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O STF e a ausência de critério na modulação dos efeitos das decisões sobre matéria tributária


Por Marco Behrndt e Daniela Arca
Marco Behrndt e Daniela Arca. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nesses anos de pandemia, muito se tem falado sobre o instituto da modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal - STF em matéria tributária, principalmente em relação à manutenção dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional para determinado período de tempo sob a justificativa de "excepcional interesse social". Até então, embora previsto no ordenamento, esse instituto era pouco utilizado pelo STF (na verdade, exceto nas conhecidas causas de Guerra Fiscal entre Estados decorrente de benefícios de ICMS instituídos sem convalidação por Convênio Confaz), prevalecendo, em muitas oportunidades, o posicionamento explícito do Min. Marco Aurélio contra a aplicação desse instituto: "Surge necessário resistir à mitigação dos pronunciamentos do Supremo, uma vez assentado o conflito de lei com a Constituição Federal. Toda norma editada em desarmonia com esta última é nula, natimorta"[1].

A modulação dos efeitos foi introduzida no ordenamento brasileiro pela lei que disciplina a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADC (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade), isto é, a Lei 9.868 de 10 de novembro  de 1999 ao prever que "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado"[2]. Como se sabe, como regra, a declaração da inconstitucionalidade de uma lei tem eficácia "ex tunc", isto é, retroage para a data em que a lei ou ato normativo inconstitucional foi editada, de forma a reconhecer a nulidade dessa norma desde o momento em que editada. Isso significa que todos os atos praticados com base em uma norma inconstitucional são invalidados.

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No entanto, a modulação dos efeitos é um instituto que tem como objetivo restringir os efeitos das decisões do STF, de forma que a sua eficácia ocorra a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado (eficácia "ex nunc"). Assim, por meio da modulação dos efeitos, garante-se que a norma declarada inconstitucional, por exemplo, produza efeitos até o marco temporal determinado pelo STF para que se inicie a eficácia da decisão que reconheceu sua inconstitucionalidade.

Importante dizer que esse instituto também foi introduzido no Código de Processo Civil do ano de 2015[3], o qual também passou prever expressamente a sua aplicação na hipótese de alteração de jurisprudência relevante do STF e dos Tribunais Superiores.

Ocorre que, durante os anos da pandemia do COVID-19, especificamente em 2021, observou-se um aumento significativo da adoção do instituto da modulação dos efeitos da decisão pelo STF em matérias tributárias, especialmente quando da prolação de decisões contrárias aos interesses da União Federal, Estados ou Municípios.

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Em simples palavras, em julgamentos de matéria tributária, o STF reconhece a inconstitucionalidade de determinada legislação, porém, determina a modulação de efeitos de sua decisão de forma que se aplique apenas em relação ao futuro, ressalvadas, muitas vezes, apenas as ações judiciais já propostas sobre o tema cujos efeitos, apenas para essas situações, retroagem a data em que a norma foi editada. Com esse tipo de modulação, de forma bem pragmática, o STF reconhece o direito de o Fisco cobrar o contribuinte com base em uma legislação reconhecidamente inconstitucional até determinado marco temporal, com exceção daqueles que propuseram ações para discutir a legitimidade da cobrança até esse marco temporal.

A par da discussão filosófica sobre a perpetuação dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional trazida no conceito do instituto da modulação de efeitos, um ponto que chama bastante a atenção é a ausência de um critério quanto ao marco temporal a ser adotado para início dos efeitos da decisão que reconhece a legislação como inconstitucional, seguida ainda de uma ausência de racional quanto ao marco temporal das situações que serão ressalvadas da aplicação do instituto da modulação dos efeitos da decisão.

Abaixo, apresentamos alguns julgamentos recentes em matéria tributária em que o STF determina a aplicação da modulação de efeitos da decisão, porém, para cada caso, sem ao menos uma justificativa única para tanto, adota marcos temporais diferentes para início dos efeitos da decisão que afasta a norma inconstitucional. E, ainda, como se verá, no momento de se determinar eventual exceção à modulação, o STF também adota marcos temporais diferentes.

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No ano de 2021, quando do julgamento dos embargos de declaração da tese do século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS - Tema 69), o STF modulou os efeitos da decisão que reconheceu o direito do contribuinte à exclusão do ICMS da base do PIS e da COFINS com efeitos a partir da data do julgamento, ocorrido em 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas propostas até essa mesma data.

