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Os objetivos declarados e o real significado da mudança na Lei da Ficha Limpa


Por Luiz Eduardo Peccinin
Luiz Eduardo Peccinin. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na data de ontem, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que insere um novo dispositivo à lei da "Ficha Limpa", prevendo uma "excludente" de inelegibilidade a candidatos que tiveram suas contas rejeitadas aos casos em que não houve imputação de débito e que tenham sido sancionados "exclusivamente com o pagamento de multa".

Conforme parecer final na Câmara dos Deputados, o objetivo do projeto era "aplicar a mesma ratio constante na alínea 'l', a qual exige, de forma expressa, a prática de atos gravíssimos (que causem dano ao erário e enriquecimento ilícito) à alínea 'g', no que diz respeito à improbidade administrativa", além de conferir mais "segurança jurídica face o critério objetivo a ser aplicado no exame dos pedidos de registro de candidatura". Ou seja, o projeto serviria reduzir o espaço interpretativo da Justiça Eleitoral e trazer mais objetividade à aplicação da lei.

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De fato, dentre as várias inelegibilidades da "Ficha Limpa", a que provém da rejeição das contas é uma das que confere maiores poderes de análise à Justiça Eleitoral, além de trazer para os rápidos julgamentos de registros de candidatura o regime da Lei de Improbidade Administrativa. Ocorre que entre os objetivos declarados no projeto, parece que o projeto errou o alvo. Ou traduz objetivos não expressos nos debates do Congresso.

Primeiro, o dispositivo não faz expressamente aquilo que pretende, pois não exige dano ao erário ou enriquecimento ilícito na rejeição das contas, como faz a inelegibilidade que decorre da condenação por improbidade administrativa. Além disso, não esclarece explicitamente o significado da expressão "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa", exigido para que a inelegibilidade seja aplicada.

Ainda, não resolve completamente a insegurança jurídica da atual redação da lei. Ao contrário, traz novas dúvidas que somente serão respondidas pela jurisprudência. Por exemplo: ela não esclarece em face de quem seria essa imputação de débito, contra o pretenso candidato e então responsável pelas contas? Ou basta que haja imputação de débito em face de terceiros? E se a não imputação de débito não ocorre expressamente, mas o acórdão dispõe em sua fundamentação a presença de prejuízo, pode a Justiça Eleitoral avançar superar a excludente e aplicar a inelegibilidade? Por fim, são necessárias as duas condicionantes para exclusão da incidência da norma ou apenas uma já basta?

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Por fim, vale atentar para algo mais evidente na redação do novo dispositivo: sua pretensão de restringir significativamente o âmbito de incidência da inelegibilidade, visto que não é sempre que as rejeições de contas vêm acompanhadas de outras sanções que não a pena de multa. Mesmo diante de irregularidades de ordem financeira, eventuais danos ao erário muitas vezes não são verificados no julgamento das contas, mas apenas após processos judiciais ou de imputação específicos nas Cortes de Contas. Assim, se a norma exprime um sentido de exclusão, naturalmente decisões omissas em relação a esses dois aspectos terão afastados os efeitos reflexos à candidatura pelos responsáveis.

Ou seja, a norma, além de não atender a seus objetivos expressos, ainda pode implicar em mais judicialização e incerteza na interpretação da lei.

Mas o maior perigo, todavia, advém daquilo que não é declarado. Com atual redação, a norma pode limitar consideravelmente a inelegibilidade que numericamente mais retira candidaturas da disputa desde a aprovação da "Ficha Limpa". O TSE já caminhou muito em sua interpretação ao exigir que a desaprovação das contas traga elementos que revelem "dolo, má-fé em dilapidar a coisa pública ou a ilegalidade qualificada em descumprir as normas de gestão", como visto em julgados mais recentes. Revogar implicitamente a norma por uma ampla excludente não parece ser o melhor caminho para tanto.

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Ao que se vê, assim como aconteceu com a aprovação da própria "Ficha Limpa", novamente o Congresso promove uma reforma sem o devido debate. Uma redação melhor pensada poderia ter realmente contribuído com uma maior previsibilidade e segurança jurídica dos processos de registro de candidatura. Ao invés de seguir o caminho mais adequado, todavia, a mudança empreendida mais parece um "remendo", que, ao invés de aprimorar a lei (medida sempre salutar), pode contribuir com mais dúvidas e insegurança. Para os candidatos, partidos e, consequentemente, para o eleitor.

