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Procuradoria no Espírito Santo liga juízes e advogados a ‘padrão de fraudes’ por heranças milionárias


Denúncia de 266 páginas assinada pelo procurador-geral de Justiça cita 20 investigados, inclusive dois magistrados, e revela passo a passo os movimentos de uma organização que, por meio de acordos forjados, se apropriava de fortunas de mortos sem herdeiros depositadas em bancos; até empresa de granito foi usada pelo esquema descoberto na Operação Follow The Money que apurou prejuízo de R$ 17 milhões; defesa do juiz Bruno Fritoli Almeida afirma que ele é inocente

Por Rayssa Motta e Fausto Macedo

As primeiras suspeitas sobre o esquema que teria sido montado por juízes e advogados do Espírito Santo para sacar heranças, investigado na Operação Follow The Money, apareceram a partir de uma fiscalização de rotina da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado, em novembro de 2023.

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Até uma empresa especializada no comércio de pedras de granito era usada no esquema para simular contratos de compra e venda. Em um processo, o contrato falso apresentado somava R$ 10 milhões, mas a execução da dívida foi cancelada porque o espólio da falecida tomou conhecimento e se insurgiu contra a fraude.

O MP calcula um prejuízo de mais R$ 17 milhões.

A Operação Follow The Money prendeu o juiz Bruno Fritoli Almeida no dia 1.º de agosto em razão de “indícios veementes” de sua ligação com o esquema. Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Espírito Santo, Francisco Martinez Berdeal, denunciou 20 investigados, entre eles os juízes Fritoli Almeida e Maurício Camatta Rangel.

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A acusação preenche 266 páginas e revela, passo a passo, como a organização operava em parte do universo forense do Estado.

A investigação da Corregedoria do Tribunal de Justiça identificou diversas irregularidades em comarcas capixabas, que já naquela altura pareciam indicar um padrão de fraudes.

Decisões judiciais emitidas com uma rapidez fora do comum - às vezes apenas algumas horas após o pedido ter sido protocolado -, demandas muito semelhantes, em alguns casos até idênticas e envolvendo os mesmos advogados, tentativas de direcionamento de processos para varas específicas, cláusulas de confidencialidade e imposição de sigilo dos processos foram algumas práticas que chamaram a atenção da Corregedoria.

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O Ministério Público foi alertado pelo Tribunal de Justiça e abriu inquérito em dezembro de 2023. A partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e de mensagem dos investigados, e da análise minuciosa de cada processo, os investigadores concluíram que estavam diante de um emblemático esquema de fraudes.

O advogado Ricardo Nunes de Souza é apontado na denúncia como o líder do esquema. Segundo a denúncia oferecida pelo MP, ele “exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados”.

Fotografias de pedras de granito anexadas dos pedidos era sempre idênticas; esse foi um dos pontos que acendeu alerta nos investigadores. Foto: Reprodução/processo judicial
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Quando as suspeitas vieram a público, a defesa do juiz Bruno Fritoli Almeida negou irregularidades e alegou que ele trabalha “há quase uma década com lisura e responsabilidade”.

“Confiantes da índole de Bruno durante sua carreira no judiciário, seguirão acompanhando o desenrolar do caso e atuando, com os instrumentos da lei, pela sua inocência”, diz o comunicado divulgado pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim e Mariah Sartório.

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O Estadão busca contato com o juiz Maurício Camatta Rangel. O espaço está aberto também para todos os outros investigados.

A denúncia aponta que o grupo identificava mortos sem herdeiros e com quantias altas no banco ou em imóveis. O passo seguinte era a falsificação de contratos, notas promissórias e documentos de confissão de dívida em nome do falecido. Com os documentos falsos em mãos, davam entrada em pedidos para receber a dívida, que na realidade não existia.

Cabe agora ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo avaliar se há elementos para abertura de ação penal.

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‘Mecanismos Fraudulentos’

Segundo a denúncia, as investigações “comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos”. O procurador-geral de Justiça elencou, ponto a ponto, como a suposta engenharia de fraudes avançou sobre processos de heranças milionárias de mortos sem sucessores.

  1. Localização de contas bancárias com valores vultuosos sem movimentação, geralmente de pessoas muito idosas ou falecidas aparentemente sem herdeiros;
  2. Criação de contratos de compra e venda, confissão de dívida ou notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos com cláusula de confidencialidade e eleição do foro;
  3. Partes não residentes na Comarca tampouco seus advogados, inclusive seus escritórios;
  4. Documentos com assinaturas sem comprovação de autenticidade;
  5. Uso de um “modelo” de petição inicial, com fatos semelhantes e requerimentos específicos – a exemplo, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo, declaração de autenticidade dos documentos anexados e requerimento de penhora e tutela antecipada inaudita altera parte. O grupo usava ainda o mesmo “modelo” de procuração para diferentes advogados;
  6. Determinado o bloqueio dos valores e a citação do executado, o cartório sequer precisava cumprir a determinação judicial, os advogados das partes logo se manifestavam, apresentando um suposto acordo extrajudicial e requerendo sua homologação;
  7. Todos os acordos fraudulentos eram assinados apenas pelos advogados e vinham acompanhados de procuração do falecido, sempre cuidadosamente preparada com data anterior à morte;
  8. Após homologado o acordo, peticionavam nos autos informando o seu “descumprimento”, requerendo o levantamento dos valores bloqueados e indicando o membro da organização criminosa em nome de quem deveria ser expedido o alvará ou o número de sua conta, onde deveriam ser depositados os valores, o que era rapidamente deferido, com a expedição do respectivo alvará;
  9. Feito o bloqueio judicial dos valores depositados na conta do falecido e havendo manifestação de interessados, o exequente não mais se manifestava nos autos e, via de consequência, o processo era extinto;
  10. Após a liberação do alvará, os valores desviados das contas bancárias eram rapidamente movimentados entre os membros da organização criminosa, sempre com o intuito de ocultar a origem.

“Foi possível colher evidências contundentes ao longo da investigação, para além da dúvida razoável, de que os denunciados operam o branqueamento dos ativos ilícitos pela alocação financeira fraudulenta e acobertamento dos ganhos por interpostas pessoas físicas e jurídicas, e inserção de proveitos ilícitos em circulação bancária, para retroalimentar a cadeia associativa e afastar os ativos da origem”, assinala o procurador-geral.

Segundo Martinez Berdeal, “pessoas físicas e jurídicas foram utilizadas para garantir a ocultação de valores, reinserção financeira dos produtos ilicitamente adquiridos e enriquecimento indevido dos envolvidos”.

Operação Follow The Money mira fraudes em processos para pegar heranças de mortos sem herdeiros; fiscalização da Corregedoria do Tribunal do Espírito Santo foi o ponto de partida da investigacão. Foto: Reprodução/Processo judicial

Um núcleo da organização, afirma a Procuradoria, se instalou na Comarca de Barra de São Francisco, onde atuava o juiz Bruno Fritoli Almeida, na 1.ª Vara Cível. O grupo agiu no âmbito de nove ações.

