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PECs da Reforma Tributária são cartas de intenção, mas deixam pontos relevantes a serem definidos por meio de lei complementar


Por Mary Elbe Queiroz
Mary Elbe Queiroz. Foto: Carlos Serrão

É consenso que o sistema de tributação do país apresenta alta carga de tributos, complexidade e grande litigiosidade e isto causa grande insegurança jurídica, que interfere sobre o emprego, economia e atração de investimentos, complicando a vida das pessoas e dos negócios. Não à toa, a reforma tributária sempre é uma das prioridades dos novos governos, mas que nunca acontece.

O sistema tributário precisa ser revisto para se ter mais transparência, simplificação, e até mesmo justiça social, mas as diversas propostas de reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional não realizam estes objetivos. Apesar de haver um discurso de que elas pretendem simplificar, diminuir a carga tributária, dar mais transparência para atrair investimentos, reduzir a litigiosidade e gerar empregos, na prática, quando são examinados os textos em detalhes, não é isso que se constata, pois, há uma distância entre o discurso e os projetos em votação.

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A PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados e a PE 110/2019, que tramita no Senado Federal, especificamente, são duas grandes cartas de intenção, mas que deixam muitos pontos relevantes para serem definidos por meio de lei complementar, além de introduzirem mais de 150 dispositivos novos na Constituição o que irá gerar, com certeza, mais complexidade e litigiosidade.

Uma das intenções destas propostas, por exemplo, é copiar o modelo europeu de unificação de impostos, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por meio da criação de um imposto chamado IBS - Imposto sobre Bens e Serviços. Porém, não se pode transportar um modelo estrangeiro de forma acrítica, sem olhar as peculiaridades da realidade brasileira, que é muito diferente, sob o risco de causar grandes distorções.

O objetivo é substituir cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e PIS) por dois impostos, o IBS e o IBS seletivo, o que, aparentemente, trará benefícios ao país, pois resolverá a necessidade premente de simplificação, já que serão extintos cinco tributos para criar somente dois. Contudo, os textos estipulam também um período de transição de 5 ou 10 anos entre um sistema e outro, ou seja, durante uma década coexistirão sete tributos. A grande complexidade que existe hoje, com os cinco tributos, será acrescida à complexidade dos dois novos tributos.

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E mais, a prometida não-cumulatividade e a desoneração da cascata dos tributos sobre os produtos, igualmente, não será concretizada. As PECs 45 e 110 dizem prever crédito amplo para evitar a cumulatividade dos novos tributos, mas isso não condiz com a verdade. O modelo apresentado pelas iniciativas exige que a compensação do crédito dos produtos adquiridos se dê somente quando o tributo for pago pelo vendedor. Além do que, para as atividades que não geram créditos, como o setor de serviços: hospitais, transporte, educação, agropecuária e serviços de profissões liberais, não haverá nada a compensar e o brasileiro acabará pagando mais ao invés de menos tributos.

Ademais, a exigência de que a compensação do crédito dos produtos aconteça apenas quando o tributo for pago pelo vendedor traz uma série de incertezas a este enquanto contribuinte. Com essa alteração, ele necessitará fiscalizar o fornecedor para garantir seu crédito, sendo 60 dias o prazo para a restituição. Ou seja, o produto será vendido sem saber de fato qual a carga tributária incidente. O vendedor ficará em dúvida sobre qual preço colocar no seu produto. Se ele comprar hoje, por exemplo, para comercializar o produto daqui cinco dias, como procederá? Embutirá um crédito a compensar? Como, sem saber se será compensado por isso? Este item precisa ser corrigido nas propostas com urgência.

Ainda com relação aos tributos IBS e IBS seletivo, aparentemente há uma simplificação no que se refere à unificação de sua alíquota no percentual de 25%. Entretanto, isto acabará por não se cumprir, porque, segundo as propostas, será permitido aos estados e municípios terem alíquotas diferenciadas. Desse modo, não ocorrerá a unificação, pois não existirá alíquota única na prática. Muito pelo contrário, ao todo, serão 27 alíquotas estaduais e 5.581 alíquotas municipais.

