Muito embora as alterações legislativas sejam sempre uma tônica constante que antecedem a disputa eleitoral, certo é que especialmente neste ano o debate de teses jurídicas divide protagonismo com uma preocupação latente na defesa da democracia, do estado democrático de direito, da justiça eleitoral, das urnas eletrônicas, do combate às Fake News e contra a prática de violência política.
Voltar a discutir princípios da República, da democracia e a lisura de um processo eleitoral que há 25 anos elege e reelege com alternância ideologias antagônicas, traz uma premissa que é óbvia: retrocedemos, é inconteste.
Mais do que isso, tudo indica que existe uma tentativa de implantação do caos através de ameaças a autoridades, da disseminação de manifestações falsas e da já conhecida prática de violência por aqueles que desafiam diuturnamente as instituições e os poderes da República.
É neste sentido que causa estranheza o ensaio de envolvimento das forças armadas e sua recente atuação cuja expectativa diz muito sobre a temperatura que se avizinha na corrida eleitoral acende alerta de uma memória recente, onde as garantias fundamentais não existiam, o terror era parte de um cotidiano e as eleições não eram genuinamente livres.
Os ataques às urnas eletrônicas pesam sobremaneira a um país que é pioneiro na coleta, contagem do voto eletrônico, em um sistema que garante transparência, rapidez na apuração e que é aferido de maneira recorrente por uma série de procedimentos auditáveis acompanhados por partidos políticos, ministério público e sociedade civil.
Aliás, registre-se que ao longo da história não existe nenhum caso comprovado de fraude na votação eletrônica, enquanto há incontáveis comprovações e decisões judiciais de fraude quando a manifestação do voto era em papel.
A escalada de declarações que atentam contra a regularidade eleitoral vem testando a sociedade, as instituições organizadas e a comunidade internacional como presságio de uma tempestade que se alimenta da desinformação, das ameaças à liberdade de escolha, da contrariedade à soberania do voto e da prática reiterada de violência política.
Se em tempos pretéritos nosso país era exemplo para a comunidade internacional, hoje o Brasil sofre com resoluções e decisões externas que alertam sobre a ausência de investimentos e repasses financeiros internacionais no caso de eleições não livres.
Mas não é só. Para além da defesa da regularidade na apuração eleitoral, da democracia, da manutenção do estado Democrático de Direito outro ponto também é motivo de intensa atenção: a violência política.
Episódios recentes demonstram a lamentável escalada de declarações e ações violentas mediante atitudes antidemocráticas a ameaças autoritárias que flertam com os anos de chumbo, com o discurso de ódio e com o golpe planejado.
O crescente número de agressões, atentados e mortes são um perigo iminente para a regularidade da disputa eleitoral uma vez que seguem praticados com a finalidade de silenciar e amedrontar grupos políticos antagônicos impedindo a livre manifestação, a pluralidade, o debate de ideias e atividade partidárias que são práticas significativas para uma democracia de fato livre.
Se antes o tolhimento da vontade popular ocorria mediante censura e tortura, a tônica agora parece ser da barbárie instalada como forma de opressão aparentemente estimulada por parte das autoridades políticas deste país que se utiliza de uma retórica efusiva contra os direitos da cidadania e que por vezes se esconde em um fundamentalismo religioso deturpado.
Um país que desenvolveu profunda intolerância política, que no lugar do diálogo cede para a violência, e onde as milícias digitais saltam para a prática de atrocidades no mundo real é um país fadado a repetir o pior lado de sua história se mantiver a relativização de ataques a direitos fundamentais.
A próxima eleição é a mais difícil da era democrática pela ameaça contumaz de cerceamento a direitos individuais e verdadeiros princípios de uma nação, de modo que é imperioso que a sociedade civil, as instituições democráticas e os verdadeiros representantes da nação não se curvem a qualquer ataque à democracia e ao processo eleitoral, entrincheirados em um verdadeiro muro instransponível que defenderá a garantia da ordem e a soberania do voto.
*Maíra Recchia, presidente do Observatório Eleitoral da OAB-SP