Por sua vez, quando do julgamento do Tema 1093, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-DIFAL com base no Convênio ICMS 93/15 ante a ausência de edição de lei complementar. Apesar de o julgamento ter ocorrido em 24/02/2021 e o acórdão ter sido publicado em 25/05/2021, houve o reconhecimento pelo STF de que a decisão apenas produziria efeitos a partir do ano de 01/01/2022[4], perpetuando uma cobrança considerada inconstitucional não somente em relação ao passado, como, também para o ano de 2021 inteiro, sob a justificativa de um eventual prejuízo aos Estados, ressalvadas as ações judiciais em curso, propostas até a data do julgamento (24/02/2021).

Já no julgamento do Tema 745, ocorrido entre novembro e dezembro de 2021, o STF reconheceu que a alíquota do ICMS sobre as operações com energia elétrica (normalmente os Estados adotam a alíquota de 25% a 27%) não poderia ser fixada em patamar superior das operações em geral (17% ou 18%), diante da essencialidade da energia elétrica. Não obstante ser uma decisão de grande impacto a quase toda população brasileira por reduzir a alíquota do ICMS na operação com energia elétrica, o STF entendeu que a decisão apenas poderia produzir efeitos a partir do ano de 2024 (três anos após o julgamento![5]), de novo ao fundamento de eventual impacto financeiro, ressalvadas as ações judiciais propostas não mais até a data do julgamento como visto nos temas acima comentados, mas ressalvadas as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (05/02/2021).

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Outro exemplo, no mesmo ano de 2021, em relação ao tema 825 em que ficou reconhecido que é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar, o STF entendeu que a decisão deveria produzir efeitos a partir da data da publicação do acórdão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento. Veja que o fundamento dessa tese é semelhante ao tema 1093, ausência de lei complementar pelos Estados para suportar a cobrança, e o STF adotou marcos diferentes para a modulação.

E, agora, no ano de 2022, o STF quando do julgamento dos embargos de declaração do tema 962 em que reconheceu como inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, estabeleceu como marco temporal a data da publicação da ata de julgamento (ocorrida em 30/09/2021) para que a decisão tenha eficácia. Em relação às ações judiciais já propostas sobre o tema, o STF ressalvou da aplicação da modulação dos efeitos da decisão aquelas propostas até a data do início do julgamento de mérito (ocorrido em 17/09/2021)[6].

Ou seja, por meio dos julgamentos em referência, quando o contribuinte foi vitorioso na disputa com o Fisco, o STF optou por perpetuar a validade da cobrança de tributos instituídos por normas inconstitucionais ao reconhecer a eficácia "ex nunc" das decisões, a partir de marcos temporais diferentes (por exemplo, a partir da conclusão do julgamento, início do ano calendário subsequente e até para o início do ano de 2024). Caso o STF não tivesse modulado os efeitos da decisão nos julgamentos desfavoráveis ao Fisco, a decisão teria eficácia "ex tunc" e garantiria o direito de devolução dos valores nos últimos 05 anos (prazo prescricional) a qualquer contribuinte, independentemente da propositura de ação sobre o tema.

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E, para cada um dos julgamentos em referência, verifica-se a ausência de uma coerência quanto ao marco temporal para início dos efeitos da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da norma, na medida em que ora o STF adotou como marco temporal ora a data de início de julgamento, ora a data da conclusão do julgamento, ora a publicação da publicação da ata de julgamento, ora a publicação do acórdão.

E o efeito dessa ausência de coerência quanto ao marco temporal a ser adotado para fins de aplicação do instituto da modulação dos efeitos, diferente do que muitos pensam, levam os contribuintes a uma corrida ao Poder Judiciário, de forma a se propor o maior número possível de ações sobre temas que podem vir a ser analisados pelo STF e, assim, se garantirem de eventual decisão com efeitos "ex nunc".

Inclusive, essa preocupação com a modulação dos efeitos de decisão ao amparo do "excepcional interesse social" somente foi vista por ora em decisões contrárias ao Estado. Aqui importante uma observação, a par da discussão sobre o uso desse instituto pelo STF como ferramenta de política fiscal pelo nosso órgão máximo judicante e a perpetuação de normas inválidas no tempo, espera-se uma coerência e essa mesma análise e julgamento em causas contrárias ao interesse dos contribuintes, como, por exemplo, em relação ao tema 985, no qual ficou definido que as contribuições previdenciárias incidem sobre o terço constitucional de férias gozadas. Mencionado tema possuía jurisprudência pacífica do próprio STF e do STJ para afastar a incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias gozadas. Consequentemente, por ter alterado a jurisprudência até então pacífica, aguarda-se que o STF module os efeitos da decisão de forma a garantir que os contribuintes se aproveitem das decisões favoráveis, no mínimo, até o julgamento pelo STF. Essa foi a mesma justificativa utilizada pelo STF nos temas 69 e 1093 acima comentados para a aplicação da modulação, isto é, jurisprudência favorável aos Estados antes do julgamento pelo STF.