“As investigações realizadas comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos e utilização reiterada de diversos documentos falsificados”, afirma o chefe do Ministério Público capixaba.

Na denúncia, Berdeal destaca que “por meio dessas ‘técnicas criminosas’ os denunciados com atuação na Comarca de Barra de São Francisco lograram êxito em levantar e desviar a quantia de R$ 7.084.856,54″.

O procurador detalhou minuciosamente caso a caso sob a guarda de Fritoli. O “padrão relâmpago” era sempre obedecido. Um desses casos resultou na liberação de R$ 1,41 milhão. Berdeal resumiu em sua peça de 266 páginas. “Em 31 de outubro de 2023, no mesmo dia em que apresentada em juízo a minuta, (Fritoli) prolatou sentença homologatória do acordo supostamente firmado entre as partes, ainda que o documento não houvesse sido assinado por qualquer das partes ou seus advogados.”

Fritoli sentenciou no mesmo dia - ou seja, apenas uma semana após a apresentação da inicial em juízo. No dia 14/ de novembro, ele “expediu alvará judicial em favor da parte exequente no valor de R$1.411.422,96, sem, todavia, juntar aos autos o respectivo documento (o alvará foi obtido pela Corregedoria)”.

Em outra ação o valor era superior a R$ 25 milhões, mas o plano do grupo acabou frustrado. O juiz sob suspeita sentenciou no dia 14 de junho de 2022, apenas quatro dias após a data do ajuizamento da execução, “com resultado sobre bloqueio e transferência para conta judicial, que culminou na restrição da quantia de R$25.370.071,83 da parte executada”.

Em 21 de junho, apenas um dia após a juntada aos autos de petição informando suposto acordo, Fritoli proferiu sentença de homologação, “ainda que ausentes quaisquer assinaturas no documento”. Na mesma oportunidade, observa o procurador-geral na denúncia, o juiz deferiu “o pedido de transferência dos valores à parte exequente”.

“Após reiteradas petições do espólio da requerida, sendo a primeira datada de 23 de junho de 2022, (Fritoli) extinguiu a execução em 22 de agosto, reconhecendo a falsidade dos documentos que instruíram a inicial, determinando o desbloqueio de valores e sua devolução ao espólio de Celso Silveira Mello Filho.”

Ainda de acordo com a denúncia do procurador-geral, a organização estendeu suas atividades para a Comarca de Ecoporanga, onde também atuou o juiz Bruno Fritoli Almeida. Nesse foro, foram duas ações que entraram na mira do ilícito.

O procurador-geral descobriu que o juiz Maurício Camatta Rangel também adotou o mesmo “padrão” de seu colega.

“Constata-se que todos os denunciados discriminados na presente peça acusatória, em maior ou menor grau, com consciência e vontade, promovem, constituem, financiam e integram, pessoalmente ou por interpostas pessoas, organização criminosa com estabilidade e permanência para promoverem delitos de falso documental, corrupção ativa e passiva, e lavagem de ativos arrecadados, lançando mão da circulação de valores, ocultação e dissimulação da origem, localização, disposição e movimentação de bens e direitos, eposterior integração ao acervo pessoal pela conversão em ativos aparentemente lícitos”, afirma o procurador-geral de Justiça.

Martinez Berdeal ressalta que o Inquérito Judicial (nº 0002277-53.2024.8.08.0000) “solidamente alicerçado em prova objetiva e subjetiva, consistente em conjuntos de diligências consubstanciadas em cumprimentos de mandados de prisão, busca e apreensão, depoimentos de testemunhas e de investigados, afastamento de sigilo telefônico, ERBs, telemático (e-mail e nuvem), quebra de sigilo fiscal e bancário, dentre outras medidas, versa sobre organização criminosa estruturada na cidade de Vitória e com a extensão de sua atuação a municípios circunvizinhos (Ecoporanga e Barra de São Francisco)”.

O chefe do MP do Espírito Santo sustenta taxativamente. “Como já amplamente demonstrado, a organização criminosa era integrada por Bruno Fritoli Almeida, à época juiz de Direito com atuação na Comarca de Barra de São Francisco e Ecoporanga, e Maurício Camatta Rangel, juiz de Direito titular da 4ª Vara Cível de Vitória, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de diversos crimes contra a administração pública, a fé pública, bem como delitos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.”

Sobre o advogado Ricardo Nunes de Souza, o procurador escreveu na denúncia levada ao Tribunal de Justiça. “Exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados.”

Berdeal argumenta que “há de se destacar que os denunciados expõem nas redes sociais um cotidiano marcado por sinais exteriores de riqueza incompatíveis com as profissões que declaram, além de altas transações financeiras identificadas, indicativo da fruição dos proveitos obtidos com as infrações penais cometidas e de cometimento de crimes de lavagem de capitais”.

O procurador alerta que o grupo tinha pretensões de esticar suas atividades por tempo indefinido. “Restou minuciosamente delineado o artifício utilizado para tornar perene a atividade criminosa e assegurar impunidade acerca de eventual atuação estatal repressiva, consistente na associação dos investigados, de forma organizada, cada qual ao seu modo e com funções distintas, mas sincronizadas, que se utilizou do Poder Judiciário para simular ações judiciais, com finalidade de enriquecimento ilícito.” Segundo ele, o objetivo da organização criminosa consistiu em “localizar e identificar pessoas falecidas ou em local incerto e não sabido, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis”.

“Feito isso, pleiteavam perante o Poder Judiciário o bloqueio de contas/bens e, em seguida, cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com o levantamento e liberação de valores. Para tanto eram confeccionados supostos contratos de compra e venda e/ou confissões de dívidas e/ou utilização de notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos que continham cláusula de confidencialidade com eleição do foro de Barra de São Francisco, Ecoporanga ou Vitória.”

“Ficou comprovado que a organização se utilizou de modelos de petições iniciais, com fatos semelhantes e requerimentos específicos, tais como, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo em decorrência de uma suposta cláusula de ‘confidencialidade’, o que, em verdade, tinha como finalidade evitar que terceiros ou possíveis herdeiros pudessem ter conhecimento dos processos”, afirma.

Na parte final da denúncia, o procurador escreveu. “Outro traço distintivo é que a organização criminosa contava, entre seus integrantes, com juízes de Direito integrantes do Poder Judiciário local, que, no desempenho de seu mister, agiram e se omitiram com o intuito de permitir, facilitar e acobertar as ações delituosas do grupo.”

Veja a lista de denunciados:

  • Bruno Fritoli Almeida - juiz
  • Maurício Camatta Rangel - juiz
  • Ricardo Nunes De Souza - advogado
  • José Joelson Martins De Oliveira, advogado
  • Vaguiner Coelho Lopes - advogado
  • Vicente Santório Filho - advogado
  • Veldir José Xavier - soldador
  • Mauro Pansini Junior - empresário
  • Victor Hugo De Mattos Martins - empresário
  • Luam Fernando Giuberti Marques - empresário
  • Denison Chaves Metzker - advogado
  • Gabriel Martins de Oliveira - advogado
  • Wisley Oliveira da Silva - advogado
  • João Autimio Leão Martins - produtor rural
  • Juarez José Campos - consultor
  • Eraldo Arlindo Vera Cruz - advogado
  • Claudio Marcio Mothe Cruzeiro - advogado
  • Luana Esperandio Nunes De Souza
  • Hayalla Esperandio
  • Luiz Antônio Esperandio

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

As primeiras suspeitas sobre o esquema que teria sido montado por juízes e advogados do Espírito Santo para sacar heranças, investigado na Operação Follow The Money, apareceram a partir de uma fiscalização de rotina da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado, em novembro de 2023.