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A alíquota de 25% resultará ainda em um aumento brutal de tributos. Não se paga carga tributária, pois esta é uma proporção de arrecadação relativa ao PIB. O que se paga, e vai aumentar muito para alguns setores, é o peso do tributo a pagar. Os prestadores de serviços, por exemplo, atualmente inseridos no regime de lucro presumido, pagam 3,65% de PIS/Cofins e entre 2% e 5% de ISS. Com as propostas da reforma passariam a pagar, de imediato, 25% do IBS. Essa mudança acarretará aumento de 300% a 600% em tributos para um dos setores mais essenciais da economia. Entretanto, apesar de dizerem que a proposta acabará com benefícios e tratamentos excepcionais, no esboço do que pode ser a lei complementar que vai regulamentar a emenda constitucional, consta que há a possibilidade de tratamento diferenciado para instituições financeiras. Por quê?

Para piorar a situação, o novo sistema tributário proposto pelas PECs que tramitam no Congresso Nacional não gerará o direito de crédito ao adquirente do serviço, mesmo sendo as empresas prestadoras de serviço as que mais empregam e utilizam mão de obra intensiva. Tendo em vista que o maior insumo das prestadoras de serviço é mão-de-obra que não paga IBS e, portanto, não gera crédito, fazendo com que o tomador de serviço não tenha crédito a compensar, assim, o peso dos tributos aumentará muito para os prestadores de serviço.

Como não bastasse tudo isso, as propostas, embora não extingam as micro e pequena empresas (MPEs), vedam que o adquirente de produtos ou serviços das MPEs possa compensar crédito, criando uma concorrência desleal entre quem é micro e pequeno empresário e as outras empresas, o que praticamente inviabilizaria a existência das MPEs. É importante lembrar que as micro e pequenas empresas representam mais de 90% das empresas brasileiras e são as que mais geram empregos no país. Além disso, cerca de 50% delas é constituída por empresárias mulheres.

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Outro ponto que chama a atenção é que, enquanto no mundo se discute a tributação sobre operações digitais, o Brasil ainda discute se bacalhau é peixe ou processo de industrialização. Alerte-se que hoje as operações internacionais por meio digital da venda de produtos sem qualquer pagamento de tributo representam concorrência desleal com a indústria e comércio brasileiro, ou seja, essas compras virtuais geram renda e emprego em outros países, prejudicando o Brasil. As propostas silenciam sobre tal tema.

Devemos reconhecer a inexorabilidade de uma reforma tributária que simplifique, traga mais segurança jurídica e desonere a produção, acabe com a cumulatividade da tributação em cascata, e aumente o consumo do país. Contudo, agora não é o momento de se fazer uma reforma tão radical como as que estão sendo propostas. Seria interessante começar pela simplificação e unificação da legislação de cada tributo, por exemplo, do PIS e do Cofins, em âmbito federal, do ICMS entre os 27 estados e dos ISS nos 5.568 municípios. Mais uma boa iniciativa e muito simples, com um resultado efetivo, seria implantar uma nota fiscal unificada para o país e adotar medidas para desburocratização. Se somente isso acontecesse já seria um grande avanço.

*Mary Elbe Queiroz é advogada tributarista, professora, sócia da Queiroz Advogados Associados. Pós-doutora em Direito Tributário - Universidade de Lisboa - Portugal; doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e mestre em Direito Público (UFPE), palestrante no Brasil e no exterior e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários - IPET

Mary Elbe Queiroz. Foto: Carlos Serrão

É consenso que o sistema de tributação do país apresenta alta carga de tributos, complexidade e grande litigiosidade e isto causa grande insegurança jurídica, que interfere sobre o emprego, economia e atração de investimentos, complicando a vida das pessoas e dos negócios. Não à toa, a reforma tributária sempre é uma das prioridades dos novos governos, mas que nunca acontece.

O sistema tributário precisa ser revisto para se ter mais transparência, simplificação, e até mesmo justiça social, mas as diversas propostas de reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional não realizam estes objetivos. Apesar de haver um discurso de que elas pretendem simplificar, diminuir a carga tributária, dar mais transparência para atrair investimentos, reduzir a litigiosidade e gerar empregos, na prática, quando são examinados os textos em detalhes, não é isso que se constata, pois, há uma distância entre o discurso e os projetos em votação.

A PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados e a PE 110/2019, que tramita no Senado Federal, especificamente, são duas grandes cartas de intenção, mas que deixam muitos pontos relevantes para serem definidos por meio de lei complementar, além de introduzirem mais de 150 dispositivos novos na Constituição o que irá gerar, com certeza, mais complexidade e litigiosidade.

Uma das intenções destas propostas, por exemplo, é copiar o modelo europeu de unificação de impostos, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por meio da criação de um imposto chamado IBS - Imposto sobre Bens e Serviços. Porém, não se pode transportar um modelo estrangeiro de forma acrítica, sem olhar as peculiaridades da realidade brasileira, que é muito diferente, sob o risco de causar grandes distorções.

O objetivo é substituir cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e PIS) por dois impostos, o IBS e o IBS seletivo, o que, aparentemente, trará benefícios ao país, pois resolverá a necessidade premente de simplificação, já que serão extintos cinco tributos para criar somente dois. Contudo, os textos estipulam também um período de transição de 5 ou 10 anos entre um sistema e outro, ou seja, durante uma década coexistirão sete tributos. A grande complexidade que existe hoje, com os cinco tributos, será acrescida à complexidade dos dois novos tributos.

E mais, a prometida não-cumulatividade e a desoneração da cascata dos tributos sobre os produtos, igualmente, não será concretizada. As PECs 45 e 110 dizem prever crédito amplo para evitar a cumulatividade dos novos tributos, mas isso não condiz com a verdade. O modelo apresentado pelas iniciativas exige que a compensação do crédito dos produtos adquiridos se dê somente quando o tributo for pago pelo vendedor. Além do que, para as atividades que não geram créditos, como o setor de serviços: hospitais, transporte, educação, agropecuária e serviços de profissões liberais, não haverá nada a compensar e o brasileiro acabará pagando mais ao invés de menos tributos.

Ademais, a exigência de que a compensação do crédito dos produtos aconteça apenas quando o tributo for pago pelo vendedor traz uma série de incertezas a este enquanto contribuinte. Com essa alteração, ele necessitará fiscalizar o fornecedor para garantir seu crédito, sendo 60 dias o prazo para a restituição. Ou seja, o produto será vendido sem saber de fato qual a carga tributária incidente. O vendedor ficará em dúvida sobre qual preço colocar no seu produto. Se ele comprar hoje, por exemplo, para comercializar o produto daqui cinco dias, como procederá? Embutirá um crédito a compensar? Como, sem saber se será compensado por isso? Este item precisa ser corrigido nas propostas com urgência.

Ainda com relação aos tributos IBS e IBS seletivo, aparentemente há uma simplificação no que se refere à unificação de sua alíquota no percentual de 25%. Entretanto, isto acabará por não se cumprir, porque, segundo as propostas, será permitido aos estados e municípios terem alíquotas diferenciadas. Desse modo, não ocorrerá a unificação, pois não existirá alíquota única na prática. Muito pelo contrário, ao todo, serão 27 alíquotas estaduais e 5.581 alíquotas municipais.

A alíquota de 25% resultará ainda em um aumento brutal de tributos. Não se paga carga tributária, pois esta é uma proporção de arrecadação relativa ao PIB. O que se paga, e vai aumentar muito para alguns setores, é o peso do tributo a pagar. Os prestadores de serviços, por exemplo, atualmente inseridos no regime de lucro presumido, pagam 3,65% de PIS/Cofins e entre 2% e 5% de ISS. Com as propostas da reforma passariam a pagar, de imediato, 25% do IBS. Essa mudança acarretará aumento de 300% a 600% em tributos para um dos setores mais essenciais da economia. Entretanto, apesar de dizerem que a proposta acabará com benefícios e tratamentos excepcionais, no esboço do que pode ser a lei complementar que vai regulamentar a emenda constitucional, consta que há a possibilidade de tratamento diferenciado para instituições financeiras. Por quê?

Para piorar a situação, o novo sistema tributário proposto pelas PECs que tramitam no Congresso Nacional não gerará o direito de crédito ao adquirente do serviço, mesmo sendo as empresas prestadoras de serviço as que mais empregam e utilizam mão de obra intensiva. Tendo em vista que o maior insumo das prestadoras de serviço é mão-de-obra que não paga IBS e, portanto, não gera crédito, fazendo com que o tomador de serviço não tenha crédito a compensar, assim, o peso dos tributos aumentará muito para os prestadores de serviço.

