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Os sertões da Lei Fiscal


Por Valdecir Pascoal
Valdecir Pascoal. Foto: Arquivo Pessoal

A Lei de Responsabilidade Fiscal chega à maioridade. Tempo de superar conflitos e consolidar o seu maior destino: o equilíbrio fiscal sustentável das contas públicas. Mas ainda há muitos desertos no caminho desta filha legítima da república.

No primeiro texto que escrevi sobre a recém-nascida LRF, foi natural associá-la a Graciliano Ramos. Como Prefeito da pequena Palmeira dos Índios, no final dos anos vinte, revelou-se exemplo de compostura republicana, de responsabilidade e transparência, como atestam seus famosos "Relatórios" de prestação de contas. Passados 18 anos, não obstante os avanços alcançados, a LRF enfrenta desafios de gente adulta e, desta feita, não há como olvidar a figura do sertanejo descrito por Euclides da Cunha, "antes de tudo, um forte", que precisava ser resiliente e florescer na aridez.

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Como na saga do personagem euclidiano, são muitos os sertões-adversidades que afligem a LRF. É certo que ela própria tem o desafio de superar problemas pontuais que ficaram mais evidentes com o passar destes anos. Exemplo: além de um teto fiscal para as despesas com pessoal é imprescindível que se institua um novo limite para outros gastos correntes que custeiam a máquina, incluindo os indenizatórios e os despendidos com terceirizações.

O que chama a atenção, contudo, neste dialético cenário de crise porque passa o país, são as ameaças exógenas, que surgem amiúde sob o manto do aperfeiçoamento, mas que, de fato, acabam tolhendo os efeitos da norma. É o caso de propostas que buscam flexibilizar a LRF, pela via do enfraquecimento do controle público exercido sobre seu cumprimento, principalmente pelos Tribunais de Contas, instituições que, a despeito de poderem ser ainda mais firmes no papel de guardião da referida lei, são, notoriamente, as que mais protegem os seus fundamentos.

O recente PL 7.448/17, que deu origem à alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), foi apenas mais um exemplo de tentativa de açoite à LRF. A maior parte dos regramentos propostos, em essência e em boa hora vetados pela presidência da república, conquanto pudesse ter na origem o propósito de aprimorar a gestão e o controle público, em verdade amordaçava a fiscalização, criando estorvos processuais indesejáveis, os quais, na contramão do que recomenda a boa accountability, impediriam a plena correção de ilegalidades em atos e contratos administrativos e a responsabilização dos maus gestores.

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Conduta inexplicável, porém reveladora da psique anticontrole do momento, a continuar exigindo redobrada atenção, o projeto foi votado às pressas, sem debates públicos com a sociedade, os gestores, o controle e a imprensa. Além disso, sua apreciação restringiu-se às CCJs do Senado e da Câmara, sem a análise de outras comissões e sem votação nos plenários das duas Casas, maculando a legitimidade do processo legislativo destinado a apreciar um tema tão relevante e de amplo impacto social e institucional.

Alertar sobre comandos antirrepublicanos como os que estavam contidos no referido projeto não significa ignorar a necessidade de aprimoramentos na gestão e no controle público. Com efeito, a efetividade da LRF seria fortalecida sob uma vigilância ainda mais tempestiva, consequente e técnica dos órgãos de controle.

A esse propósito, no que toca aos Tribunais de Contas, por exemplo, tramitam no Congresso Nacional três relevantes propostas de emendas à Constituição Federal sugeridas por respeitadas entidades do controle externo: as PECs 22/2017 (Atricon), 40/2016 (ANTC) e 329/2013 (Ampcon). Elas reúnem, em essência, um conjunto de mudanças estruturais com força de promover verdadeira transformação na forma de atuar dessas instituições. Cada uma, a seu modo, pugna pelo aprimoramento do sistema, assegurando mais independência aos agentes públicos incumbidos das funções do controle externo (Julgamento, Auditoria e Custos Legis) e garantindo maior segurança jurídica, por meio da previsão de uma lei processual nacional de contas e da uniformização da jurisprudência desses Tribunais sobre temas fiscais e administrativos de relevância federativa.

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No momento em que a irresponsabilidade fiscal e a corrupção, a despeito de todos os bons combates já travados, ainda vicejam em nosso país, propostas equivocadas, que enfraquecem a LRF, os Tribunais de Contas e o controle público da gestão, revelam-se um verdadeiro presente de grego. A rigor, as instituições de controle e os instrumentos voltados à efetividade da responsabilidade fiscal enfrentam, paradoxalmente, seus maiores desafios desde a redemocratização: precisam ser aprimorados e, ao mesmo tempo, lutarem, com a determinação e o desassombro do sertanejo, contra as reiteradas tentativas de desertificação institucional. A sociedade precisa, antes de tudo, continuar sendo forte e vigilante.