Até uma empresa especializada no comércio de pedras de granito era usada no esquema para simular contratos de compra e venda. Em um processo, o contrato falso apresentado somava R$ 10 milhões, mas a execução da dívida foi cancelada porque o espólio da falecida tomou conhecimento e se insurgiu contra a fraude.

O MP calcula um prejuízo de mais R$ 17 milhões.

A Operação Follow The Money prendeu o juiz Bruno Fritoli Almeida no dia 1.º de agosto em razão de “indícios veementes” de sua ligação com o esquema. Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Espírito Santo, Francisco Martinez Berdeal, denunciou 20 investigados, entre eles os juízes Fritoli Almeida e Maurício Camatta Rangel.

A acusação preenche 266 páginas e revela, passo a passo, como a organização operava em parte do universo forense do Estado.

A investigação da Corregedoria do Tribunal de Justiça identificou diversas irregularidades em comarcas capixabas, que já naquela altura pareciam indicar um padrão de fraudes.

Decisões judiciais emitidas com uma rapidez fora do comum - às vezes apenas algumas horas após o pedido ter sido protocolado -, demandas muito semelhantes, em alguns casos até idênticas e envolvendo os mesmos advogados, tentativas de direcionamento de processos para varas específicas, cláusulas de confidencialidade e imposição de sigilo dos processos foram algumas práticas que chamaram a atenção da Corregedoria.

O Ministério Público foi alertado pelo Tribunal de Justiça e abriu inquérito em dezembro de 2023. A partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e de mensagem dos investigados, e da análise minuciosa de cada processo, os investigadores concluíram que estavam diante de um emblemático esquema de fraudes.

O advogado Ricardo Nunes de Souza é apontado na denúncia como o líder do esquema. Segundo a denúncia oferecida pelo MP, ele “exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados”.

Fotografias de pedras de granito anexadas dos pedidos era sempre idênticas; esse foi um dos pontos que acendeu alerta nos investigadores. Foto: Reprodução/processo judicial

Quando as suspeitas vieram a público, a defesa do juiz Bruno Fritoli Almeida negou irregularidades e alegou que ele trabalha “há quase uma década com lisura e responsabilidade”.

“Confiantes da índole de Bruno durante sua carreira no judiciário, seguirão acompanhando o desenrolar do caso e atuando, com os instrumentos da lei, pela sua inocência”, diz o comunicado divulgado pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim e Mariah Sartório.

O Estadão busca contato com o juiz Maurício Camatta Rangel. O espaço está aberto também para todos os outros investigados.

A denúncia aponta que o grupo identificava mortos sem herdeiros e com quantias altas no banco ou em imóveis. O passo seguinte era a falsificação de contratos, notas promissórias e documentos de confissão de dívida em nome do falecido. Com os documentos falsos em mãos, davam entrada em pedidos para receber a dívida, que na realidade não existia.

Cabe agora ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo avaliar se há elementos para abertura de ação penal.

‘Mecanismos Fraudulentos’

Segundo a denúncia, as investigações “comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos”. O procurador-geral de Justiça elencou, ponto a ponto, como a suposta engenharia de fraudes avançou sobre processos de heranças milionárias de mortos sem sucessores.

  1. Localização de contas bancárias com valores vultuosos sem movimentação, geralmente de pessoas muito idosas ou falecidas aparentemente sem herdeiros;
  2. Criação de contratos de compra e venda, confissão de dívida ou notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos com cláusula de confidencialidade e eleição do foro;
  3. Partes não residentes na Comarca tampouco seus advogados, inclusive seus escritórios;
  4. Documentos com assinaturas sem comprovação de autenticidade;
  5. Uso de um “modelo” de petição inicial, com fatos semelhantes e requerimentos específicos – a exemplo, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo, declaração de autenticidade dos documentos anexados e requerimento de penhora e tutela antecipada inaudita altera parte. O grupo usava ainda o mesmo “modelo” de procuração para diferentes advogados;
  6. Determinado o bloqueio dos valores e a citação do executado, o cartório sequer precisava cumprir a determinação judicial, os advogados das partes logo se manifestavam, apresentando um suposto acordo extrajudicial e requerendo sua homologação;
  7. Todos os acordos fraudulentos eram assinados apenas pelos advogados e vinham acompanhados de procuração do falecido, sempre cuidadosamente preparada com data anterior à morte;
  8. Após homologado o acordo, peticionavam nos autos informando o seu “descumprimento”, requerendo o levantamento dos valores bloqueados e indicando o membro da organização criminosa em nome de quem deveria ser expedido o alvará ou o número de sua conta, onde deveriam ser depositados os valores, o que era rapidamente deferido, com a expedição do respectivo alvará;
  9. Feito o bloqueio judicial dos valores depositados na conta do falecido e havendo manifestação de interessados, o exequente não mais se manifestava nos autos e, via de consequência, o processo era extinto;
  10. Após a liberação do alvará, os valores desviados das contas bancárias eram rapidamente movimentados entre os membros da organização criminosa, sempre com o intuito de ocultar a origem.

“Foi possível colher evidências contundentes ao longo da investigação, para além da dúvida razoável, de que os denunciados operam o branqueamento dos ativos ilícitos pela alocação financeira fraudulenta e acobertamento dos ganhos por interpostas pessoas físicas e jurídicas, e inserção de proveitos ilícitos em circulação bancária, para retroalimentar a cadeia associativa e afastar os ativos da origem”, assinala o procurador-geral.

Segundo Martinez Berdeal, “pessoas físicas e jurídicas foram utilizadas para garantir a ocultação de valores, reinserção financeira dos produtos ilicitamente adquiridos e enriquecimento indevido dos envolvidos”.

Operação Follow The Money mira fraudes em processos para pegar heranças de mortos sem herdeiros; fiscalização da Corregedoria do Tribunal do Espírito Santo foi o ponto de partida da investigacão. Foto: Reprodução/Processo judicial

Um núcleo da organização, afirma a Procuradoria, se instalou na Comarca de Barra de São Francisco, onde atuava o juiz Bruno Fritoli Almeida, na 1.ª Vara Cível. O grupo agiu no âmbito de nove ações.

“As investigações realizadas comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos e utilização reiterada de diversos documentos falsificados”, afirma o chefe do Ministério Público capixaba.

Na denúncia, Berdeal destaca que “por meio dessas ‘técnicas criminosas’ os denunciados com atuação na Comarca de Barra de São Francisco lograram êxito em levantar e desviar a quantia de R$ 7.084.856,54″.