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Enfim, em prol da segurança jurídica, o instituto da modulação dos efeitos da decisão, que, aparentemente, está entrando definitivamente nos costumes do STF em julgamento de matéria tributária, deve se basear, na medida do possível, em critérios uníssonos e conhecidos da sociedade para definição do seu marco temporal de início de vigência, inclusive para se evitar ainda mais injustiças na perpetuação de normas inválidas em nosso sistema.

*Marco Behrndt é sócio da área tributária; Daniela Arca é advogada sênior da área no Machado Meyer Advogados

[1] No julgamento dos segundos Embargos de Declaração na ADI nº 3674 - RJ, Tribunal Pleno, julgamento 05/08/2020.

[2] No julgamento do RE 638.115, o STF decidiu que para modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, bastaria o quórum de maioria (seis votos) dos membros do STF, de forma que o quórum de maioria qualificada (oito voto) somente em caso de inconstitucionalidade de norma em julgamento nas ações diretas de inconstitucionalidade.

[3] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...)

  • 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[4] "Não obstante o vácuo normativo ocasionado pela inexistência de lei complementar, é fato que os estados continuaram a poder cobrar o ICMS com base nas cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do convênio. No caso dos autos, não há dúvida de que uma miríade de operações foi tributada nos moldes da Lei distrital nº 5.546/15, a qual previu a cobrança do DIFAL em tela pelo Distrito Federal e dessas outras cláusulas do Convênio. Além do mais, é imprescindível recordar que a EC nº 87/15 e o convênio impugnado, o qual a regulamentou, vieram com o objetivo de melhor distribuir entre os estados e o Distrito Federal parcela da renda advinda do ICMS nas operações e prestações interestaduais. Nesse sentido, a ausência de modulação dos efeitos da decisão fará com que os estados e o Distrito Federal experimentem situação inquestionavelmente pior do que aquela na qual se encontravam antes da emenda constitucional (RE 1287019, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[5] Em relação ao ICMS sobre energia elétrica, verifica-se que a adoção da tese de repercussão geral acima impactará, de maneira relevante, as finanças de diversos estados, sendo certo, afora isso, que várias unidades federadas editaram leis em dissonância com tal tese, gerando receitas e expectativas de receitas até então tidas legítimas" (RE 714130, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[6] No presente caso, julgo ser mais adequado adotar como marco o dia no qual se iniciou o julgamento do mérito. De um lado, isso prestigiará aqueles que já haviam ingressado com ação até essa data. Do outro lado, não serão ressalvadas as ações ajuizadas após esse marco. Ainda nesse contexto, cumpre realçar o que disse a União. O movimento de judicialização visando-se, principalmente, a recuperação dos valores pagos a título das tributações declaradas inconstitucionais muito se intensificou durante o próprio julgamento do mérito do presente tema. A proposta de modulação sugerida visa a combater tal espécie de corrida ao Poder Judiciário, a qual me parece muito prejudicial, considerando as citadas particularidades do presente tema e o contexto econômico-social no qual se encontra o País. (RE 1063187 ED, Relator Min. Dias Toffoli).

Marco Behrndt e Daniela Arca. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nesses anos de pandemia, muito se tem falado sobre o instituto da modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal - STF em matéria tributária, principalmente em relação à manutenção dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional para determinado período de tempo sob a justificativa de "excepcional interesse social". Até então, embora previsto no ordenamento, esse instituto era pouco utilizado pelo STF (na verdade, exceto nas conhecidas causas de Guerra Fiscal entre Estados decorrente de benefícios de ICMS instituídos sem convalidação por Convênio Confaz), prevalecendo, em muitas oportunidades, o posicionamento explícito do Min. Marco Aurélio contra a aplicação desse instituto: "Surge necessário resistir à mitigação dos pronunciamentos do Supremo, uma vez assentado o conflito de lei com a Constituição Federal. Toda norma editada em desarmonia com esta última é nula, natimorta"[1].

A modulação dos efeitos foi introduzida no ordenamento brasileiro pela lei que disciplina a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADC (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade), isto é, a Lei 9.868 de 10 de novembro  de 1999 ao prever que "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado"[2]. Como se sabe, como regra, a declaração da inconstitucionalidade de uma lei tem eficácia "ex tunc", isto é, retroage para a data em que a lei ou ato normativo inconstitucional foi editada, de forma a reconhecer a nulidade dessa norma desde o momento em que editada. Isso significa que todos os atos praticados com base em uma norma inconstitucional são invalidados.