*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, ex-presidente da Atricon, professor de Direito Financeiro e autor do livro Uma nova Primavera para os Tribunais de Contas

Valdecir Pascoal. Foto: Arquivo Pessoal

A Lei de Responsabilidade Fiscal chega à maioridade. Tempo de superar conflitos e consolidar o seu maior destino: o equilíbrio fiscal sustentável das contas públicas. Mas ainda há muitos desertos no caminho desta filha legítima da república.

No primeiro texto que escrevi sobre a recém-nascida LRF, foi natural associá-la a Graciliano Ramos. Como Prefeito da pequena Palmeira dos Índios, no final dos anos vinte, revelou-se exemplo de compostura republicana, de responsabilidade e transparência, como atestam seus famosos "Relatórios" de prestação de contas. Passados 18 anos, não obstante os avanços alcançados, a LRF enfrenta desafios de gente adulta e, desta feita, não há como olvidar a figura do sertanejo descrito por Euclides da Cunha, "antes de tudo, um forte", que precisava ser resiliente e florescer na aridez.

Como na saga do personagem euclidiano, são muitos os sertões-adversidades que afligem a LRF. É certo que ela própria tem o desafio de superar problemas pontuais que ficaram mais evidentes com o passar destes anos. Exemplo: além de um teto fiscal para as despesas com pessoal é imprescindível que se institua um novo limite para outros gastos correntes que custeiam a máquina, incluindo os indenizatórios e os despendidos com terceirizações.

O que chama a atenção, contudo, neste dialético cenário de crise porque passa o país, são as ameaças exógenas, que surgem amiúde sob o manto do aperfeiçoamento, mas que, de fato, acabam tolhendo os efeitos da norma. É o caso de propostas que buscam flexibilizar a LRF, pela via do enfraquecimento do controle público exercido sobre seu cumprimento, principalmente pelos Tribunais de Contas, instituições que, a despeito de poderem ser ainda mais firmes no papel de guardião da referida lei, são, notoriamente, as que mais protegem os seus fundamentos.

O recente PL 7.448/17, que deu origem à alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), foi apenas mais um exemplo de tentativa de açoite à LRF. A maior parte dos regramentos propostos, em essência e em boa hora vetados pela presidência da república, conquanto pudesse ter na origem o propósito de aprimorar a gestão e o controle público, em verdade amordaçava a fiscalização, criando estorvos processuais indesejáveis, os quais, na contramão do que recomenda a boa accountability, impediriam a plena correção de ilegalidades em atos e contratos administrativos e a responsabilização dos maus gestores.

Conduta inexplicável, porém reveladora da psique anticontrole do momento, a continuar exigindo redobrada atenção, o projeto foi votado às pressas, sem debates públicos com a sociedade, os gestores, o controle e a imprensa. Além disso, sua apreciação restringiu-se às CCJs do Senado e da Câmara, sem a análise de outras comissões e sem votação nos plenários das duas Casas, maculando a legitimidade do processo legislativo destinado a apreciar um tema tão relevante e de amplo impacto social e institucional.

Alertar sobre comandos antirrepublicanos como os que estavam contidos no referido projeto não significa ignorar a necessidade de aprimoramentos na gestão e no controle público. Com efeito, a efetividade da LRF seria fortalecida sob uma vigilância ainda mais tempestiva, consequente e técnica dos órgãos de controle.

A esse propósito, no que toca aos Tribunais de Contas, por exemplo, tramitam no Congresso Nacional três relevantes propostas de emendas à Constituição Federal sugeridas por respeitadas entidades do controle externo: as PECs 22/2017 (Atricon), 40/2016 (ANTC) e 329/2013 (Ampcon). Elas reúnem, em essência, um conjunto de mudanças estruturais com força de promover verdadeira transformação na forma de atuar dessas instituições. Cada uma, a seu modo, pugna pelo aprimoramento do sistema, assegurando mais independência aos agentes públicos incumbidos das funções do controle externo (Julgamento, Auditoria e Custos Legis) e garantindo maior segurança jurídica, por meio da previsão de uma lei processual nacional de contas e da uniformização da jurisprudência desses Tribunais sobre temas fiscais e administrativos de relevância federativa.

No momento em que a irresponsabilidade fiscal e a corrupção, a despeito de todos os bons combates já travados, ainda vicejam em nosso país, propostas equivocadas, que enfraquecem a LRF, os Tribunais de Contas e o controle público da gestão, revelam-se um verdadeiro presente de grego. A rigor, as instituições de controle e os instrumentos voltados à efetividade da responsabilidade fiscal enfrentam, paradoxalmente, seus maiores desafios desde a redemocratização: precisam ser aprimorados e, ao mesmo tempo, lutarem, com a determinação e o desassombro do sertanejo, contra as reiteradas tentativas de desertificação institucional. A sociedade precisa, antes de tudo, continuar sendo forte e vigilante.