*Luiz Eduardo Peccinin, advogado sócio da Peccinin Advocacia, especialista em Direito Eleitoral e Mestre em Direito do Estado pela UFPR

Luiz Eduardo Peccinin. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na data de ontem, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que insere um novo dispositivo à lei da "Ficha Limpa", prevendo uma "excludente" de inelegibilidade a candidatos que tiveram suas contas rejeitadas aos casos em que não houve imputação de débito e que tenham sido sancionados "exclusivamente com o pagamento de multa".

Conforme parecer final na Câmara dos Deputados, o objetivo do projeto era "aplicar a mesma ratio constante na alínea 'l', a qual exige, de forma expressa, a prática de atos gravíssimos (que causem dano ao erário e enriquecimento ilícito) à alínea 'g', no que diz respeito à improbidade administrativa", além de conferir mais "segurança jurídica face o critério objetivo a ser aplicado no exame dos pedidos de registro de candidatura". Ou seja, o projeto serviria reduzir o espaço interpretativo da Justiça Eleitoral e trazer mais objetividade à aplicação da lei.

De fato, dentre as várias inelegibilidades da "Ficha Limpa", a que provém da rejeição das contas é uma das que confere maiores poderes de análise à Justiça Eleitoral, além de trazer para os rápidos julgamentos de registros de candidatura o regime da Lei de Improbidade Administrativa. Ocorre que entre os objetivos declarados no projeto, parece que o projeto errou o alvo. Ou traduz objetivos não expressos nos debates do Congresso.

Primeiro, o dispositivo não faz expressamente aquilo que pretende, pois não exige dano ao erário ou enriquecimento ilícito na rejeição das contas, como faz a inelegibilidade que decorre da condenação por improbidade administrativa. Além disso, não esclarece explicitamente o significado da expressão "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa", exigido para que a inelegibilidade seja aplicada.

Ainda, não resolve completamente a insegurança jurídica da atual redação da lei. Ao contrário, traz novas dúvidas que somente serão respondidas pela jurisprudência. Por exemplo: ela não esclarece em face de quem seria essa imputação de débito, contra o pretenso candidato e então responsável pelas contas? Ou basta que haja imputação de débito em face de terceiros? E se a não imputação de débito não ocorre expressamente, mas o acórdão dispõe em sua fundamentação a presença de prejuízo, pode a Justiça Eleitoral avançar superar a excludente e aplicar a inelegibilidade? Por fim, são necessárias as duas condicionantes para exclusão da incidência da norma ou apenas uma já basta?

Por fim, vale atentar para algo mais evidente na redação do novo dispositivo: sua pretensão de restringir significativamente o âmbito de incidência da inelegibilidade, visto que não é sempre que as rejeições de contas vêm acompanhadas de outras sanções que não a pena de multa. Mesmo diante de irregularidades de ordem financeira, eventuais danos ao erário muitas vezes não são verificados no julgamento das contas, mas apenas após processos judiciais ou de imputação específicos nas Cortes de Contas. Assim, se a norma exprime um sentido de exclusão, naturalmente decisões omissas em relação a esses dois aspectos terão afastados os efeitos reflexos à candidatura pelos responsáveis.

Ou seja, a norma, além de não atender a seus objetivos expressos, ainda pode implicar em mais judicialização e incerteza na interpretação da lei.

Mas o maior perigo, todavia, advém daquilo que não é declarado. Com atual redação, a norma pode limitar consideravelmente a inelegibilidade que numericamente mais retira candidaturas da disputa desde a aprovação da "Ficha Limpa". O TSE já caminhou muito em sua interpretação ao exigir que a desaprovação das contas traga elementos que revelem "dolo, má-fé em dilapidar a coisa pública ou a ilegalidade qualificada em descumprir as normas de gestão", como visto em julgados mais recentes. Revogar implicitamente a norma por uma ampla excludente não parece ser o melhor caminho para tanto.

Ao que se vê, assim como aconteceu com a aprovação da própria "Ficha Limpa", novamente o Congresso promove uma reforma sem o devido debate. Uma redação melhor pensada poderia ter realmente contribuído com uma maior previsibilidade e segurança jurídica dos processos de registro de candidatura. Ao invés de seguir o caminho mais adequado, todavia, a mudança empreendida mais parece um "remendo", que, ao invés de aprimorar a lei (medida sempre salutar), pode contribuir com mais dúvidas e insegurança. Para os candidatos, partidos e, consequentemente, para o eleitor.