No entanto, a modulação dos efeitos é um instituto que tem como objetivo restringir os efeitos das decisões do STF, de forma que a sua eficácia ocorra a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado (eficácia "ex nunc"). Assim, por meio da modulação dos efeitos, garante-se que a norma declarada inconstitucional, por exemplo, produza efeitos até o marco temporal determinado pelo STF para que se inicie a eficácia da decisão que reconheceu sua inconstitucionalidade.

Importante dizer que esse instituto também foi introduzido no Código de Processo Civil do ano de 2015[3], o qual também passou prever expressamente a sua aplicação na hipótese de alteração de jurisprudência relevante do STF e dos Tribunais Superiores.

Ocorre que, durante os anos da pandemia do COVID-19, especificamente em 2021, observou-se um aumento significativo da adoção do instituto da modulação dos efeitos da decisão pelo STF em matérias tributárias, especialmente quando da prolação de decisões contrárias aos interesses da União Federal, Estados ou Municípios.

Em simples palavras, em julgamentos de matéria tributária, o STF reconhece a inconstitucionalidade de determinada legislação, porém, determina a modulação de efeitos de sua decisão de forma que se aplique apenas em relação ao futuro, ressalvadas, muitas vezes, apenas as ações judiciais já propostas sobre o tema cujos efeitos, apenas para essas situações, retroagem a data em que a norma foi editada. Com esse tipo de modulação, de forma bem pragmática, o STF reconhece o direito de o Fisco cobrar o contribuinte com base em uma legislação reconhecidamente inconstitucional até determinado marco temporal, com exceção daqueles que propuseram ações para discutir a legitimidade da cobrança até esse marco temporal.

A par da discussão filosófica sobre a perpetuação dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional trazida no conceito do instituto da modulação de efeitos, um ponto que chama bastante a atenção é a ausência de um critério quanto ao marco temporal a ser adotado para início dos efeitos da decisão que reconhece a legislação como inconstitucional, seguida ainda de uma ausência de racional quanto ao marco temporal das situações que serão ressalvadas da aplicação do instituto da modulação dos efeitos da decisão.

Abaixo, apresentamos alguns julgamentos recentes em matéria tributária em que o STF determina a aplicação da modulação de efeitos da decisão, porém, para cada caso, sem ao menos uma justificativa única para tanto, adota marcos temporais diferentes para início dos efeitos da decisão que afasta a norma inconstitucional. E, ainda, como se verá, no momento de se determinar eventual exceção à modulação, o STF também adota marcos temporais diferentes.

No ano de 2021, quando do julgamento dos embargos de declaração da tese do século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS - Tema 69), o STF modulou os efeitos da decisão que reconheceu o direito do contribuinte à exclusão do ICMS da base do PIS e da COFINS com efeitos a partir da data do julgamento, ocorrido em 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas propostas até essa mesma data.

Por sua vez, quando do julgamento do Tema 1093, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-DIFAL com base no Convênio ICMS 93/15 ante a ausência de edição de lei complementar. Apesar de o julgamento ter ocorrido em 24/02/2021 e o acórdão ter sido publicado em 25/05/2021, houve o reconhecimento pelo STF de que a decisão apenas produziria efeitos a partir do ano de 01/01/2022[4], perpetuando uma cobrança considerada inconstitucional não somente em relação ao passado, como, também para o ano de 2021 inteiro, sob a justificativa de um eventual prejuízo aos Estados, ressalvadas as ações judiciais em curso, propostas até a data do julgamento (24/02/2021).

Já no julgamento do Tema 745, ocorrido entre novembro e dezembro de 2021, o STF reconheceu que a alíquota do ICMS sobre as operações com energia elétrica (normalmente os Estados adotam a alíquota de 25% a 27%) não poderia ser fixada em patamar superior das operações em geral (17% ou 18%), diante da essencialidade da energia elétrica. Não obstante ser uma decisão de grande impacto a quase toda população brasileira por reduzir a alíquota do ICMS na operação com energia elétrica, o STF entendeu que a decisão apenas poderia produzir efeitos a partir do ano de 2024 (três anos após o julgamento![5]), de novo ao fundamento de eventual impacto financeiro, ressalvadas as ações judiciais propostas não mais até a data do julgamento como visto nos temas acima comentados, mas ressalvadas as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (05/02/2021).

Outro exemplo, no mesmo ano de 2021, em relação ao tema 825 em que ficou reconhecido que é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar, o STF entendeu que a decisão deveria produzir efeitos a partir da data da publicação do acórdão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento. Veja que o fundamento dessa tese é semelhante ao tema 1093, ausência de lei complementar pelos Estados para suportar a cobrança, e o STF adotou marcos diferentes para a modulação.