*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, ex-presidente da Atricon, professor de Direito Financeiro e autor do livro Uma nova Primavera para os Tribunais de Contas

Valdecir Pascoal. Foto: Arquivo Pessoal

A Lei de Responsabilidade Fiscal chega à maioridade. Tempo de superar conflitos e consolidar o seu maior destino: o equilíbrio fiscal sustentável das contas públicas. Mas ainda há muitos desertos no caminho desta filha legítima da república.

No primeiro texto que escrevi sobre a recém-nascida LRF, foi natural associá-la a Graciliano Ramos. Como Prefeito da pequena Palmeira dos Índios, no final dos anos vinte, revelou-se exemplo de compostura republicana, de responsabilidade e transparência, como atestam seus famosos "Relatórios" de prestação de contas. Passados 18 anos, não obstante os avanços alcançados, a LRF enfrenta desafios de gente adulta e, desta feita, não há como olvidar a figura do sertanejo descrito por Euclides da Cunha, "antes de tudo, um forte", que precisava ser resiliente e florescer na aridez.

Como na saga do personagem euclidiano, são muitos os sertões-adversidades que afligem a LRF. É certo que ela própria tem o desafio de superar problemas pontuais que ficaram mais evidentes com o passar destes anos. Exemplo: além de um teto fiscal para as despesas com pessoal é imprescindível que se institua um novo limite para outros gastos correntes que custeiam a máquina, incluindo os indenizatórios e os despendidos com terceirizações.

O que chama a atenção, contudo, neste dialético cenário de crise porque passa o país, são as ameaças exógenas, que surgem amiúde sob o manto do aperfeiçoamento, mas que, de fato, acabam tolhendo os efeitos da norma. É o caso de propostas que buscam flexibilizar a LRF, pela via do enfraquecimento do controle público exercido sobre seu cumprimento, principalmente pelos Tribunais de Contas, instituições que, a despeito de poderem ser ainda mais firmes no papel de guardião da referida lei, são, notoriamente, as que mais protegem os seus fundamentos.

O recente PL 7.448/17, que deu origem à alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), foi apenas mais um exemplo de tentativa de açoite à LRF. A maior parte dos regramentos propostos, em essência e em boa hora vetados pela presidência da república, conquanto pudesse ter na origem o propósito de aprimorar a gestão e o controle público, em verdade amordaçava a fiscalização, criando estorvos processuais indesejáveis, os quais, na contramão do que recomenda a boa accountability, impediriam a plena correção de ilegalidades em atos e contratos administrativos e a responsabilização dos maus gestores.

Conduta inexplicável, porém reveladora da psique anticontrole do momento, a continuar exigindo redobrada atenção, o projeto foi votado às pressas, sem debates públicos com a sociedade, os gestores, o controle e a imprensa. Além disso, sua apreciação restringiu-se às CCJs do Senado e da Câmara, sem a análise de outras comissões e sem votação nos plenários das duas Casas, maculando a legitimidade do processo legislativo destinado a apreciar um tema tão relevante e de amplo impacto social e institucional.

Alertar sobre comandos antirrepublicanos como os que estavam contidos no referido projeto não significa ignorar a necessidade de aprimoramentos na gestão e no controle público. Com efeito, a efetividade da LRF seria fortalecida sob uma vigilância ainda mais tempestiva, consequente e técnica dos órgãos de controle.

A esse propósito, no que toca aos Tribunais de Contas, por exemplo, tramitam no Congresso Nacional três relevantes propostas de emendas à Constituição Federal sugeridas por respeitadas entidades do controle externo: as PECs 22/2017 (Atricon), 40/2016 (ANTC) e 329/2013 (Ampcon). Elas reúnem, em essência, um conjunto de mudanças estruturais com força de promover verdadeira transformação na forma de atuar dessas instituições. Cada uma, a seu modo, pugna pelo aprimoramento do sistema, assegurando mais independência aos agentes públicos incumbidos das funções do controle externo (Julgamento, Auditoria e Custos Legis) e garantindo maior segurança jurídica, por meio da previsão de uma lei processual nacional de contas e da uniformização da jurisprudência desses Tribunais sobre temas fiscais e administrativos de relevância federativa.

No momento em que a irresponsabilidade fiscal e a corrupção, a despeito de todos os bons combates já travados, ainda vicejam em nosso país, propostas equivocadas, que enfraquecem a LRF, os Tribunais de Contas e o controle público da gestão, revelam-se um verdadeiro presente de grego. A rigor, as instituições de controle e os instrumentos voltados à efetividade da responsabilidade fiscal enfrentam, paradoxalmente, seus maiores desafios desde a redemocratização: precisam ser aprimorados e, ao mesmo tempo, lutarem, com a determinação e o desassombro do sertanejo, contra as reiteradas tentativas de desertificação institucional. A sociedade precisa, antes de tudo, continuar sendo forte e vigilante.

*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, ex-presidente da Atricon, professor de Direito Financeiro e autor do livro Uma nova Primavera para os Tribunais de Contas

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