O procurador detalhou minuciosamente caso a caso sob a guarda de Fritoli. O “padrão relâmpago” era sempre obedecido. Um desses casos resultou na liberação de R$ 1,41 milhão. Berdeal resumiu em sua peça de 266 páginas. “Em 31 de outubro de 2023, no mesmo dia em que apresentada em juízo a minuta, (Fritoli) prolatou sentença homologatória do acordo supostamente firmado entre as partes, ainda que o documento não houvesse sido assinado por qualquer das partes ou seus advogados.”

Fritoli sentenciou no mesmo dia - ou seja, apenas uma semana após a apresentação da inicial em juízo. No dia 14/ de novembro, ele “expediu alvará judicial em favor da parte exequente no valor de R$1.411.422,96, sem, todavia, juntar aos autos o respectivo documento (o alvará foi obtido pela Corregedoria)”.

Em outra ação o valor era superior a R$ 25 milhões, mas o plano do grupo acabou frustrado. O juiz sob suspeita sentenciou no dia 14 de junho de 2022, apenas quatro dias após a data do ajuizamento da execução, “com resultado sobre bloqueio e transferência para conta judicial, que culminou na restrição da quantia de R$25.370.071,83 da parte executada”.

Em 21 de junho, apenas um dia após a juntada aos autos de petição informando suposto acordo, Fritoli proferiu sentença de homologação, “ainda que ausentes quaisquer assinaturas no documento”. Na mesma oportunidade, observa o procurador-geral na denúncia, o juiz deferiu “o pedido de transferência dos valores à parte exequente”.

“Após reiteradas petições do espólio da requerida, sendo a primeira datada de 23 de junho de 2022, (Fritoli) extinguiu a execução em 22 de agosto, reconhecendo a falsidade dos documentos que instruíram a inicial, determinando o desbloqueio de valores e sua devolução ao espólio de Celso Silveira Mello Filho.”

Ainda de acordo com a denúncia do procurador-geral, a organização estendeu suas atividades para a Comarca de Ecoporanga, onde também atuou o juiz Bruno Fritoli Almeida. Nesse foro, foram duas ações que entraram na mira do ilícito.

O procurador-geral descobriu que o juiz Maurício Camatta Rangel também adotou o mesmo “padrão” de seu colega.

“Constata-se que todos os denunciados discriminados na presente peça acusatória, em maior ou menor grau, com consciência e vontade, promovem, constituem, financiam e integram, pessoalmente ou por interpostas pessoas, organização criminosa com estabilidade e permanência para promoverem delitos de falso documental, corrupção ativa e passiva, e lavagem de ativos arrecadados, lançando mão da circulação de valores, ocultação e dissimulação da origem, localização, disposição e movimentação de bens e direitos, eposterior integração ao acervo pessoal pela conversão em ativos aparentemente lícitos”, afirma o procurador-geral de Justiça.

Martinez Berdeal ressalta que o Inquérito Judicial (nº 0002277-53.2024.8.08.0000) “solidamente alicerçado em prova objetiva e subjetiva, consistente em conjuntos de diligências consubstanciadas em cumprimentos de mandados de prisão, busca e apreensão, depoimentos de testemunhas e de investigados, afastamento de sigilo telefônico, ERBs, telemático (e-mail e nuvem), quebra de sigilo fiscal e bancário, dentre outras medidas, versa sobre organização criminosa estruturada na cidade de Vitória e com a extensão de sua atuação a municípios circunvizinhos (Ecoporanga e Barra de São Francisco)”.

O chefe do MP do Espírito Santo sustenta taxativamente. “Como já amplamente demonstrado, a organização criminosa era integrada por Bruno Fritoli Almeida, à época juiz de Direito com atuação na Comarca de Barra de São Francisco e Ecoporanga, e Maurício Camatta Rangel, juiz de Direito titular da 4ª Vara Cível de Vitória, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de diversos crimes contra a administração pública, a fé pública, bem como delitos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.”

Sobre o advogado Ricardo Nunes de Souza, o procurador escreveu na denúncia levada ao Tribunal de Justiça. “Exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados.”

Berdeal argumenta que “há de se destacar que os denunciados expõem nas redes sociais um cotidiano marcado por sinais exteriores de riqueza incompatíveis com as profissões que declaram, além de altas transações financeiras identificadas, indicativo da fruição dos proveitos obtidos com as infrações penais cometidas e de cometimento de crimes de lavagem de capitais”.

O procurador alerta que o grupo tinha pretensões de esticar suas atividades por tempo indefinido. “Restou minuciosamente delineado o artifício utilizado para tornar perene a atividade criminosa e assegurar impunidade acerca de eventual atuação estatal repressiva, consistente na associação dos investigados, de forma organizada, cada qual ao seu modo e com funções distintas, mas sincronizadas, que se utilizou do Poder Judiciário para simular ações judiciais, com finalidade de enriquecimento ilícito.” Segundo ele, o objetivo da organização criminosa consistiu em “localizar e identificar pessoas falecidas ou em local incerto e não sabido, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis”.

“Feito isso, pleiteavam perante o Poder Judiciário o bloqueio de contas/bens e, em seguida, cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com o levantamento e liberação de valores. Para tanto eram confeccionados supostos contratos de compra e venda e/ou confissões de dívidas e/ou utilização de notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos que continham cláusula de confidencialidade com eleição do foro de Barra de São Francisco, Ecoporanga ou Vitória.”

“Ficou comprovado que a organização se utilizou de modelos de petições iniciais, com fatos semelhantes e requerimentos específicos, tais como, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo em decorrência de uma suposta cláusula de ‘confidencialidade’, o que, em verdade, tinha como finalidade evitar que terceiros ou possíveis herdeiros pudessem ter conhecimento dos processos”, afirma.

Na parte final da denúncia, o procurador escreveu. “Outro traço distintivo é que a organização criminosa contava, entre seus integrantes, com juízes de Direito integrantes do Poder Judiciário local, que, no desempenho de seu mister, agiram e se omitiram com o intuito de permitir, facilitar e acobertar as ações delituosas do grupo.”

Veja a lista de denunciados:

  • Bruno Fritoli Almeida - juiz
  • Maurício Camatta Rangel - juiz
  • Ricardo Nunes De Souza - advogado
  • José Joelson Martins De Oliveira, advogado
  • Vaguiner Coelho Lopes - advogado
  • Vicente Santório Filho - advogado
  • Veldir José Xavier - soldador
  • Mauro Pansini Junior - empresário
  • Victor Hugo De Mattos Martins - empresário
  • Luam Fernando Giuberti Marques - empresário
  • Denison Chaves Metzker - advogado
  • Gabriel Martins de Oliveira - advogado
  • Wisley Oliveira da Silva - advogado
  • João Autimio Leão Martins - produtor rural
  • Juarez José Campos - consultor
  • Eraldo Arlindo Vera Cruz - advogado
  • Claudio Marcio Mothe Cruzeiro - advogado
  • Luana Esperandio Nunes De Souza
  • Hayalla Esperandio
  • Luiz Antônio Esperandio

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

As primeiras suspeitas sobre o esquema que teria sido montado por juízes e advogados do Espírito Santo para sacar heranças, investigado na Operação Follow The Money, apareceram a partir de uma fiscalização de rotina da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado, em novembro de 2023.

