempregados.

O que é interessante é que a Finlândia, de acordo com a Transparência Internacional, esteve em primeiro lugar nas últimas décadas entre os países menos corruptos no Índice de Percepção da Corrupção, revezando a liderança com a Dinamarca. Além disso, casos em que há suspeita de corrupção entre membros do governo, como ocorreu em duas ocasiões no mandato anterior, resultam em afastamento imediato das funções, às vezes com casos que seriam risíveis se comparados a outras realidades, como o Brasil. São, por exemplo, situações em que contas são pagas com dinheiro público, mas não fica claro se elas deveriam ser consideradas despesas privadas, como o caso de uma assessoria de imagem de uma ex-ministra.

Porém, o que aconteceu durante a campanha eleitoral foi que, em nome da luta anticorrupção, a extrema direita colocou tudo o que era possível dentro dessa discussão. Auxiliados por partidos ainda mais à direita, que inclusive falaram de ideias fascistas abertamente, os Finlandeses Básicos conseguiram jogar toda a esquerda e o sistema de proteção social dentro de uma classificação de injustiça e permissividade que se aproximava de um conceito muito livre de corrupção. Mesmo discussões sobre destinação de recursos públicos de forma legal incluíram a corrupção como pano de fundo. Se o uso do dinheiro público era considerado errado pela visão da extrema direita, era corrupção.

Para esconder um nacionalismo que se associa claramente ao fascismo, o grito mais alto e o xingamento "corrupto" passaram a fazer parte dos discursos nas redes sociais de lideranças que faziam coro com a frustração e o medo, principalmente nas áreas rurais do país, que abandonaram um dos partidos mais tradicionais da política finlandesa, o Keskusta (que significa Centro), para abraçar a extrema direita.

Agora, na formação do governo, depois de um tempo recorde de negociações, os partidos da centro-direita e da extrema direita não conseguem se entender, com propostas que se chocam, principalmente na área econômica, e não permitem construções de médio prazo, fundamentais para um governo que deveria durar quatro anos.

Ao chegar aos cargos de decisão, com o discurso vazio que apontava corrupção no governo anterior, mas não propunha políticas públicas claras, os influenciadores das redes não conseguem saber exatamente o que fazer para conseguir se manter no poder.

As manifestações contra o governo já começaram, principalmente quando posts e outros textos das lideranças da extrema direita foram relembradas, em que são vistos inclusive posicionamentos racistas, que envergonham uma parte importante dos finlandeses, que temem ser comparados com regimes autoritários, como a Hungria de Viktor Orban.

O movimento da extrema direita não é novo, e já vinha sendo observado pelos acadêmicos finlandeses. Porém, o crescimento deles, principalmente após a pandemia da covid-19, não foi competentemente combatido pela esquerda e principalmente pelo centro, que foi quem mais perdeu votos. Grupos e pesquisas acadêmicas, como o Hub sobre Emoções, Populismo e Polarização, liderado por Emilia Palonen na Universidade de Helsinque, já mostravam que, com o uso das redes sociais com competência, a possibilidade de crescimento dos Finlandeses Básicos era algo provável.

Faltou, como em outros cantos do mundo e também no Brasil, uma capacidade de uso das redes sociais pelos democratas, com a intenção de combater a desinformação e as fakenews, o que é um desafio principalmente para evitar que a pauta da luta anticorrupção seja roubada. Afinal, quando ela é utilizada apenas como uma bandeira para acusar os outros, a verdadeira preocupação com os limites éticos da sociedade e da gestão pública fica esvaziada.

*Kleber Carrilho é cientista político (USP), doutor em Comunicação Social e pesquisador na Universidade de Helsinque (Finlândia)

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