Estamos vivendo um ano totalmente atípico, principalmente com relação a Educação no Brasil e no mundo. Se já tínhamos grandes e complexos desafios educacionais, agora eles assumiram novas e grandes proporções. De um lado tornaram-se mais difíceis, mais complexos e mais urgentes. De outro, num olhar mais otimista, temos um momento fértil para a promoção de mudanças e quebra de paradigmas. Se tivermos uma forte liderança à frente do Ministério da Educação, acredito que poderemos dar passos largos em prol de uma educação de maior qualidade, mais igualitária e mais justa para todos.
Podemos numerar em dez tópicos esses grandes desafios:
- A execução das diretrizes do Plano Nacional da Educação (PNE);
O Plano Nacional de Educação (PNE) trouxe, em 2014, a proposta para as novas diretrizes, metas e estratégias para a educação brasileira. Propondo a execução de 20 metas ao longo de 10 anos com o objetivo de criar processos fundamentais para a melhoria e organização da educação nacional, na busca pela equidade e qualidade da educação brasileira para todos.
Das 20 metas propostas pelo PNE, há uma organização em etapas para que se alcance os objetivos propostos em 10 anos, sendo que algumas diretrizes são específicas para o ano de 2020, como por exemplo, a equiparação do rendimento médio dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica; aferição da evolução das metas com estudos do INEP; avaliação da Educação Infantil, com base em parâmetros nacionais de qualidade; elevação das taxas de conclusão dos cursos de graduação, sendo de 90% nas universidades públicas e 75% nas particulares, entre outros.
A execução, monitoramento e fiscalização dessas diretrizes, em tempos normais já seria um desafio para qualquer líder no âmbito educacional, portanto considerando a especificidade do momento em que a educação vive este ano de 2020, os desafios para a execução dessa proposta se tornam ainda maiores.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), divulgou nessa quinta-feira, dia 2, o relatório do Plano Nacional de Educação (PNE) que apresenta que apenas uma das 20 metas do PNE previstas para serem atingidas entre 2014 e 2024, foi atingida. Especificamente a meta nº 13, sobre a Titulação de professores da educação superior, que visava garantir pelo menos 75% de professores com mestrado na educação superior e 35% com doutorado, meta que foi cumprida em 2018.
- Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb);
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), redistribuiu aos estados e municípios um montante de cerca de R$ 165 bilhões para a educação básica, entre creches, Pré-escola, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Segundo a legislação que regulamenta o Fundeb, ele se estenderá até dezembro 2020. A discussão para torna-lo permanente é um dos assuntos mais intensos do debate público, com propostas tramitando no Congresso Nacional, pois o fundo é considerado como uma proposta fundamental para melhorar a qualidade e a equidade na educação brasileira.
Podemos considerar este mais um grande desafio para a gestão da educação que fica nas mãos do novo Ministro, pois se faz necessário pensar em uma estratégia para não causar uma desordem total na educação, visto que a maioria dos municípios depende do fundo para garantir a folha de pagamento dos professores e funcionários das escolas. Sabe-se que o fundo contribui para a diminuição da desigualdade na educação quando se trata dos recursos disponibilizados às redes de ensino, ajudando as escolas a se organizarem melhor e expandirem o número de matrículas para a educação básica.
- A implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na educação básica;
Há muito anos, a discussão de uma nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), vem sendo motivo de estudos e pautas do setor público. Em 2018 a proposta passou a ser implementada, após sua terceira versão elaborada em 2017.
Essas novas propostas para nortear o currículo das escolas públicas e privadas de todo o Brasil, tem como objetivo promover a elevação da qualidade do ensino no país por meio de uma referência comum obrigatória para todas as escolas de educação básica, respeitando a autonomia assegurada pela Constituição aos entes federados e às escolas.
A proposta para o ano de 2020 era a implantação da Base que contempla diferentes elementos e habilidades que precisam ser desenvolvidas pelos alunos, considerando a visão integral do estudante como aspectos cognitivos, sociais e pessoais.
O impacto da implementação da nova base vai além dos processos de ensino-aprendizagem, englobando gestão, formação e professores e métodos de avaliação, o que reflete diretamente no projeto político pedagógico das escolas.
Este ponto, muito polêmico em todo o seu percurso, é sem dúvida um grande desafio para o novo Ministro, principalmente agora com a nova realidade das escolas públicas e privadas durante a pandemia.
- A implantação do novo ensino médio;
O Novo Ensino Médio foi previsto em 2014, no Plano Nacional de Educação e surgiu de mudanças na Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional (LDB), Novas Diretrizes Curriculares e a elaboração na Base Nacional Comum Curricular.