Até uma empresa especializada no comércio de pedras de granito era usada no esquema para simular contratos de compra e venda. Em um processo, o contrato falso apresentado somava R$ 10 milhões, mas a execução da dívida foi cancelada porque o espólio da falecida tomou conhecimento e se insurgiu contra a fraude.

O MP calcula um prejuízo de mais R$ 17 milhões.

A Operação Follow The Money prendeu o juiz Bruno Fritoli Almeida no dia 1.º de agosto em razão de “indícios veementes” de sua ligação com o esquema. Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Espírito Santo, Francisco Martinez Berdeal, denunciou 20 investigados, entre eles os juízes Fritoli Almeida e Maurício Camatta Rangel.

A acusação preenche 266 páginas e revela, passo a passo, como a organização operava em parte do universo forense do Estado.

A investigação da Corregedoria do Tribunal de Justiça identificou diversas irregularidades em comarcas capixabas, que já naquela altura pareciam indicar um padrão de fraudes.

Decisões judiciais emitidas com uma rapidez fora do comum - às vezes apenas algumas horas após o pedido ter sido protocolado -, demandas muito semelhantes, em alguns casos até idênticas e envolvendo os mesmos advogados, tentativas de direcionamento de processos para varas específicas, cláusulas de confidencialidade e imposição de sigilo dos processos foram algumas práticas que chamaram a atenção da Corregedoria.

O Ministério Público foi alertado pelo Tribunal de Justiça e abriu inquérito em dezembro de 2023. A partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e de mensagem dos investigados, e da análise minuciosa de cada processo, os investigadores concluíram que estavam diante de um emblemático esquema de fraudes.

O advogado Ricardo Nunes de Souza é apontado na denúncia como o líder do esquema. Segundo a denúncia oferecida pelo MP, ele “exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados”.

Fotografias de pedras de granito anexadas dos pedidos era sempre idênticas; esse foi um dos pontos que acendeu alerta nos investigadores. Foto: Reprodução/processo judicial

Quando as suspeitas vieram a público, a defesa do juiz Bruno Fritoli Almeida negou irregularidades e alegou que ele trabalha “há quase uma década com lisura e responsabilidade”.

“Confiantes da índole de Bruno durante sua carreira no judiciário, seguirão acompanhando o desenrolar do caso e atuando, com os instrumentos da lei, pela sua inocência”, diz o comunicado divulgado pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim e Mariah Sartório.

O Estadão busca contato com o juiz Maurício Camatta Rangel. O espaço está aberto também para todos os outros investigados.

A denúncia aponta que o grupo identificava mortos sem herdeiros e com quantias altas no banco ou em imóveis. O passo seguinte era a falsificação de contratos, notas promissórias e documentos de confissão de dívida em nome do falecido. Com os documentos falsos em mãos, davam entrada em pedidos para receber a dívida, que na realidade não existia.

Cabe agora ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo avaliar se há elementos para abertura de ação penal.

‘Mecanismos Fraudulentos’

Segundo a denúncia, as investigações “comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos”. O procurador-geral de Justiça elencou, ponto a ponto, como a suposta engenharia de fraudes avançou sobre processos de heranças milionárias de mortos sem sucessores.

  1. Localização de contas bancárias com valores vultuosos sem movimentação, geralmente de pessoas muito idosas ou falecidas aparentemente sem herdeiros;
  2. Criação de contratos de compra e venda, confissão de dívida ou notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos com cláusula de confidencialidade e eleição do foro;
  3. Partes não residentes na Comarca tampouco seus advogados, inclusive seus escritórios;
  4. Documentos com assinaturas sem comprovação de autenticidade;
  5. Uso de um “modelo” de petição inicial, com fatos semelhantes e requerimentos específicos – a exemplo, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo, declaração de autenticidade dos documentos anexados e requerimento de penhora e tutela antecipada inaudita altera parte. O grupo usava ainda o mesmo “modelo” de procuração para diferentes advogados;
  6. Determinado o bloqueio dos valores e a citação do executado, o cartório sequer precisava cumprir a determinação judicial, os advogados das partes logo se manifestavam, apresentando um suposto acordo extrajudicial e requerendo sua homologação;
  7. Todos os acordos fraudulentos eram assinados apenas pelos advogados e vinham acompanhados de procuração do falecido, sempre cuidadosamente preparada com data anterior à morte;
  8. Após homologado o acordo, peticionavam nos autos informando o seu “descumprimento”, requerendo o levantamento dos valores bloqueados e indicando o membro da organização criminosa em nome de quem deveria ser expedido o alvará ou o número de sua conta, onde deveriam ser depositados os valores, o que era rapidamente deferido, com a expedição do respectivo alvará;
  9. Feito o bloqueio judicial dos valores depositados na conta do falecido e havendo manifestação de interessados, o exequente não mais se manifestava nos autos e, via de consequência, o processo era extinto;
  10. Após a liberação do alvará, os valores desviados das contas bancárias eram rapidamente movimentados entre os membros da organização criminosa, sempre com o intuito de ocultar a origem.

“Foi possível colher evidências contundentes ao longo da investigação, para além da dúvida razoável, de que os denunciados operam o branqueamento dos ativos ilícitos pela alocação financeira fraudulenta e acobertamento dos ganhos por interpostas pessoas físicas e jurídicas, e inserção de proveitos ilícitos em circulação bancária, para retroalimentar a cadeia associativa e afastar os ativos da origem”, assinala o procurador-geral.

Segundo Martinez Berdeal, “pessoas físicas e jurídicas foram utilizadas para garantir a ocultação de valores, reinserção financeira dos produtos ilicitamente adquiridos e enriquecimento indevido dos envolvidos”.

Operação Follow The Money mira fraudes em processos para pegar heranças de mortos sem herdeiros; fiscalização da Corregedoria do Tribunal do Espírito Santo foi o ponto de partida da investigacão. Foto: Reprodução/Processo judicial

Um núcleo da organização, afirma a Procuradoria, se instalou na Comarca de Barra de São Francisco, onde atuava o juiz Bruno Fritoli Almeida, na 1.ª Vara Cível. O grupo agiu no âmbito de nove ações.

“As investigações realizadas comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos e utilização reiterada de diversos documentos falsificados”, afirma o chefe do Ministério Público capixaba.

Na denúncia, Berdeal destaca que “por meio dessas ‘técnicas criminosas’ os denunciados com atuação na Comarca de Barra de São Francisco lograram êxito em levantar e desviar a quantia de R$ 7.084.856,54″.