Como não bastasse tudo isso, as propostas, embora não extingam as micro e pequena empresas (MPEs), vedam que o adquirente de produtos ou serviços das MPEs possa compensar crédito, criando uma concorrência desleal entre quem é micro e pequeno empresário e as outras empresas, o que praticamente inviabilizaria a existência das MPEs. É importante lembrar que as micro e pequenas empresas representam mais de 90% das empresas brasileiras e são as que mais geram empregos no país. Além disso, cerca de 50% delas é constituída por empresárias mulheres.

Outro ponto que chama a atenção é que, enquanto no mundo se discute a tributação sobre operações digitais, o Brasil ainda discute se bacalhau é peixe ou processo de industrialização. Alerte-se que hoje as operações internacionais por meio digital da venda de produtos sem qualquer pagamento de tributo representam concorrência desleal com a indústria e comércio brasileiro, ou seja, essas compras virtuais geram renda e emprego em outros países, prejudicando o Brasil. As propostas silenciam sobre tal tema.

Devemos reconhecer a inexorabilidade de uma reforma tributária que simplifique, traga mais segurança jurídica e desonere a produção, acabe com a cumulatividade da tributação em cascata, e aumente o consumo do país. Contudo, agora não é o momento de se fazer uma reforma tão radical como as que estão sendo propostas. Seria interessante começar pela simplificação e unificação da legislação de cada tributo, por exemplo, do PIS e do Cofins, em âmbito federal, do ICMS entre os 27 estados e dos ISS nos 5.568 municípios. Mais uma boa iniciativa e muito simples, com um resultado efetivo, seria implantar uma nota fiscal unificada para o país e adotar medidas para desburocratização. Se somente isso acontecesse já seria um grande avanço.

*Mary Elbe Queiroz é advogada tributarista, professora, sócia da Queiroz Advogados Associados. Pós-doutora em Direito Tributário - Universidade de Lisboa - Portugal; doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e mestre em Direito Público (UFPE), palestrante no Brasil e no exterior e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários - IPET

Mary Elbe Queiroz. Foto: Carlos Serrão

É consenso que o sistema de tributação do país apresenta alta carga de tributos, complexidade e grande litigiosidade e isto causa grande insegurança jurídica, que interfere sobre o emprego, economia e atração de investimentos, complicando a vida das pessoas e dos negócios. Não à toa, a reforma tributária sempre é uma das prioridades dos novos governos, mas que nunca acontece.

O sistema tributário precisa ser revisto para se ter mais transparência, simplificação, e até mesmo justiça social, mas as diversas propostas de reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional não realizam estes objetivos. Apesar de haver um discurso de que elas pretendem simplificar, diminuir a carga tributária, dar mais transparência para atrair investimentos, reduzir a litigiosidade e gerar empregos, na prática, quando são examinados os textos em detalhes, não é isso que se constata, pois, há uma distância entre o discurso e os projetos em votação.

A PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados e a PE 110/2019, que tramita no Senado Federal, especificamente, são duas grandes cartas de intenção, mas que deixam muitos pontos relevantes para serem definidos por meio de lei complementar, além de introduzirem mais de 150 dispositivos novos na Constituição o que irá gerar, com certeza, mais complexidade e litigiosidade.

Uma das intenções destas propostas, por exemplo, é copiar o modelo europeu de unificação de impostos, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por meio da criação de um imposto chamado IBS - Imposto sobre Bens e Serviços. Porém, não se pode transportar um modelo estrangeiro de forma acrítica, sem olhar as peculiaridades da realidade brasileira, que é muito diferente, sob o risco de causar grandes distorções.

O objetivo é substituir cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e PIS) por dois impostos, o IBS e o IBS seletivo, o que, aparentemente, trará benefícios ao país, pois resolverá a necessidade premente de simplificação, já que serão extintos cinco tributos para criar somente dois. Contudo, os textos estipulam também um período de transição de 5 ou 10 anos entre um sistema e outro, ou seja, durante uma década coexistirão sete tributos. A grande complexidade que existe hoje, com os cinco tributos, será acrescida à complexidade dos dois novos tributos.