E, agora, no ano de 2022, o STF quando do julgamento dos embargos de declaração do tema 962 em que reconheceu como inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, estabeleceu como marco temporal a data da publicação da ata de julgamento (ocorrida em 30/09/2021) para que a decisão tenha eficácia. Em relação às ações judiciais já propostas sobre o tema, o STF ressalvou da aplicação da modulação dos efeitos da decisão aquelas propostas até a data do início do julgamento de mérito (ocorrido em 17/09/2021)[6].

Ou seja, por meio dos julgamentos em referência, quando o contribuinte foi vitorioso na disputa com o Fisco, o STF optou por perpetuar a validade da cobrança de tributos instituídos por normas inconstitucionais ao reconhecer a eficácia "ex nunc" das decisões, a partir de marcos temporais diferentes (por exemplo, a partir da conclusão do julgamento, início do ano calendário subsequente e até para o início do ano de 2024). Caso o STF não tivesse modulado os efeitos da decisão nos julgamentos desfavoráveis ao Fisco, a decisão teria eficácia "ex tunc" e garantiria o direito de devolução dos valores nos últimos 05 anos (prazo prescricional) a qualquer contribuinte, independentemente da propositura de ação sobre o tema.

E, para cada um dos julgamentos em referência, verifica-se a ausência de uma coerência quanto ao marco temporal para início dos efeitos da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da norma, na medida em que ora o STF adotou como marco temporal ora a data de início de julgamento, ora a data da conclusão do julgamento, ora a publicação da publicação da ata de julgamento, ora a publicação do acórdão.

E o efeito dessa ausência de coerência quanto ao marco temporal a ser adotado para fins de aplicação do instituto da modulação dos efeitos, diferente do que muitos pensam, levam os contribuintes a uma corrida ao Poder Judiciário, de forma a se propor o maior número possível de ações sobre temas que podem vir a ser analisados pelo STF e, assim, se garantirem de eventual decisão com efeitos "ex nunc".

Inclusive, essa preocupação com a modulação dos efeitos de decisão ao amparo do "excepcional interesse social" somente foi vista por ora em decisões contrárias ao Estado. Aqui importante uma observação, a par da discussão sobre o uso desse instituto pelo STF como ferramenta de política fiscal pelo nosso órgão máximo judicante e a perpetuação de normas inválidas no tempo, espera-se uma coerência e essa mesma análise e julgamento em causas contrárias ao interesse dos contribuintes, como, por exemplo, em relação ao tema 985, no qual ficou definido que as contribuições previdenciárias incidem sobre o terço constitucional de férias gozadas. Mencionado tema possuía jurisprudência pacífica do próprio STF e do STJ para afastar a incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias gozadas. Consequentemente, por ter alterado a jurisprudência até então pacífica, aguarda-se que o STF module os efeitos da decisão de forma a garantir que os contribuintes se aproveitem das decisões favoráveis, no mínimo, até o julgamento pelo STF. Essa foi a mesma justificativa utilizada pelo STF nos temas 69 e 1093 acima comentados para a aplicação da modulação, isto é, jurisprudência favorável aos Estados antes do julgamento pelo STF.

Enfim, em prol da segurança jurídica, o instituto da modulação dos efeitos da decisão, que, aparentemente, está entrando definitivamente nos costumes do STF em julgamento de matéria tributária, deve se basear, na medida do possível, em critérios uníssonos e conhecidos da sociedade para definição do seu marco temporal de início de vigência, inclusive para se evitar ainda mais injustiças na perpetuação de normas inválidas em nosso sistema.

*Marco Behrndt é sócio da área tributária; Daniela Arca é advogada sênior da área no Machado Meyer Advogados

[1] No julgamento dos segundos Embargos de Declaração na ADI nº 3674 - RJ, Tribunal Pleno, julgamento 05/08/2020.

[2] No julgamento do RE 638.115, o STF decidiu que para modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, bastaria o quórum de maioria (seis votos) dos membros do STF, de forma que o quórum de maioria qualificada (oito voto) somente em caso de inconstitucionalidade de norma em julgamento nas ações diretas de inconstitucionalidade.

[3] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...)

