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PEC 32: reforma ou demolição do serviço público?


Por Gustavo Mesquita Galvão Bueno e Dario Elias Nassif
Gustavo Mesquita Galvão Bueno e Dario Elias Nassif. FOTOS: ADPESP/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na esteira das reformas constitucionais pleiteadas pelo executivo federal, emerge a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, intitulada Reforma Administrativa. Encaminhada ao Congresso pelo presidente da República em setembro de 2020, e aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no último dia 25, o texto, propagandeado como um grande avanço para o país, merece uma análise mais criteriosa, a partir da qual se constata que a proposta pode representar uma grande ameaça à importantes conquistas da sociedade.

Da maneira como foi delineada, a PEC gera danos e ameaças irreversíveis ao serviço prestado à população. Para ilustrar tal questão, destacam-se alguns pontos que simbolizam o risco de acelerar discussões e aprovações de temas tão relevantes.

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Um deles é a inclusão da figura do "servidor trainee", com "período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório (...), e classificação final dentro do quantitativo previsto no edital público, entre os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência" (art. 37.º, II, b, c).

Em um primeiro momento a medida pode soar natural, uma vez que é prática comum no setor privado. Entretanto, o setor público já possui o chamado "estágio probatório", que cumpre função similar. Para além disso, a área da segurança pública estaria em uma situação - minimamente - constrangedora, complexa e descabida.

A título de exemplo, em uma situação hipotética de investigação da classe política, conduzida por policiais ainda em vínculo de experiência, tais servidores poderiam ser demitidos de forma rápida, alegando-se baixo rendimento na avaliação. Ou, em outra situação igualmente hipotética, um agente de trânsito poderia aplicar multas demasiadamente, a fim de alcançar metas de produtividade e, assim, manter-se em posição classificatória de destaque.

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Ainda, um delegado de polícia, admitido por concurso e atuando na função como "trainee", caso considerado inapto após o vínculo de experiência, teria seus atos admitidos como válidos? Há que se lembrar que, desde o primeiro dia de trabalho, policiais tomam decisões sensíveis sobre a liberdade dos cidadãos, e o vínculo de experiência promoveria um cenário de insegurança jurídica, além de prejudicar a autonomia técnico-jurídica necessária para o desempenho de uma função extremamente complexa.

Outro ponto crítico da PEC 32, que gera imensa frustração nos servidores da segurança em particular, é a vedação de aumentos indiretos, como os adicionais por tempo de serviço (quinquênio) e licença-prêmio: "é vedada a concessão a qualquer servidor (...) de adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada; aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada (...)" (art. 37.º, XVI, XXIII, c, d).

Ora, não parece razoável suprimir direitos de servidores que trabalham diuturnamente em escalas de serviço sobre-humanas, e já são penalizados com os piores vencimentos - como no caso dos policiais civis paulistas, que amargam anos sem qualquer reajuste, ainda que apenas inflacionário -, retirando parcos direitos como quinquênio e outros adicionais que amenizam a sua penúria salarial.

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Para além de uma injustiça e um desserviço à manutenção da qualidade do serviço público, há de se ressaltar também a questão pragmática. Preservar a atratividade das carreiras públicas é também garantir a capacitação de seus quadros, e, por consequência, a qualidade do serviço público prestado.

Ademais, os servidores policiais não têm direito à greve, conforme decisão do STF, não possuem FGTS ou quaisquer outros benefícios, e continuam contribuindo com o regime previdenciário mesmo após aposentadoria.

A PEC 32 traz ainda outros pontos que exigem especial atenção e debate aprofundado, à luz das especificidades de cada área e dos interesses da população - destinatária direta dos serviços públicos -, como a extinção de cargos por decreto, representando um verdadeiro cheque em branco para o chefe do poder executivo realizar ingerências políticas em instituições de estado como a Polícia Civil, além de normas que não garantem os direitos dos atuais servidores.

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Fato é que a Reforma Administrativa, da forma como está, afetará irremediavelmente o serviço público, sem uma contrapartida de ganho social que justifique os danos causados. No caso das instituições policiais, há inegável risco de precarização de segurança da sociedade e incremento da impunidade.