E mais, a prometida não-cumulatividade e a desoneração da cascata dos tributos sobre os produtos, igualmente, não será concretizada. As PECs 45 e 110 dizem prever crédito amplo para evitar a cumulatividade dos novos tributos, mas isso não condiz com a verdade. O modelo apresentado pelas iniciativas exige que a compensação do crédito dos produtos adquiridos se dê somente quando o tributo for pago pelo vendedor. Além do que, para as atividades que não geram créditos, como o setor de serviços: hospitais, transporte, educação, agropecuária e serviços de profissões liberais, não haverá nada a compensar e o brasileiro acabará pagando mais ao invés de menos tributos.

Ademais, a exigência de que a compensação do crédito dos produtos aconteça apenas quando o tributo for pago pelo vendedor traz uma série de incertezas a este enquanto contribuinte. Com essa alteração, ele necessitará fiscalizar o fornecedor para garantir seu crédito, sendo 60 dias o prazo para a restituição. Ou seja, o produto será vendido sem saber de fato qual a carga tributária incidente. O vendedor ficará em dúvida sobre qual preço colocar no seu produto. Se ele comprar hoje, por exemplo, para comercializar o produto daqui cinco dias, como procederá? Embutirá um crédito a compensar? Como, sem saber se será compensado por isso? Este item precisa ser corrigido nas propostas com urgência.

Ainda com relação aos tributos IBS e IBS seletivo, aparentemente há uma simplificação no que se refere à unificação de sua alíquota no percentual de 25%. Entretanto, isto acabará por não se cumprir, porque, segundo as propostas, será permitido aos estados e municípios terem alíquotas diferenciadas. Desse modo, não ocorrerá a unificação, pois não existirá alíquota única na prática. Muito pelo contrário, ao todo, serão 27 alíquotas estaduais e 5.581 alíquotas municipais.

A alíquota de 25% resultará ainda em um aumento brutal de tributos. Não se paga carga tributária, pois esta é uma proporção de arrecadação relativa ao PIB. O que se paga, e vai aumentar muito para alguns setores, é o peso do tributo a pagar. Os prestadores de serviços, por exemplo, atualmente inseridos no regime de lucro presumido, pagam 3,65% de PIS/Cofins e entre 2% e 5% de ISS. Com as propostas da reforma passariam a pagar, de imediato, 25% do IBS. Essa mudança acarretará aumento de 300% a 600% em tributos para um dos setores mais essenciais da economia. Entretanto, apesar de dizerem que a proposta acabará com benefícios e tratamentos excepcionais, no esboço do que pode ser a lei complementar que vai regulamentar a emenda constitucional, consta que há a possibilidade de tratamento diferenciado para instituições financeiras. Por quê?

Para piorar a situação, o novo sistema tributário proposto pelas PECs que tramitam no Congresso Nacional não gerará o direito de crédito ao adquirente do serviço, mesmo sendo as empresas prestadoras de serviço as que mais empregam e utilizam mão de obra intensiva. Tendo em vista que o maior insumo das prestadoras de serviço é mão-de-obra que não paga IBS e, portanto, não gera crédito, fazendo com que o tomador de serviço não tenha crédito a compensar, assim, o peso dos tributos aumentará muito para os prestadores de serviço.

Como não bastasse tudo isso, as propostas, embora não extingam as micro e pequena empresas (MPEs), vedam que o adquirente de produtos ou serviços das MPEs possa compensar crédito, criando uma concorrência desleal entre quem é micro e pequeno empresário e as outras empresas, o que praticamente inviabilizaria a existência das MPEs. É importante lembrar que as micro e pequenas empresas representam mais de 90% das empresas brasileiras e são as que mais geram empregos no país. Além disso, cerca de 50% delas é constituída por empresárias mulheres.

Outro ponto que chama a atenção é que, enquanto no mundo se discute a tributação sobre operações digitais, o Brasil ainda discute se bacalhau é peixe ou processo de industrialização. Alerte-se que hoje as operações internacionais por meio digital da venda de produtos sem qualquer pagamento de tributo representam concorrência desleal com a indústria e comércio brasileiro, ou seja, essas compras virtuais geram renda e emprego em outros países, prejudicando o Brasil. As propostas silenciam sobre tal tema.