O procurador detalhou minuciosamente caso a caso sob a guarda de Fritoli. O “padrão relâmpago” era sempre obedecido. Um desses casos resultou na liberação de R$ 1,41 milhão. Berdeal resumiu em sua peça de 266 páginas. “Em 31 de outubro de 2023, no mesmo dia em que apresentada em juízo a minuta, (Fritoli) prolatou sentença homologatória do acordo supostamente firmado entre as partes, ainda que o documento não houvesse sido assinado por qualquer das partes ou seus advogados.”

Fritoli sentenciou no mesmo dia - ou seja, apenas uma semana após a apresentação da inicial em juízo. No dia 14/ de novembro, ele “expediu alvará judicial em favor da parte exequente no valor de R$1.411.422,96, sem, todavia, juntar aos autos o respectivo documento (o alvará foi obtido pela Corregedoria)”.

Em outra ação o valor era superior a R$ 25 milhões, mas o plano do grupo acabou frustrado. O juiz sob suspeita sentenciou no dia 14 de junho de 2022, apenas quatro dias após a data do ajuizamento da execução, “com resultado sobre bloqueio e transferência para conta judicial, que culminou na restrição da quantia de R$25.370.071,83 da parte executada”.

Em 21 de junho, apenas um dia após a juntada aos autos de petição informando suposto acordo, Fritoli proferiu sentença de homologação, “ainda que ausentes quaisquer assinaturas no documento”. Na mesma oportunidade, observa o procurador-geral na denúncia, o juiz deferiu “o pedido de transferência dos valores à parte exequente”.

“Após reiteradas petições do espólio da requerida, sendo a primeira datada de 23 de junho de 2022, (Fritoli) extinguiu a execução em 22 de agosto, reconhecendo a falsidade dos documentos que instruíram a inicial, determinando o desbloqueio de valores e sua devolução ao espólio de Celso Silveira Mello Filho.”

Ainda de acordo com a denúncia do procurador-geral, a organização estendeu suas atividades para a Comarca de Ecoporanga, onde também atuou o juiz Bruno Fritoli Almeida. Nesse foro, foram duas ações que entraram na mira do ilícito.

O procurador-geral descobriu que o juiz Maurício Camatta Rangel também adotou o mesmo “padrão” de seu colega.

“Constata-se que todos os denunciados discriminados na presente peça acusatória, em maior ou menor grau, com consciência e vontade, promovem, constituem, financiam e integram, pessoalmente ou por interpostas pessoas, organização criminosa com estabilidade e permanência para promoverem delitos de falso documental, corrupção ativa e passiva, e lavagem de ativos arrecadados, lançando mão da circulação de valores, ocultação e dissimulação da origem, localização, disposição e movimentação de bens e direitos, eposterior integração ao acervo pessoal pela conversão em ativos aparentemente lícitos”, afirma o procurador-geral de Justiça.

Martinez Berdeal ressalta que o Inquérito Judicial (nº 0002277-53.2024.8.08.0000) “solidamente alicerçado em prova objetiva e subjetiva, consistente em conjuntos de diligências consubstanciadas em cumprimentos de mandados de prisão, busca e apreensão, depoimentos de testemunhas e de investigados, afastamento de sigilo telefônico, ERBs, telemático (e-mail e nuvem), quebra de sigilo fiscal e bancário, dentre outras medidas, versa sobre organização criminosa estruturada na cidade de Vitória e com a extensão de sua atuação a municípios circunvizinhos (Ecoporanga e Barra de São Francisco)”.

O chefe do MP do Espírito Santo sustenta taxativamente. “Como já amplamente demonstrado, a organização criminosa era integrada por Bruno Fritoli Almeida, à época juiz de Direito com atuação na Comarca de Barra de São Francisco e Ecoporanga, e Maurício Camatta Rangel, juiz de Direito titular da 4ª Vara Cível de Vitória, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de diversos crimes contra a administração pública, a fé pública, bem como delitos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.”

Sobre o advogado Ricardo Nunes de Souza, o procurador escreveu na denúncia levada ao Tribunal de Justiça. “Exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados.”

Berdeal argumenta que “há de se destacar que os denunciados expõem nas redes sociais um cotidiano marcado por sinais exteriores de riqueza incompatíveis com as profissões que declaram, além de altas transações financeiras identificadas, indicativo da fruição dos proveitos obtidos com as infrações penais cometidas e de cometimento de crimes de lavagem de capitais”.

O procurador alerta que o grupo tinha pretensões de esticar suas atividades por tempo indefinido. “Restou minuciosamente delineado o artifício utilizado para tornar perene a atividade criminosa e assegurar impunidade acerca de eventual atuação estatal repressiva, consistente na associação dos investigados, de forma organizada, cada qual ao seu modo e com funções distintas, mas sincronizadas, que se utilizou do Poder Judiciário para simular ações judiciais, com finalidade de enriquecimento ilícito.” Segundo ele, o objetivo da organização criminosa consistiu em “localizar e identificar pessoas falecidas ou em local incerto e não sabido, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis”.

“Feito isso, pleiteavam perante o Poder Judiciário o bloqueio de contas/bens e, em seguida, cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com o levantamento e liberação de valores. Para tanto eram confeccionados supostos contratos de compra e venda e/ou confissões de dívidas e/ou utilização de notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos que continham cláusula de confidencialidade com eleição do foro de Barra de São Francisco, Ecoporanga ou Vitória.”

“Ficou comprovado que a organização se utilizou de modelos de petições iniciais, com fatos semelhantes e requerimentos específicos, tais como, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo em decorrência de uma suposta cláusula de ‘confidencialidade’, o que, em verdade, tinha como finalidade evitar que terceiros ou possíveis herdeiros pudessem ter conhecimento dos processos”, afirma.

Na parte final da denúncia, o procurador escreveu. “Outro traço distintivo é que a organização criminosa contava, entre seus integrantes, com juízes de Direito integrantes do Poder Judiciário local, que, no desempenho de seu mister, agiram e se omitiram com o intuito de permitir, facilitar e acobertar as ações delituosas do grupo.”

Veja a lista de denunciados:

  • Bruno Fritoli Almeida - juiz
  • Maurício Camatta Rangel - juiz
  • Ricardo Nunes De Souza - advogado
  • José Joelson Martins De Oliveira, advogado
  • Vaguiner Coelho Lopes - advogado
  • Vicente Santório Filho - advogado
  • Veldir José Xavier - soldador
  • Mauro Pansini Junior - empresário
  • Victor Hugo De Mattos Martins - empresário
  • Luam Fernando Giuberti Marques - empresário
  • Denison Chaves Metzker - advogado
  • Gabriel Martins de Oliveira - advogado
  • Wisley Oliveira da Silva - advogado
  • João Autimio Leão Martins - produtor rural
  • Juarez José Campos - consultor
  • Eraldo Arlindo Vera Cruz - advogado
  • Claudio Marcio Mothe Cruzeiro - advogado
  • Luana Esperandio Nunes De Souza
  • Hayalla Esperandio
  • Luiz Antônio Esperandio

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem busca contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

As primeiras suspeitas sobre o esquema que teria sido montado por juízes e advogados do Espírito Santo para sacar heranças, investigado na Operação Follow The Money, apareceram a partir de uma fiscalização de rotina da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado, em novembro de 2023.