É razoável considerar alguns aspectos da gestão privada aplicados no setor público. Entretanto, há de se observar sempre a natureza distinta da administração pública, que, diferentemente da gestão privada, não deve buscar no lucro financeiro um fim em si mesmo, mantendo como objeto indissociável a promoção do bem-estar social.

O serviço público é essencial ao funcionamento da sociedade, e seus efeitos são especialmente percebidos por aqueles menos favorecidos. Tais fatores se tornam ainda mais evidentes em momentos de risco à ordem social, como o causado pela pandemia do Coronavírus, em que servidores como policiais e médicos têm se revelado último abrigo do cidadão, preservando o funcionamento da sociedade.

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Para a PEC 32 não se transformar em uma reforma que penaliza os mais humildes e mantém direitos e salários daqueles que ultrapassam o teto constitucional, é necessário promover um debate mais amplo, técnico e desprovido de vieses ideológicos, com toda a sociedade - algo totalmente inviável em momentos de insegurança institucional e crise social como o atual.

Combater privilégios e corrigir distorções é sempre necessário, tanto no serviço público como em todos os setores da sociedade. Todavia, não se pode aceitar que medidas tomadas de afogadilho e sem a devida reflexão, representem a demolição do maior patrimônio conquistado pela sociedade - o serviço público.

*Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

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*Dario Elias Nassif, secretário-geral da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

Gustavo Mesquita Galvão Bueno e Dario Elias Nassif. FOTOS: ADPESP/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na esteira das reformas constitucionais pleiteadas pelo executivo federal, emerge a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, intitulada Reforma Administrativa. Encaminhada ao Congresso pelo presidente da República em setembro de 2020, e aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no último dia 25, o texto, propagandeado como um grande avanço para o país, merece uma análise mais criteriosa, a partir da qual se constata que a proposta pode representar uma grande ameaça à importantes conquistas da sociedade.

Da maneira como foi delineada, a PEC gera danos e ameaças irreversíveis ao serviço prestado à população. Para ilustrar tal questão, destacam-se alguns pontos que simbolizam o risco de acelerar discussões e aprovações de temas tão relevantes.

Um deles é a inclusão da figura do "servidor trainee", com "período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório (...), e classificação final dentro do quantitativo previsto no edital público, entre os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência" (art. 37.º, II, b, c).

Em um primeiro momento a medida pode soar natural, uma vez que é prática comum no setor privado. Entretanto, o setor público já possui o chamado "estágio probatório", que cumpre função similar. Para além disso, a área da segurança pública estaria em uma situação - minimamente - constrangedora, complexa e descabida.

A título de exemplo, em uma situação hipotética de investigação da classe política, conduzida por policiais ainda em vínculo de experiência, tais servidores poderiam ser demitidos de forma rápida, alegando-se baixo rendimento na avaliação. Ou, em outra situação igualmente hipotética, um agente de trânsito poderia aplicar multas demasiadamente, a fim de alcançar metas de produtividade e, assim, manter-se em posição classificatória de destaque.

Ainda, um delegado de polícia, admitido por concurso e atuando na função como "trainee", caso considerado inapto após o vínculo de experiência, teria seus atos admitidos como válidos? Há que se lembrar que, desde o primeiro dia de trabalho, policiais tomam decisões sensíveis sobre a liberdade dos cidadãos, e o vínculo de experiência promoveria um cenário de insegurança jurídica, além de prejudicar a autonomia técnico-jurídica necessária para o desempenho de uma função extremamente complexa.

Outro ponto crítico da PEC 32, que gera imensa frustração nos servidores da segurança em particular, é a vedação de aumentos indiretos, como os adicionais por tempo de serviço (quinquênio) e licença-prêmio: "é vedada a concessão a qualquer servidor (...) de adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada; aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada (...)" (art. 37.º, XVI, XXIII, c, d).