  • 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[4] "Não obstante o vácuo normativo ocasionado pela inexistência de lei complementar, é fato que os estados continuaram a poder cobrar o ICMS com base nas cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do convênio. No caso dos autos, não há dúvida de que uma miríade de operações foi tributada nos moldes da Lei distrital nº 5.546/15, a qual previu a cobrança do DIFAL em tela pelo Distrito Federal e dessas outras cláusulas do Convênio. Além do mais, é imprescindível recordar que a EC nº 87/15 e o convênio impugnado, o qual a regulamentou, vieram com o objetivo de melhor distribuir entre os estados e o Distrito Federal parcela da renda advinda do ICMS nas operações e prestações interestaduais. Nesse sentido, a ausência de modulação dos efeitos da decisão fará com que os estados e o Distrito Federal experimentem situação inquestionavelmente pior do que aquela na qual se encontravam antes da emenda constitucional (RE 1287019, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[5] Em relação ao ICMS sobre energia elétrica, verifica-se que a adoção da tese de repercussão geral acima impactará, de maneira relevante, as finanças de diversos estados, sendo certo, afora isso, que várias unidades federadas editaram leis em dissonância com tal tese, gerando receitas e expectativas de receitas até então tidas legítimas" (RE 714130, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[6] No presente caso, julgo ser mais adequado adotar como marco o dia no qual se iniciou o julgamento do mérito. De um lado, isso prestigiará aqueles que já haviam ingressado com ação até essa data. Do outro lado, não serão ressalvadas as ações ajuizadas após esse marco. Ainda nesse contexto, cumpre realçar o que disse a União. O movimento de judicialização visando-se, principalmente, a recuperação dos valores pagos a título das tributações declaradas inconstitucionais muito se intensificou durante o próprio julgamento do mérito do presente tema. A proposta de modulação sugerida visa a combater tal espécie de corrida ao Poder Judiciário, a qual me parece muito prejudicial, considerando as citadas particularidades do presente tema e o contexto econômico-social no qual se encontra o País. (RE 1063187 ED, Relator Min. Dias Toffoli).

Marco Behrndt e Daniela Arca. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nesses anos de pandemia, muito se tem falado sobre o instituto da modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal - STF em matéria tributária, principalmente em relação à manutenção dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional para determinado período de tempo sob a justificativa de "excepcional interesse social". Até então, embora previsto no ordenamento, esse instituto era pouco utilizado pelo STF (na verdade, exceto nas conhecidas causas de Guerra Fiscal entre Estados decorrente de benefícios de ICMS instituídos sem convalidação por Convênio Confaz), prevalecendo, em muitas oportunidades, o posicionamento explícito do Min. Marco Aurélio contra a aplicação desse instituto: "Surge necessário resistir à mitigação dos pronunciamentos do Supremo, uma vez assentado o conflito de lei com a Constituição Federal. Toda norma editada em desarmonia com esta última é nula, natimorta"[1].

A modulação dos efeitos foi introduzida no ordenamento brasileiro pela lei que disciplina a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADC (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade), isto é, a Lei 9.868 de 10 de novembro  de 1999 ao prever que "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado"[2]. Como se sabe, como regra, a declaração da inconstitucionalidade de uma lei tem eficácia "ex tunc", isto é, retroage para a data em que a lei ou ato normativo inconstitucional foi editada, de forma a reconhecer a nulidade dessa norma desde o momento em que editada. Isso significa que todos os atos praticados com base em uma norma inconstitucional são invalidados.

No entanto, a modulação dos efeitos é um instituto que tem como objetivo restringir os efeitos das decisões do STF, de forma que a sua eficácia ocorra a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a ser fixado (eficácia "ex nunc"). Assim, por meio da modulação dos efeitos, garante-se que a norma declarada inconstitucional, por exemplo, produza efeitos até o marco temporal determinado pelo STF para que se inicie a eficácia da decisão que reconheceu sua inconstitucionalidade.

Importante dizer que esse instituto também foi introduzido no Código de Processo Civil do ano de 2015[3], o qual também passou prever expressamente a sua aplicação na hipótese de alteração de jurisprudência relevante do STF e dos Tribunais Superiores.

Ocorre que, durante os anos da pandemia do COVID-19, especificamente em 2021, observou-se um aumento significativo da adoção do instituto da modulação dos efeitos da decisão pelo STF em matérias tributárias, especialmente quando da prolação de decisões contrárias aos interesses da União Federal, Estados ou Municípios.

Em simples palavras, em julgamentos de matéria tributária, o STF reconhece a inconstitucionalidade de determinada legislação, porém, determina a modulação de efeitos de sua decisão de forma que se aplique apenas em relação ao futuro, ressalvadas, muitas vezes, apenas as ações judiciais já propostas sobre o tema cujos efeitos, apenas para essas situações, retroagem a data em que a norma foi editada. Com esse tipo de modulação, de forma bem pragmática, o STF reconhece o direito de o Fisco cobrar o contribuinte com base em uma legislação reconhecidamente inconstitucional até determinado marco temporal, com exceção daqueles que propuseram ações para discutir a legitimidade da cobrança até esse marco temporal.

A par da discussão filosófica sobre a perpetuação dos efeitos de uma lei reconhecidamente inconstitucional trazida no conceito do instituto da modulação de efeitos, um ponto que chama bastante a atenção é a ausência de um critério quanto ao marco temporal a ser adotado para início dos efeitos da decisão que reconhece a legislação como inconstitucional, seguida ainda de uma ausência de racional quanto ao marco temporal das situações que serão ressalvadas da aplicação do instituto da modulação dos efeitos da decisão.

Abaixo, apresentamos alguns julgamentos recentes em matéria tributária em que o STF determina a aplicação da modulação de efeitos da decisão, porém, para cada caso, sem ao menos uma justificativa única para tanto, adota marcos temporais diferentes para início dos efeitos da decisão que afasta a norma inconstitucional. E, ainda, como se verá, no momento de se determinar eventual exceção à modulação, o STF também adota marcos temporais diferentes.

No ano de 2021, quando do julgamento dos embargos de declaração da tese do século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS - Tema 69), o STF modulou os efeitos da decisão que reconheceu o direito do contribuinte à exclusão do ICMS da base do PIS e da COFINS com efeitos a partir da data do julgamento, ocorrido em 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas propostas até essa mesma data.

Por sua vez, quando do julgamento do Tema 1093, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-DIFAL com base no Convênio ICMS 93/15 ante a ausência de edição de lei complementar. Apesar de o julgamento ter ocorrido em 24/02/2021 e o acórdão ter sido publicado em 25/05/2021, houve o reconhecimento pelo STF de que a decisão apenas produziria efeitos a partir do ano de 01/01/2022[4], perpetuando uma cobrança considerada inconstitucional não somente em relação ao passado, como, também para o ano de 2021 inteiro, sob a justificativa de um eventual prejuízo aos Estados, ressalvadas as ações judiciais em curso, propostas até a data do julgamento (24/02/2021).

Já no julgamento do Tema 745, ocorrido entre novembro e dezembro de 2021, o STF reconheceu que a alíquota do ICMS sobre as operações com energia elétrica (normalmente os Estados adotam a alíquota de 25% a 27%) não poderia ser fixada em patamar superior das operações em geral (17% ou 18%), diante da essencialidade da energia elétrica. Não obstante ser uma decisão de grande impacto a quase toda população brasileira por reduzir a alíquota do ICMS na operação com energia elétrica, o STF entendeu que a decisão apenas poderia produzir efeitos a partir do ano de 2024 (três anos após o julgamento![5]), de novo ao fundamento de eventual impacto financeiro, ressalvadas as ações judiciais propostas não mais até a data do julgamento como visto nos temas acima comentados, mas ressalvadas as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (05/02/2021).

Outro exemplo, no mesmo ano de 2021, em relação ao tema 825 em que ficou reconhecido que é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar, o STF entendeu que a decisão deveria produzir efeitos a partir da data da publicação do acórdão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento. Veja que o fundamento dessa tese é semelhante ao tema 1093, ausência de lei complementar pelos Estados para suportar a cobrança, e o STF adotou marcos diferentes para a modulação.

E, agora, no ano de 2022, o STF quando do julgamento dos embargos de declaração do tema 962 em que reconheceu como inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, estabeleceu como marco temporal a data da publicação da ata de julgamento (ocorrida em 30/09/2021) para que a decisão tenha eficácia. Em relação às ações judiciais já propostas sobre o tema, o STF ressalvou da aplicação da modulação dos efeitos da decisão aquelas propostas até a data do início do julgamento de mérito (ocorrido em 17/09/2021)[6].

Ou seja, por meio dos julgamentos em referência, quando o contribuinte foi vitorioso na disputa com o Fisco, o STF optou por perpetuar a validade da cobrança de tributos instituídos por normas inconstitucionais ao reconhecer a eficácia "ex nunc" das decisões, a partir de marcos temporais diferentes (por exemplo, a partir da conclusão do julgamento, início do ano calendário subsequente e até para o início do ano de 2024). Caso o STF não tivesse modulado os efeitos da decisão nos julgamentos desfavoráveis ao Fisco, a decisão teria eficácia "ex tunc" e garantiria o direito de devolução dos valores nos últimos 05 anos (prazo prescricional) a qualquer contribuinte, independentemente da propositura de ação sobre o tema.

E, para cada um dos julgamentos em referência, verifica-se a ausência de uma coerência quanto ao marco temporal para início dos efeitos da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da norma, na medida em que ora o STF adotou como marco temporal ora a data de início de julgamento, ora a data da conclusão do julgamento, ora a publicação da publicação da ata de julgamento, ora a publicação do acórdão.