Até uma empresa especializada no comércio de pedras de granito era usada no esquema para simular contratos de compra e venda. Em um processo, o contrato falso apresentado somava R$ 10 milhões, mas a execução da dívida foi cancelada porque o espólio da falecida tomou conhecimento e se insurgiu contra a fraude.

O MP calcula um prejuízo de mais R$ 17 milhões.

A Operação Follow The Money prendeu o juiz Bruno Fritoli Almeida no dia 1.º de agosto em razão de “indícios veementes” de sua ligação com o esquema. Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Espírito Santo, Francisco Martinez Berdeal, denunciou 20 investigados, entre eles os juízes Fritoli Almeida e Maurício Camatta Rangel.

A acusação preenche 266 páginas e revela, passo a passo, como a organização operava em parte do universo forense do Estado.

A investigação da Corregedoria do Tribunal de Justiça identificou diversas irregularidades em comarcas capixabas, que já naquela altura pareciam indicar um padrão de fraudes.

Decisões judiciais emitidas com uma rapidez fora do comum - às vezes apenas algumas horas após o pedido ter sido protocolado -, demandas muito semelhantes, em alguns casos até idênticas e envolvendo os mesmos advogados, tentativas de direcionamento de processos para varas específicas, cláusulas de confidencialidade e imposição de sigilo dos processos foram algumas práticas que chamaram a atenção da Corregedoria.

O Ministério Público foi alertado pelo Tribunal de Justiça e abriu inquérito em dezembro de 2023. A partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e de mensagem dos investigados, e da análise minuciosa de cada processo, os investigadores concluíram que estavam diante de um emblemático esquema de fraudes.

O advogado Ricardo Nunes de Souza é apontado na denúncia como o líder do esquema. Segundo a denúncia oferecida pelo MP, ele “exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados”.

Fotografias de pedras de granito anexadas dos pedidos era sempre idênticas; esse foi um dos pontos que acendeu alerta nos investigadores. Foto: Reprodução/processo judicial

Quando as suspeitas vieram a público, a defesa do juiz Bruno Fritoli Almeida negou irregularidades e alegou que ele trabalha “há quase uma década com lisura e responsabilidade”.

“Confiantes da índole de Bruno durante sua carreira no judiciário, seguirão acompanhando o desenrolar do caso e atuando, com os instrumentos da lei, pela sua inocência”, diz o comunicado divulgado pelos advogados Rafael Lima, Larah Brahim e Mariah Sartório.

O Estadão busca contato com o juiz Maurício Camatta Rangel. O espaço está aberto também para todos os outros investigados.

A denúncia aponta que o grupo identificava mortos sem herdeiros e com quantias altas no banco ou em imóveis. O passo seguinte era a falsificação de contratos, notas promissórias e documentos de confissão de dívida em nome do falecido. Com os documentos falsos em mãos, davam entrada em pedidos para receber a dívida, que na realidade não existia.

Cabe agora ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo avaliar se há elementos para abertura de ação penal.

‘Mecanismos Fraudulentos’

Segundo a denúncia, as investigações “comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos”. O procurador-geral de Justiça elencou, ponto a ponto, como a suposta engenharia de fraudes avançou sobre processos de heranças milionárias de mortos sem sucessores.

  1. Localização de contas bancárias com valores vultuosos sem movimentação, geralmente de pessoas muito idosas ou falecidas aparentemente sem herdeiros;
  2. Criação de contratos de compra e venda, confissão de dívida ou notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos com cláusula de confidencialidade e eleição do foro;
  3. Partes não residentes na Comarca tampouco seus advogados, inclusive seus escritórios;
  4. Documentos com assinaturas sem comprovação de autenticidade;
  5. Uso de um “modelo” de petição inicial, com fatos semelhantes e requerimentos específicos – a exemplo, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo, declaração de autenticidade dos documentos anexados e requerimento de penhora e tutela antecipada inaudita altera parte. O grupo usava ainda o mesmo “modelo” de procuração para diferentes advogados;
  6. Determinado o bloqueio dos valores e a citação do executado, o cartório sequer precisava cumprir a determinação judicial, os advogados das partes logo se manifestavam, apresentando um suposto acordo extrajudicial e requerendo sua homologação;
  7. Todos os acordos fraudulentos eram assinados apenas pelos advogados e vinham acompanhados de procuração do falecido, sempre cuidadosamente preparada com data anterior à morte;
  8. Após homologado o acordo, peticionavam nos autos informando o seu “descumprimento”, requerendo o levantamento dos valores bloqueados e indicando o membro da organização criminosa em nome de quem deveria ser expedido o alvará ou o número de sua conta, onde deveriam ser depositados os valores, o que era rapidamente deferido, com a expedição do respectivo alvará;
  9. Feito o bloqueio judicial dos valores depositados na conta do falecido e havendo manifestação de interessados, o exequente não mais se manifestava nos autos e, via de consequência, o processo era extinto;
  10. Após a liberação do alvará, os valores desviados das contas bancárias eram rapidamente movimentados entre os membros da organização criminosa, sempre com o intuito de ocultar a origem.

“Foi possível colher evidências contundentes ao longo da investigação, para além da dúvida razoável, de que os denunciados operam o branqueamento dos ativos ilícitos pela alocação financeira fraudulenta e acobertamento dos ganhos por interpostas pessoas físicas e jurídicas, e inserção de proveitos ilícitos em circulação bancária, para retroalimentar a cadeia associativa e afastar os ativos da origem”, assinala o procurador-geral.

Segundo Martinez Berdeal, “pessoas físicas e jurídicas foram utilizadas para garantir a ocultação de valores, reinserção financeira dos produtos ilicitamente adquiridos e enriquecimento indevido dos envolvidos”.

Operação Follow The Money mira fraudes em processos para pegar heranças de mortos sem herdeiros; fiscalização da Corregedoria do Tribunal do Espírito Santo foi o ponto de partida da investigacão. Foto: Reprodução/Processo judicial

Um núcleo da organização, afirma a Procuradoria, se instalou na Comarca de Barra de São Francisco, onde atuava o juiz Bruno Fritoli Almeida, na 1.ª Vara Cível. O grupo agiu no âmbito de nove ações.

“As investigações realizadas comprovam a existência de um padrão utilizado pelos denunciados com diversos mecanismos fraudulentos e utilização reiterada de diversos documentos falsificados”, afirma o chefe do Ministério Público capixaba.

Na denúncia, Berdeal destaca que “por meio dessas ‘técnicas criminosas’ os denunciados com atuação na Comarca de Barra de São Francisco lograram êxito em levantar e desviar a quantia de R$ 7.084.856,54″.

O procurador detalhou minuciosamente caso a caso sob a guarda de Fritoli. O “padrão relâmpago” era sempre obedecido. Um desses casos resultou na liberação de R$ 1,41 milhão. Berdeal resumiu em sua peça de 266 páginas. “Em 31 de outubro de 2023, no mesmo dia em que apresentada em juízo a minuta, (Fritoli) prolatou sentença homologatória do acordo supostamente firmado entre as partes, ainda que o documento não houvesse sido assinado por qualquer das partes ou seus advogados.”