Ora, não parece razoável suprimir direitos de servidores que trabalham diuturnamente em escalas de serviço sobre-humanas, e já são penalizados com os piores vencimentos - como no caso dos policiais civis paulistas, que amargam anos sem qualquer reajuste, ainda que apenas inflacionário -, retirando parcos direitos como quinquênio e outros adicionais que amenizam a sua penúria salarial.

Para além de uma injustiça e um desserviço à manutenção da qualidade do serviço público, há de se ressaltar também a questão pragmática. Preservar a atratividade das carreiras públicas é também garantir a capacitação de seus quadros, e, por consequência, a qualidade do serviço público prestado.

Ademais, os servidores policiais não têm direito à greve, conforme decisão do STF, não possuem FGTS ou quaisquer outros benefícios, e continuam contribuindo com o regime previdenciário mesmo após aposentadoria.

A PEC 32 traz ainda outros pontos que exigem especial atenção e debate aprofundado, à luz das especificidades de cada área e dos interesses da população - destinatária direta dos serviços públicos -, como a extinção de cargos por decreto, representando um verdadeiro cheque em branco para o chefe do poder executivo realizar ingerências políticas em instituições de estado como a Polícia Civil, além de normas que não garantem os direitos dos atuais servidores.

Fato é que a Reforma Administrativa, da forma como está, afetará irremediavelmente o serviço público, sem uma contrapartida de ganho social que justifique os danos causados. No caso das instituições policiais, há inegável risco de precarização de segurança da sociedade e incremento da impunidade.

É razoável considerar alguns aspectos da gestão privada aplicados no setor público. Entretanto, há de se observar sempre a natureza distinta da administração pública, que, diferentemente da gestão privada, não deve buscar no lucro financeiro um fim em si mesmo, mantendo como objeto indissociável a promoção do bem-estar social.

O serviço público é essencial ao funcionamento da sociedade, e seus efeitos são especialmente percebidos por aqueles menos favorecidos. Tais fatores se tornam ainda mais evidentes em momentos de risco à ordem social, como o causado pela pandemia do Coronavírus, em que servidores como policiais e médicos têm se revelado último abrigo do cidadão, preservando o funcionamento da sociedade.

Para a PEC 32 não se transformar em uma reforma que penaliza os mais humildes e mantém direitos e salários daqueles que ultrapassam o teto constitucional, é necessário promover um debate mais amplo, técnico e desprovido de vieses ideológicos, com toda a sociedade - algo totalmente inviável em momentos de insegurança institucional e crise social como o atual.

Combater privilégios e corrigir distorções é sempre necessário, tanto no serviço público como em todos os setores da sociedade. Todavia, não se pode aceitar que medidas tomadas de afogadilho e sem a devida reflexão, representem a demolição do maior patrimônio conquistado pela sociedade - o serviço público.

*Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

*Dario Elias Nassif, secretário-geral da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

Gustavo Mesquita Galvão Bueno e Dario Elias Nassif. FOTOS: ADPESP/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na esteira das reformas constitucionais pleiteadas pelo executivo federal, emerge a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, intitulada Reforma Administrativa. Encaminhada ao Congresso pelo presidente da República em setembro de 2020, e aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no último dia 25, o texto, propagandeado como um grande avanço para o país, merece uma análise mais criteriosa, a partir da qual se constata que a proposta pode representar uma grande ameaça à importantes conquistas da sociedade.

Da maneira como foi delineada, a PEC gera danos e ameaças irreversíveis ao serviço prestado à população. Para ilustrar tal questão, destacam-se alguns pontos que simbolizam o risco de acelerar discussões e aprovações de temas tão relevantes.

Um deles é a inclusão da figura do "servidor trainee", com "período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório (...), e classificação final dentro do quantitativo previsto no edital público, entre os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência" (art. 37.º, II, b, c).

Em um primeiro momento a medida pode soar natural, uma vez que é prática comum no setor privado. Entretanto, o setor público já possui o chamado "estágio probatório", que cumpre função similar. Para além disso, a área da segurança pública estaria em uma situação - minimamente - constrangedora, complexa e descabida.

A título de exemplo, em uma situação hipotética de investigação da classe política, conduzida por policiais ainda em vínculo de experiência, tais servidores poderiam ser demitidos de forma rápida, alegando-se baixo rendimento na avaliação. Ou, em outra situação igualmente hipotética, um agente de trânsito poderia aplicar multas demasiadamente, a fim de alcançar metas de produtividade e, assim, manter-se em posição classificatória de destaque.

Ainda, um delegado de polícia, admitido por concurso e atuando na função como "trainee", caso considerado inapto após o vínculo de experiência, teria seus atos admitidos como válidos? Há que se lembrar que, desde o primeiro dia de trabalho, policiais tomam decisões sensíveis sobre a liberdade dos cidadãos, e o vínculo de experiência promoveria um cenário de insegurança jurídica, além de prejudicar a autonomia técnico-jurídica necessária para o desempenho de uma função extremamente complexa.

Outro ponto crítico da PEC 32, que gera imensa frustração nos servidores da segurança em particular, é a vedação de aumentos indiretos, como os adicionais por tempo de serviço (quinquênio) e licença-prêmio: "é vedada a concessão a qualquer servidor (...) de adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada; aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada (...)" (art. 37.º, XVI, XXIII, c, d).

Ora, não parece razoável suprimir direitos de servidores que trabalham diuturnamente em escalas de serviço sobre-humanas, e já são penalizados com os piores vencimentos - como no caso dos policiais civis paulistas, que amargam anos sem qualquer reajuste, ainda que apenas inflacionário -, retirando parcos direitos como quinquênio e outros adicionais que amenizam a sua penúria salarial.

Para além de uma injustiça e um desserviço à manutenção da qualidade do serviço público, há de se ressaltar também a questão pragmática. Preservar a atratividade das carreiras públicas é também garantir a capacitação de seus quadros, e, por consequência, a qualidade do serviço público prestado.

Ademais, os servidores policiais não têm direito à greve, conforme decisão do STF, não possuem FGTS ou quaisquer outros benefícios, e continuam contribuindo com o regime previdenciário mesmo após aposentadoria.

A PEC 32 traz ainda outros pontos que exigem especial atenção e debate aprofundado, à luz das especificidades de cada área e dos interesses da população - destinatária direta dos serviços públicos -, como a extinção de cargos por decreto, representando um verdadeiro cheque em branco para o chefe do poder executivo realizar ingerências políticas em instituições de estado como a Polícia Civil, além de normas que não garantem os direitos dos atuais servidores.

Fato é que a Reforma Administrativa, da forma como está, afetará irremediavelmente o serviço público, sem uma contrapartida de ganho social que justifique os danos causados. No caso das instituições policiais, há inegável risco de precarização de segurança da sociedade e incremento da impunidade.

É razoável considerar alguns aspectos da gestão privada aplicados no setor público. Entretanto, há de se observar sempre a natureza distinta da administração pública, que, diferentemente da gestão privada, não deve buscar no lucro financeiro um fim em si mesmo, mantendo como objeto indissociável a promoção do bem-estar social.

O serviço público é essencial ao funcionamento da sociedade, e seus efeitos são especialmente percebidos por aqueles menos favorecidos. Tais fatores se tornam ainda mais evidentes em momentos de risco à ordem social, como o causado pela pandemia do Coronavírus, em que servidores como policiais e médicos têm se revelado último abrigo do cidadão, preservando o funcionamento da sociedade.

Para a PEC 32 não se transformar em uma reforma que penaliza os mais humildes e mantém direitos e salários daqueles que ultrapassam o teto constitucional, é necessário promover um debate mais amplo, técnico e desprovido de vieses ideológicos, com toda a sociedade - algo totalmente inviável em momentos de insegurança institucional e crise social como o atual.

Combater privilégios e corrigir distorções é sempre necessário, tanto no serviço público como em todos os setores da sociedade. Todavia, não se pode aceitar que medidas tomadas de afogadilho e sem a devida reflexão, representem a demolição do maior patrimônio conquistado pela sociedade - o serviço público.

*Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

*Dario Elias Nassif, secretário-geral da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)

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