Devemos reconhecer a inexorabilidade de uma reforma tributária que simplifique, traga mais segurança jurídica e desonere a produção, acabe com a cumulatividade da tributação em cascata, e aumente o consumo do país. Contudo, agora não é o momento de se fazer uma reforma tão radical como as que estão sendo propostas. Seria interessante começar pela simplificação e unificação da legislação de cada tributo, por exemplo, do PIS e do Cofins, em âmbito federal, do ICMS entre os 27 estados e dos ISS nos 5.568 municípios. Mais uma boa iniciativa e muito simples, com um resultado efetivo, seria implantar uma nota fiscal unificada para o país e adotar medidas para desburocratização. Se somente isso acontecesse já seria um grande avanço.

*Mary Elbe Queiroz é advogada tributarista, professora, sócia da Queiroz Advogados Associados. Pós-doutora em Direito Tributário - Universidade de Lisboa - Portugal; doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e mestre em Direito Público (UFPE), palestrante no Brasil e no exterior e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários - IPET

Mary Elbe Queiroz. Foto: Carlos Serrão

É consenso que o sistema de tributação do país apresenta alta carga de tributos, complexidade e grande litigiosidade e isto causa grande insegurança jurídica, que interfere sobre o emprego, economia e atração de investimentos, complicando a vida das pessoas e dos negócios. Não à toa, a reforma tributária sempre é uma das prioridades dos novos governos, mas que nunca acontece.

O sistema tributário precisa ser revisto para se ter mais transparência, simplificação, e até mesmo justiça social, mas as diversas propostas de reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional não realizam estes objetivos. Apesar de haver um discurso de que elas pretendem simplificar, diminuir a carga tributária, dar mais transparência para atrair investimentos, reduzir a litigiosidade e gerar empregos, na prática, quando são examinados os textos em detalhes, não é isso que se constata, pois, há uma distância entre o discurso e os projetos em votação.

A PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados e a PE 110/2019, que tramita no Senado Federal, especificamente, são duas grandes cartas de intenção, mas que deixam muitos pontos relevantes para serem definidos por meio de lei complementar, além de introduzirem mais de 150 dispositivos novos na Constituição o que irá gerar, com certeza, mais complexidade e litigiosidade.

Uma das intenções destas propostas, por exemplo, é copiar o modelo europeu de unificação de impostos, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por meio da criação de um imposto chamado IBS - Imposto sobre Bens e Serviços. Porém, não se pode transportar um modelo estrangeiro de forma acrítica, sem olhar as peculiaridades da realidade brasileira, que é muito diferente, sob o risco de causar grandes distorções.

O objetivo é substituir cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e PIS) por dois impostos, o IBS e o IBS seletivo, o que, aparentemente, trará benefícios ao país, pois resolverá a necessidade premente de simplificação, já que serão extintos cinco tributos para criar somente dois. Contudo, os textos estipulam também um período de transição de 5 ou 10 anos entre um sistema e outro, ou seja, durante uma década coexistirão sete tributos. A grande complexidade que existe hoje, com os cinco tributos, será acrescida à complexidade dos dois novos tributos.

E mais, a prometida não-cumulatividade e a desoneração da cascata dos tributos sobre os produtos, igualmente, não será concretizada. As PECs 45 e 110 dizem prever crédito amplo para evitar a cumulatividade dos novos tributos, mas isso não condiz com a verdade. O modelo apresentado pelas iniciativas exige que a compensação do crédito dos produtos adquiridos se dê somente quando o tributo for pago pelo vendedor. Além do que, para as atividades que não geram créditos, como o setor de serviços: hospitais, transporte, educação, agropecuária e serviços de profissões liberais, não haverá nada a compensar e o brasileiro acabará pagando mais ao invés de menos tributos.

Ademais, a exigência de que a compensação do crédito dos produtos aconteça apenas quando o tributo for pago pelo vendedor traz uma série de incertezas a este enquanto contribuinte. Com essa alteração, ele necessitará fiscalizar o fornecedor para garantir seu crédito, sendo 60 dias o prazo para a restituição. Ou seja, o produto será vendido sem saber de fato qual a carga tributária incidente. O vendedor ficará em dúvida sobre qual preço colocar no seu produto. Se ele comprar hoje, por exemplo, para comercializar o produto daqui cinco dias, como procederá? Embutirá um crédito a compensar? Como, sem saber se será compensado por isso? Este item precisa ser corrigido nas propostas com urgência.

Ainda com relação aos tributos IBS e IBS seletivo, aparentemente há uma simplificação no que se refere à unificação de sua alíquota no percentual de 25%. Entretanto, isto acabará por não se cumprir, porque, segundo as propostas, será permitido aos estados e municípios terem alíquotas diferenciadas. Desse modo, não ocorrerá a unificação, pois não existirá alíquota única na prática. Muito pelo contrário, ao todo, serão 27 alíquotas estaduais e 5.581 alíquotas municipais.

A alíquota de 25% resultará ainda em um aumento brutal de tributos. Não se paga carga tributária, pois esta é uma proporção de arrecadação relativa ao PIB. O que se paga, e vai aumentar muito para alguns setores, é o peso do tributo a pagar. Os prestadores de serviços, por exemplo, atualmente inseridos no regime de lucro presumido, pagam 3,65% de PIS/Cofins e entre 2% e 5% de ISS. Com as propostas da reforma passariam a pagar, de imediato, 25% do IBS. Essa mudança acarretará aumento de 300% a 600% em tributos para um dos setores mais essenciais da economia. Entretanto, apesar de dizerem que a proposta acabará com benefícios e tratamentos excepcionais, no esboço do que pode ser a lei complementar que vai regulamentar a emenda constitucional, consta que há a possibilidade de tratamento diferenciado para instituições financeiras. Por quê?

Para piorar a situação, o novo sistema tributário proposto pelas PECs que tramitam no Congresso Nacional não gerará o direito de crédito ao adquirente do serviço, mesmo sendo as empresas prestadoras de serviço as que mais empregam e utilizam mão de obra intensiva. Tendo em vista que o maior insumo das prestadoras de serviço é mão-de-obra que não paga IBS e, portanto, não gera crédito, fazendo com que o tomador de serviço não tenha crédito a compensar, assim, o peso dos tributos aumentará muito para os prestadores de serviço.

Como não bastasse tudo isso, as propostas, embora não extingam as micro e pequena empresas (MPEs), vedam que o adquirente de produtos ou serviços das MPEs possa compensar crédito, criando uma concorrência desleal entre quem é micro e pequeno empresário e as outras empresas, o que praticamente inviabilizaria a existência das MPEs. É importante lembrar que as micro e pequenas empresas representam mais de 90% das empresas brasileiras e são as que mais geram empregos no país. Além disso, cerca de 50% delas é constituída por empresárias mulheres.

Outro ponto que chama a atenção é que, enquanto no mundo se discute a tributação sobre operações digitais, o Brasil ainda discute se bacalhau é peixe ou processo de industrialização. Alerte-se que hoje as operações internacionais por meio digital da venda de produtos sem qualquer pagamento de tributo representam concorrência desleal com a indústria e comércio brasileiro, ou seja, essas compras virtuais geram renda e emprego em outros países, prejudicando o Brasil. As propostas silenciam sobre tal tema.

Devemos reconhecer a inexorabilidade de uma reforma tributária que simplifique, traga mais segurança jurídica e desonere a produção, acabe com a cumulatividade da tributação em cascata, e aumente o consumo do país. Contudo, agora não é o momento de se fazer uma reforma tão radical como as que estão sendo propostas. Seria interessante começar pela simplificação e unificação da legislação de cada tributo, por exemplo, do PIS e do Cofins, em âmbito federal, do ICMS entre os 27 estados e dos ISS nos 5.568 municípios. Mais uma boa iniciativa e muito simples, com um resultado efetivo, seria implantar uma nota fiscal unificada para o país e adotar medidas para desburocratização. Se somente isso acontecesse já seria um grande avanço.

*Mary Elbe Queiroz é advogada tributarista, professora, sócia da Queiroz Advogados Associados. Pós-doutora em Direito Tributário - Universidade de Lisboa - Portugal; doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e mestre em Direito Público (UFPE), palestrante no Brasil e no exterior e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários - IPET

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