Tem como proposta três frentes importantes como o desenvolvimento do protagonismo dos estudantes considerando seu projeto de vida, a utilização da escolha orientada do que desejam estudar, a valorização da aprendizagem, ampliação de carga horária de estudos, garantia de direitos de aprendizagem e definição de conteúdos essenciais para todos os jovens.
Diante dessas propostas, muitas expectativas giraram em torno dessa implantação, já que está prevista uma grande mudança na estrutura do ensino, com ampliação de carga horária e uma nova organização curricular, mais flexível, ofertando os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica profissional.
O grande desafio para o Ministro da Educação é que esta proposta seja efetiva considerando a diversidade de estados e municípios brasileiros e que a garantia de uma formação para jovens seja mesmo uma proposta de mudança e promoção social para todos os estudantes.
- O projeto de recuperação das aulas em função da pandemia;
A suspensão das aulas, devido à necessidade de isolamento social para o combate à covid-19, trouxe uma sobrecarga para os gestores educacionais, não só no tocante à condução das aulas remotas, mas também a como organizar e preparar a escola para o retorno das aulas.
Nesse caso os desafios são ainda mais complexos, pois há a necessidade de garantir que não cresça ainda mais a curva de desigualdade social no que tange o ensino público e privado, considerando as preocupações quanto ao ensino remoto e a volta às aulas. O novo Ministro precisará pensar em estratégias para que nenhum aluno fique para trás.
O primeiro passo é construir um cronograma de reposição, definindo pelo menos uma data estimada de retorno das aulas. Embora a liberação de retorno das atividades escolares presenciais ainda não tenha uma previsão segura e nacional, é importante ter uma data para organizar não somente as aulas a distância, como direcionar as ações necessárias para a retomada das atividades nas escolas.
Além das preocupações com as questões de prevenção e cuidado, há a demanda de gestão de um novo ensino híbrido, propostas de rotatividade nas escolas públicas, auxílio para equipamentos a professores e alunos para que sejam efetivas as aulas remotas, organização de avaliação diagnóstica para o retorno das aulas, considerando as questões socioemocionais que acometem crianças e adolescentes devido ao isolamento e distanciamento social, lembrando da necessidade de avaliar a efetividade do ensino remoto individualmente e criar estratégias para identificar a defasagem dos estudante durante o afastamento das salas de aula.
E ainda pensar em recursos para disponibilizar equipamentos e internet para os alunos e professores e para as escolas conseguirem cumprir com as normas de higiene e saúde quando retornarem às atividades presenciais ou híbridas.
- A implantação da Educação a distância e o ensino híbrido nas escolas de educação básica e na educação superior.
A educação a distância cresce e crescerá a passos largos no Brasil. O censo educacional de 2018 já havia apontado que o total de vagas oferecidas na EaD passou as ofertas em educação presencial pela primeira vez na história. Com a ampliação dessa oferta, a migração de cursos presenciais para o modelo semipresencial, e recentemente com a crise do coronavírus, estamos vendo a educação a distância se consolidar no ensino superior e adentrar também na educação básica, fato pouco imaginável a alguns meses atrás.
- A implantação do programa de formação dos professores, já ajustado a esse novo momento que vive a educação.
Também aliado a Base Nacional Comum Curricular, o Ministério da Educação (MEC) pontua a necessidade de uma formação de professores mais voltada a prática e técnicas baseadas em conceitos científicos nos cursos de Pedagogia.
A proposta vem junto com a implantação da Base no ano de 2020, mais uma questão que se intensifica diante da pandemia, pois os professores, obrigatoriamente já estão precisando se reinventar para assumir um novo papel. E ainda enfrentar os novos desafios da educação remota, que exige muito mais ações emergenciais e criatividade que conceitos e teorias.
É fato que assim como existem professores engajados com essa mudança e isso também está impactando na formação acadêmica dos novos professores, nas universidades públicas e particulares, há aqueles que ainda resistem a essa transformação e desejam ou acreditam que a educação presencial voltará a ser como antes.
Entre tantos desafios com a formação de professores, o novo Ministro precisará pensar em estratégias e suporte material, para que os professores que já atuam na educação básica, possam ter o suporte necessário para aprimorar seu trabalho com seus alunos, vencendo a resistência dos mais tradicionais e criando novas possibilidades para os que ainda estão na graduação.
- O Enem
Um dos grandes desafios do novo Ministro é com a organização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), desde as questões logísticas até a data da realização. Tudo precisa ser muito bem planejado para não comprometermos esse exame, que é a principal porta dos alunos para o ensino superior. É o segundo maior exame do mundo e um dos mais complexos de ser realizado. Temos a inclusão da versão digital do Enem e a necessidade de uma revisão em todo o programa, que está atrasado com relação ao exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).