Fritoli sentenciou no mesmo dia - ou seja, apenas uma semana após a apresentação da inicial em juízo. No dia 14/ de novembro, ele “expediu alvará judicial em favor da parte exequente no valor de R$1.411.422,96, sem, todavia, juntar aos autos o respectivo documento (o alvará foi obtido pela Corregedoria)”.

Em outra ação o valor era superior a R$ 25 milhões, mas o plano do grupo acabou frustrado. O juiz sob suspeita sentenciou no dia 14 de junho de 2022, apenas quatro dias após a data do ajuizamento da execução, “com resultado sobre bloqueio e transferência para conta judicial, que culminou na restrição da quantia de R$25.370.071,83 da parte executada”.

Em 21 de junho, apenas um dia após a juntada aos autos de petição informando suposto acordo, Fritoli proferiu sentença de homologação, “ainda que ausentes quaisquer assinaturas no documento”. Na mesma oportunidade, observa o procurador-geral na denúncia, o juiz deferiu “o pedido de transferência dos valores à parte exequente”.

“Após reiteradas petições do espólio da requerida, sendo a primeira datada de 23 de junho de 2022, (Fritoli) extinguiu a execução em 22 de agosto, reconhecendo a falsidade dos documentos que instruíram a inicial, determinando o desbloqueio de valores e sua devolução ao espólio de Celso Silveira Mello Filho.”

Ainda de acordo com a denúncia do procurador-geral, a organização estendeu suas atividades para a Comarca de Ecoporanga, onde também atuou o juiz Bruno Fritoli Almeida. Nesse foro, foram duas ações que entraram na mira do ilícito.

O procurador-geral descobriu que o juiz Maurício Camatta Rangel também adotou o mesmo “padrão” de seu colega.

“Constata-se que todos os denunciados discriminados na presente peça acusatória, em maior ou menor grau, com consciência e vontade, promovem, constituem, financiam e integram, pessoalmente ou por interpostas pessoas, organização criminosa com estabilidade e permanência para promoverem delitos de falso documental, corrupção ativa e passiva, e lavagem de ativos arrecadados, lançando mão da circulação de valores, ocultação e dissimulação da origem, localização, disposição e movimentação de bens e direitos, eposterior integração ao acervo pessoal pela conversão em ativos aparentemente lícitos”, afirma o procurador-geral de Justiça.

Martinez Berdeal ressalta que o Inquérito Judicial (nº 0002277-53.2024.8.08.0000) “solidamente alicerçado em prova objetiva e subjetiva, consistente em conjuntos de diligências consubstanciadas em cumprimentos de mandados de prisão, busca e apreensão, depoimentos de testemunhas e de investigados, afastamento de sigilo telefônico, ERBs, telemático (e-mail e nuvem), quebra de sigilo fiscal e bancário, dentre outras medidas, versa sobre organização criminosa estruturada na cidade de Vitória e com a extensão de sua atuação a municípios circunvizinhos (Ecoporanga e Barra de São Francisco)”.

O chefe do MP do Espírito Santo sustenta taxativamente. “Como já amplamente demonstrado, a organização criminosa era integrada por Bruno Fritoli Almeida, à época juiz de Direito com atuação na Comarca de Barra de São Francisco e Ecoporanga, e Maurício Camatta Rangel, juiz de Direito titular da 4ª Vara Cível de Vitória, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de diversos crimes contra a administração pública, a fé pública, bem como delitos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.”

Sobre o advogado Ricardo Nunes de Souza, o procurador escreveu na denúncia levada ao Tribunal de Justiça. “Exerceu o comando da organização criminosa, chegando até mesmo a praticar pessoalmente atos de execução, sendo constatado como ponto em comum e de conexão entre diversos denunciados.”

Berdeal argumenta que “há de se destacar que os denunciados expõem nas redes sociais um cotidiano marcado por sinais exteriores de riqueza incompatíveis com as profissões que declaram, além de altas transações financeiras identificadas, indicativo da fruição dos proveitos obtidos com as infrações penais cometidas e de cometimento de crimes de lavagem de capitais”.

O procurador alerta que o grupo tinha pretensões de esticar suas atividades por tempo indefinido. “Restou minuciosamente delineado o artifício utilizado para tornar perene a atividade criminosa e assegurar impunidade acerca de eventual atuação estatal repressiva, consistente na associação dos investigados, de forma organizada, cada qual ao seu modo e com funções distintas, mas sincronizadas, que se utilizou do Poder Judiciário para simular ações judiciais, com finalidade de enriquecimento ilícito.” Segundo ele, o objetivo da organização criminosa consistiu em “localizar e identificar pessoas falecidas ou em local incerto e não sabido, sem herdeiros necessários ou interessados, com valores vultosos em contas de instituições financeiras e/ou imóveis”.

“Feito isso, pleiteavam perante o Poder Judiciário o bloqueio de contas/bens e, em seguida, cumprimento de supostos acordos extrajudiciais, com o levantamento e liberação de valores. Para tanto eram confeccionados supostos contratos de compra e venda e/ou confissões de dívidas e/ou utilização de notas promissórias indicando supostos negócios jurídicos que continham cláusula de confidencialidade com eleição do foro de Barra de São Francisco, Ecoporanga ou Vitória.”

“Ficou comprovado que a organização se utilizou de modelos de petições iniciais, com fatos semelhantes e requerimentos específicos, tais como, solicitação de que as ações tramitassem em sigilo em decorrência de uma suposta cláusula de ‘confidencialidade’, o que, em verdade, tinha como finalidade evitar que terceiros ou possíveis herdeiros pudessem ter conhecimento dos processos”, afirma.

Na parte final da denúncia, o procurador escreveu. “Outro traço distintivo é que a organização criminosa contava, entre seus integrantes, com juízes de Direito integrantes do Poder Judiciário local, que, no desempenho de seu mister, agiram e se omitiram com o intuito de permitir, facilitar e acobertar as ações delituosas do grupo.”

Veja a lista de denunciados:

  • Bruno Fritoli Almeida - juiz
  • Maurício Camatta Rangel - juiz
  • Ricardo Nunes De Souza - advogado
  • José Joelson Martins De Oliveira, advogado
  • Vaguiner Coelho Lopes - advogado
  • Vicente Santório Filho - advogado
  • Veldir José Xavier - soldador
  • Mauro Pansini Junior - empresário
  • Victor Hugo De Mattos Martins - empresário
  • Luam Fernando Giuberti Marques - empresário
  • Denison Chaves Metzker - advogado
  • Gabriel Martins de Oliveira - advogado
  • Wisley Oliveira da Silva - advogado
  • João Autimio Leão Martins - produtor rural
  • Juarez José Campos - consultor
  • Eraldo Arlindo Vera Cruz - advogado
  • Claudio Marcio Mothe Cruzeiro - advogado
  • Luana Esperandio Nunes De Souza
  • Hayalla Esperandio
  • Luiz Antônio Esperandio

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