E o efeito dessa ausência de coerência quanto ao marco temporal a ser adotado para fins de aplicação do instituto da modulação dos efeitos, diferente do que muitos pensam, levam os contribuintes a uma corrida ao Poder Judiciário, de forma a se propor o maior número possível de ações sobre temas que podem vir a ser analisados pelo STF e, assim, se garantirem de eventual decisão com efeitos "ex nunc".

Inclusive, essa preocupação com a modulação dos efeitos de decisão ao amparo do "excepcional interesse social" somente foi vista por ora em decisões contrárias ao Estado. Aqui importante uma observação, a par da discussão sobre o uso desse instituto pelo STF como ferramenta de política fiscal pelo nosso órgão máximo judicante e a perpetuação de normas inválidas no tempo, espera-se uma coerência e essa mesma análise e julgamento em causas contrárias ao interesse dos contribuintes, como, por exemplo, em relação ao tema 985, no qual ficou definido que as contribuições previdenciárias incidem sobre o terço constitucional de férias gozadas. Mencionado tema possuía jurisprudência pacífica do próprio STF e do STJ para afastar a incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias gozadas. Consequentemente, por ter alterado a jurisprudência até então pacífica, aguarda-se que o STF module os efeitos da decisão de forma a garantir que os contribuintes se aproveitem das decisões favoráveis, no mínimo, até o julgamento pelo STF. Essa foi a mesma justificativa utilizada pelo STF nos temas 69 e 1093 acima comentados para a aplicação da modulação, isto é, jurisprudência favorável aos Estados antes do julgamento pelo STF.

Enfim, em prol da segurança jurídica, o instituto da modulação dos efeitos da decisão, que, aparentemente, está entrando definitivamente nos costumes do STF em julgamento de matéria tributária, deve se basear, na medida do possível, em critérios uníssonos e conhecidos da sociedade para definição do seu marco temporal de início de vigência, inclusive para se evitar ainda mais injustiças na perpetuação de normas inválidas em nosso sistema.

*Marco Behrndt é sócio da área tributária; Daniela Arca é advogada sênior da área no Machado Meyer Advogados

[1] No julgamento dos segundos Embargos de Declaração na ADI nº 3674 - RJ, Tribunal Pleno, julgamento 05/08/2020.

[2] No julgamento do RE 638.115, o STF decidiu que para modulação dos efeitos de decisão em julgamento de recursos extraordinários repetitivos, com repercussão geral, nos quais não tenha havido declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, bastaria o quórum de maioria (seis votos) dos membros do STF, de forma que o quórum de maioria qualificada (oito voto) somente em caso de inconstitucionalidade de norma em julgamento nas ações diretas de inconstitucionalidade.

[3] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...)

  • 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

[4] "Não obstante o vácuo normativo ocasionado pela inexistência de lei complementar, é fato que os estados continuaram a poder cobrar o ICMS com base nas cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do convênio. No caso dos autos, não há dúvida de que uma miríade de operações foi tributada nos moldes da Lei distrital nº 5.546/15, a qual previu a cobrança do DIFAL em tela pelo Distrito Federal e dessas outras cláusulas do Convênio. Além do mais, é imprescindível recordar que a EC nº 87/15 e o convênio impugnado, o qual a regulamentou, vieram com o objetivo de melhor distribuir entre os estados e o Distrito Federal parcela da renda advinda do ICMS nas operações e prestações interestaduais. Nesse sentido, a ausência de modulação dos efeitos da decisão fará com que os estados e o Distrito Federal experimentem situação inquestionavelmente pior do que aquela na qual se encontravam antes da emenda constitucional (RE 1287019, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[5] Em relação ao ICMS sobre energia elétrica, verifica-se que a adoção da tese de repercussão geral acima impactará, de maneira relevante, as finanças de diversos estados, sendo certo, afora isso, que várias unidades federadas editaram leis em dissonância com tal tese, gerando receitas e expectativas de receitas até então tidas legítimas" (RE 714130, Redator do acórdão Min. Dias Toffoli).

[6] No presente caso, julgo ser mais adequado adotar como marco o dia no qual se iniciou o julgamento do mérito. De um lado, isso prestigiará aqueles que já haviam ingressado com ação até essa data. Do outro lado, não serão ressalvadas as ações ajuizadas após esse marco. Ainda nesse contexto, cumpre realçar o que disse a União. O movimento de judicialização visando-se, principalmente, a recuperação dos valores pagos a título das tributações declaradas inconstitucionais muito se intensificou durante o próprio julgamento do mérito do presente tema. A proposta de modulação sugerida visa a combater tal espécie de corrida ao Poder Judiciário, a qual me parece muito prejudicial, considerando as citadas particularidades do presente tema e o contexto econômico-social no qual se encontra o País. (RE 1063187 ED, Relator Min. Dias Toffoli).

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