É comum no ambiente militar que, tão logo haja a propagação da notícia de supostos fatos criminosos cometidos por integrantes das forças federais ou estaduais, ocorra forte mobilização da administração castrense para que rapidamente seja instaurado o (in)devido processo administrativo disciplinar, mesmo se haver finalização de inquéritos ou processos judiciais.
Geralmente a rapidez nesse tipo de situação se aplica a circunstâncias envolvendo as praças que, em sua grande maioria, não são agraciadas com a mesma ponderação que, por vezes, é direcionada aos oficiais, sobretudo aqueles de alto posto.
São notórias as acusações que recaem sobre o Tenente Coronel Mauro Cid, corroboradas nesse momento, pelo acordo celebrado com a Polícia Federal e Ministério Público Federal que acaba de receber chancela homologatória por parte do Ministro Alexandre de Moraes.
O Decreto 4.346 de 2002 que aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), aponta em seu artigo 14, parágrafo segundo que “As responsabilidades nas esferas cível, criminal e administrativa são independentes entre si e podem ser apuradas concomitantemente.”, dispositivo este que ao nesse sentir, foge à regra da razoabilidade, vez que em alguns casos, as perspectivas cíveis ou criminais que englobam determinadas demandas judiciais, não guardam nenhuma relação com a função militar, porém, nem sempre é assim que as instituições militares tratam a questão, fazendo valer de sua autonomia e independência para instaurar o (in)devido processo administrativo disciplinar.
No entanto, até o presente momento não tem sido esse o posicionamento do Exército Brasileiro com relação a situação do Tenente Coronel Mauro Cid que, mesmo diante de tantas acusações graves que redundaram inclusive em prisão preventiva, não se encontra submetido a nenhum processo administrativo disciplinar, pelo menos que seja de conhecimento público (incoerente seria atribuir sigilo ou reserva a um processo administrativo desse importe, dada a vasta conexão com atividades exercidas junto a Presidência da República), fato que sedimenta nossa percepção ou tese empírica de que quanto ao oficialato, “pau que dá em Chico, não dá Cid”.
Poderíamos citar vastos exemplos onde militares se encontram submetidos a PAD sem sequer haver uma condenação cível ou criminal em seu desfavor, restando os fatos ainda em sede de apuração pré-processual ou até mesmo processual, todavia, alguns inclusive excluídos das fileiras por meio de céleres hábeis processos administrativos disciplinares. Repita-se: em sua grande maioria praças.
Se eloquente ou condescendente, o silêncio da administração militar quanto ao caso de Mauro Cid pode nos abrir um precedente de arguição de tratamento isonômico em outros processos com roupagens até menos graves do que as que abarcam a situação do Tenente Coronel Cid. Lado outro, não deixa de causar estranheza porque até agora não há um processo administrativo instaurado contra o oficial.
Na linha do que entende a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as instâncias administrativa e penal são independentes entre si, salvo quando reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria na esfera criminal; é possível a utilização de prova emprestada no processo administrativo disciplinar, devidamente autorizada na esfera criminal, desde que produzida com observância do contraditório e do devido processo legal e; a autoridade administrativa pode aplicar a pena de demissão quando em processo administrativo disciplinar é apurada a prática de ato de improbidade por servidor público, tendo em vista a independência das instâncias civil, penal e administrativa.
Aguardemos cenas dos próximos capítulos, mesmo sabendo que até então o que resguarda disciplinarmente a situação de Mauro Cid, pode ser o que há tempos vivencia-se nas instituições militares, tratamento diferenciado entre praças oficiais, como condição de manutenção de corporativismo em gestão.
*Berlinque Cantelmo é empresário e advogado especialista em ciências criminais, compliance e gestão de pessoas com ênfase em competências do setor público. Aluno da Fundação Getúlio Vargas do MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law