*Luiz Eduardo Peccinin, advogado sócio da Peccinin Advocacia, especialista em Direito Eleitoral e Mestre em Direito do Estado pela UFPR

Luiz Eduardo Peccinin. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na data de ontem, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que insere um novo dispositivo à lei da "Ficha Limpa", prevendo uma "excludente" de inelegibilidade a candidatos que tiveram suas contas rejeitadas aos casos em que não houve imputação de débito e que tenham sido sancionados "exclusivamente com o pagamento de multa".

Conforme parecer final na Câmara dos Deputados, o objetivo do projeto era "aplicar a mesma ratio constante na alínea 'l', a qual exige, de forma expressa, a prática de atos gravíssimos (que causem dano ao erário e enriquecimento ilícito) à alínea 'g', no que diz respeito à improbidade administrativa", além de conferir mais "segurança jurídica face o critério objetivo a ser aplicado no exame dos pedidos de registro de candidatura". Ou seja, o projeto serviria reduzir o espaço interpretativo da Justiça Eleitoral e trazer mais objetividade à aplicação da lei.

De fato, dentre as várias inelegibilidades da "Ficha Limpa", a que provém da rejeição das contas é uma das que confere maiores poderes de análise à Justiça Eleitoral, além de trazer para os rápidos julgamentos de registros de candidatura o regime da Lei de Improbidade Administrativa. Ocorre que entre os objetivos declarados no projeto, parece que o projeto errou o alvo. Ou traduz objetivos não expressos nos debates do Congresso.

Primeiro, o dispositivo não faz expressamente aquilo que pretende, pois não exige dano ao erário ou enriquecimento ilícito na rejeição das contas, como faz a inelegibilidade que decorre da condenação por improbidade administrativa. Além disso, não esclarece explicitamente o significado da expressão "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa", exigido para que a inelegibilidade seja aplicada.

Ainda, não resolve completamente a insegurança jurídica da atual redação da lei. Ao contrário, traz novas dúvidas que somente serão respondidas pela jurisprudência. Por exemplo: ela não esclarece em face de quem seria essa imputação de débito, contra o pretenso candidato e então responsável pelas contas? Ou basta que haja imputação de débito em face de terceiros? E se a não imputação de débito não ocorre expressamente, mas o acórdão dispõe em sua fundamentação a presença de prejuízo, pode a Justiça Eleitoral avançar superar a excludente e aplicar a inelegibilidade? Por fim, são necessárias as duas condicionantes para exclusão da incidência da norma ou apenas uma já basta?

Por fim, vale atentar para algo mais evidente na redação do novo dispositivo: sua pretensão de restringir significativamente o âmbito de incidência da inelegibilidade, visto que não é sempre que as rejeições de contas vêm acompanhadas de outras sanções que não a pena de multa. Mesmo diante de irregularidades de ordem financeira, eventuais danos ao erário muitas vezes não são verificados no julgamento das contas, mas apenas após processos judiciais ou de imputação específicos nas Cortes de Contas. Assim, se a norma exprime um sentido de exclusão, naturalmente decisões omissas em relação a esses dois aspectos terão afastados os efeitos reflexos à candidatura pelos responsáveis.

Ou seja, a norma, além de não atender a seus objetivos expressos, ainda pode implicar em mais judicialização e incerteza na interpretação da lei.

Mas o maior perigo, todavia, advém daquilo que não é declarado. Com atual redação, a norma pode limitar consideravelmente a inelegibilidade que numericamente mais retira candidaturas da disputa desde a aprovação da "Ficha Limpa". O TSE já caminhou muito em sua interpretação ao exigir que a desaprovação das contas traga elementos que revelem "dolo, má-fé em dilapidar a coisa pública ou a ilegalidade qualificada em descumprir as normas de gestão", como visto em julgados mais recentes. Revogar implicitamente a norma por uma ampla excludente não parece ser o melhor caminho para tanto.

Ao que se vê, assim como aconteceu com a aprovação da própria "Ficha Limpa", novamente o Congresso promove uma reforma sem o devido debate. Uma redação melhor pensada poderia ter realmente contribuído com uma maior previsibilidade e segurança jurídica dos processos de registro de candidatura. Ao invés de seguir o caminho mais adequado, todavia, a mudança empreendida mais parece um "remendo", que, ao invés de aprimorar a lei (medida sempre salutar), pode contribuir com mais dúvidas e insegurança. Para os candidatos, partidos e, consequentemente, para o eleitor.

*Luiz Eduardo Peccinin, advogado sócio da Peccinin Advocacia, especialista em Direito Eleitoral e Mestre em Direito do Estado pela UFPR

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