O PISA, que é uma avaliação internacional, já tem muitas questões abertas, um modelo que precisa ser seguido. Hoje o Enem está muito atrás com relação aos outros países por que mantém ainda uma avaliação com questões de múltipla escolha e como esse modelo está bastante atrasado, acredito que a tendência será, além do ensino digital, o Enem com questões abertas.
- A melhoria da qualidade do ensino na educação básica, principalmente observados o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e Pisa
O Brasil está entre os últimos no ranking da educação mundial, segundo os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgado no último dia 3, e isso nem é mais novidade. É duro, mas a constatação é de que a educação pública do país está estagnada. O Brasil mantém um nível de investimento na área equivalente à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, desde a redemocratização, vem alinhando pouco a pouco suas políticas educacionais às práticas internacionais. Mas a qualidade da aprendizagem permanece muito abaixo da média, como os resultados do Pisa vêm demonstrando edição após edição.
O primeiro passo é identificar as causas para o baixo nível de aprendizagem dos nossos alunos e definir uma estratégia que possa nos levar a uma mudança neste cenário.
Como já dizia o ex-ministro da Educação Henrique Paim, o maior gargalo da educação brasileira é a formação dos professores. Estes saem das universidades cada vez menos preparados para atuar numa sala de aula. A formação é ineficiente e fora da realidade, carregada de abstrações e com pouca prática. Soma-se a isso o fato de que a maioria dos estudantes que procura o magistério é composta por alunos que tiveram desempenho sofrível no ensino médio. Estudos recentes mostram que tanto a nota de corte do Enem, dos ingressantes, quanto a nota do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), dos concluintes dos cursos de licenciatura -- que preparam para a atividade docente em áreas como português, matemática e história -- é inferior à média registrada por todos os cursos universitários.
O segundo fator que impede o avanço está relacionado às famílias, principalmente aos pais, que, na grande maioria dos casos, não ajudam, não cobram e nem apoiam os gestores e professores na promoção de uma educação de qualidade. Dos pais que têm seus filhos nas escolas públicas, cerca de 70% não têm ensino fundamental completo. Fica difícil para eles de fato contribuírem, palpitarem e até brigarem por uma educação melhor. O que é triste é que a maioria está, inclusive, satisfeita com a escola que aí está.
O terceiro fator tem a ver com a escola em si, sua infraestrutura física e tecnológica, extremamente inadequada para a realidade de hoje. Enquanto muitas escolas particulares atacaram esses problemas com altos investimentos, no setor público ainda encontramos escolas que nos remetem ao século passado, com uma precariedade que dá dó.
Enfim, são tantos os problemas e desafios com os quais temos de lidar que eu poderia ficar aqui discorrendo horas e horas. Sinceramente, acredito que não conseguiremos sair dessa estagnação se não tivermos um projeto revolucionário para a educação. Um projeto que consiga resgatar a autoestima do professor, que transforme gestores em líderes, que consiga envolver os pais e famílias e que reinvente a escola pública no Brasil. E esse projeto deve ser de todos.
- As mudanças no ensino superior
Um outro grande desafio do Ministro é a relação com as instituições de educação superior.
Na educação superior pública temos o Future-se. Trata-se de um projeto polêmico apresentado pelo MEC, em julho do ano passado, como uma forma de "dar maior autonomia financeira a universidades e institutos (federais) por meio do fomento à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo", de forma a complementar os orçamentos dessas instituições. Embora com muitas críticas, o projeto será bastante debatido neste ano e, se aprovado pelo Congresso, as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas que aderirem deverão se aproximar mais do setor produtivo, com a expectativa de ampliarem seus recursos e garantirem mais taxas de sucesso dos seus alunos, principalmente com o aumento da empregabilidade. Também temos muitas questões que exigirão do ministro muita diplomacia e habilidades políticas para minimizar a crise vivida pelo MEC com as universidades públicas.
Pautado em tantas mudanças desse ano de 2020, tão diferente de todos os anos, acredito que estes sejam alguns dos principais desafios que o novo Ministro encontrará pela frente, no que tange as preocupações com a educação brasileira. É fundamental que o novo Ministro esteja ciente e engajado na necessidade de execução de todos esses projetos e se atenha ao monitoramento e implantação de todos esses programas para que de fato seja possível ao Brasil, dar passos largos em prol de uma educação mais inclusiva, mais justa e de maior qualidade.
*Renato Casagrande é presidente do Instituto Casagrande, doutorando em Educação pela Universidade de Aveiro (Portugal), mestre e bacharel em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e conta com licenciatura em Matemática. Nestes 35 anos de profissão já exerceu importantes funções, como pró-reitor universitário, diretor e professor de faculdade, colégios públicos e privados. Foi também Diretor de Departamento do Ensino Médio e Educação Profissional do Estado do Paraná e coordenador/fundador da Rede Nacional de Referência em Gestão Educacional, também do Paraná.