Depois de pouco mais de dois anos e meio à frente do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, após publicação de matéria jornalística informando que quatorze mulheres denunciaram atos de assédio sexual por parte do jurista Silvio Almeida, o presidente da República decidiu por sua demissão poucos dias após a revelação jornalística.
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Há alguns aspectos que merecem consideração em relação aos fatos, que vem concentrando as atenções no debate público nos últimos dias. Primeiro, a reação rápida diante do grande impacto que a revelação teve perante a opinião pública, especialmente porque uma das vítimas é uma mulher negra e ministra assim como o apontado assediador. E ministra da Igualdade Racial. Mas, pelo que veio à tona, há informações que indicam que o Governo já tinha conhecimento dos fatos desde o início do ano e infelizmente não agiu.
Apesar de ter reagido rapidamente agora para minimizar os danos para a imagem do Governo, a escolhida, justamente uma mulher negra, a Deputada Estadual mineira Macaé Evaristo, prima da escritora Conceição Evaristo, enfrenta processos por improbidade administrativa, nova fonte de desgaste para o Governo, fatos talvez não plenamente conhecidos: riscos que são assumidos quando se toma uma decisão política nesta velocidade.
Observe-se que o próprio ato de assédio sexual que ensejou a demissão do ministro Silvio deixou de ser punido como improbidade administrativa por força da lei 14230/21 (assim como quase todos os atos sem danos ao erário), que enfraqueceu absurdamente a lei, cuja urgência de votação foi aprovada na Câmara em oito minutos.
E vale lembrar, com votação maciça dos deputados federais e senadores do PT, aliados à base política então governista bolsonarista. Todos bem abraçados e unidos em prol do amolecimento punitivo da improbidade administrativa. Agora as condutas de Silvio Almeida não poderão ser enquadradas nesta lei, ou seja, a proteção jurídica da dignidade da mulher se enfraqueceu muito a partir de outubro de 2012.
E este amolecimento foi absolutamente indevido, descabido e totalmente inoportuno porque o assédio sexual cometido por pessoas detentoras de posições de poder, quer na esfera pública, quer na esfera privada, é mais uma das modalidades de ato de corrupção, que pode ser definido como ato de abuso de poder visando obter qualquer espécie de vantagem, de qualquer natureza. Econômica, política, religiosa e sexual entre outras.
Segundo a reportagem, algumas das vítimas de Silvio Almeida atuaram no Governo e outras foram alunas do ex-ministro, que leciona na Universidade São Paulo. Ao se tornarem os fatos públicos, a professora Isabel Rodrigues, amiga dele, relatou, extremamente consternada, também ter sido vítima de assédio sexual por ele em 2019.
Isabel narrou que ela e Silvio eram amigos e ela teria solicitado a admissão como aluna ouvinte num curso, sendo aceita e no intervalo para o almoço, em momento de confraternização, eles dois e outros alunos estiveram em um restaurante próximo ao local do curso, oportunidade em que se sentaram lado a lado, quando Isabel relata que teve o corpo invadido pela mão dele, nas partes íntimas, sob sua roupa, sem sua permissão, o que a deixou transtornada e paralisada, especialmente diante da inacreditável negação dos fatos, a princípio, por ele, que na sequência teria lamentado de forma trivial como se a prática de assédio sexual fosse algo de somenos importância.
É inquestionável que o apontado assediador tem o direito à ampla defesa e somente poderá ser considerado culpado mediante o devido processo legal contraditório, asseguradas todas as garantias legais. Mas igualmente inquestionável é a gravidade da circunstância da multiplicidade das vítimas, da confirmação da denúncia relacionada pela ministra Anielle a vários outros ministros.
E marcante se mostra a reação de muitas pessoas no sentido de menoscabar a gravidade dos fatos, diminuindo-a por não se tratar de estupro. É óbvio que o hediondo crime de estupro, no campo da dignidade sexual é conduta de extrema gravidade, por envolver o uso de violência ou grave ameaça. Isto não significa que o assédio deva ou possa ser visto como crime de menor potencial ofensivo ou insignificante.
E igualmente inadmissíveis são quaisquer reações de desqualificação moral a qualquer uma das vítimas de crimes sexuais, sendo vilanizadas. A professora Isabel, por exemplo foi ostracizada por ter demorado cinco anos para vir a público denunciar, havendo menções maldosas no sentido que estaria em busca de notoriedade, desconsiderando-se que seu real objetivo pode ser a postura de contribuir para a punição do assediador e o estímulo a falar e denunciar diante do encorajamento diante da atitude de outras.
Não se considera a vergonha que mutila a alma de mulheres vítimas destes crimes horrendos, em que são humilhadas numa sociedade machista em que os espaços de poder para homens e mulheres são desiguais (há apenas 18% de senadoras e de deputadas federais no Congresso e 12% de prefeitas em todo país, mesmo sendo 56% da população), em que os salários para as mesmas funções e com as mesmas competências são desiguais entre homens e mulheres.
Soma-se a isto o inaceitável uso das ferramentas institucionais do próprio organismo para promover a própria defesa do imputado, como fez Silvio Almeida. Ele pessoalmente deveria se defender e jamais usar o espaço público oficial da pasta para tal finalidade, o que representa conduta profundamente violadora de princípios éticos da Administração Pública, sendo certo que a nova ministra já determinou a imediata retirada de tais conteúdos do ar.
A invasão não autorizada ao corpo da mulher, ainda que sem violência ou ameaça é crime de extrema gravidade, especialmente quando o ato se dá no contexto do uso abusivo do poder, evidenciando prática espúria de ato de corrupção, que merece exemplar punição, sendo inaceitável e inadmissível a impunidade destas situações, que acaba sendo geradora de mais criminalidade, da perda de credibilidade das instituições e progressivo enfraquecimento da democracia.
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica