Em 11 de março de 2023, o advogado Frederick Wassef, que representa o ex-presidente Jair Bolsonaro, embarcou para os Estados Unidos com uma missão: resgatar o Rolex de ouro branco cravejado de diamantes que havia sido dado de presente para o ex-chefe do Executivo em viagem à Arábia Saudita e, posteriormente, vendido por seus aliados. A partir de conversas registradas no celular de Wassef – aparelho que foi apreendido na Operação Lucas 12:2 – a Polícia Federal conseguiu restituir os passos do advogado nos EUA.
O mapeamento levou os agentes a passagens insólitas de Wassef, incluindo conversa com um certo ‘Harry Potter’, um encontro com um dos ajudantes do ex-presidente em uma loja de armas e um episódio em que o advogado se escondeu atrás de um poste para fugir de ‘fãs’ de Bolsonaro.
O relatório da análise do celular de Wassef foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal na sexta, 5, junto com o relatório final da PF sobre o inquérito das joias sauditas – caso revelado pelo Estadão.
Os investigadores apontam que o ex-presidente e onze aliados, incluindo Wassef, integraram uma suposta associação criminosa que vendeu presentes dados ao ex-chefe do Executivo em razão de seu cargo. Wassef foi enquadrado por lavagem de dinheiro e associação criminosa.
A partir da troca de mensagens de Wassef, a PF conseguiu rastrear seus encontros durante os 18 dias em que o advogado passou pelos Estados Unidos com o objetivo principal de resgatar o Rolex cravejado de diamantes.
A operação de resgate foi planejada após o Tribunal de Contas da União determinar que Bolsonaro entregasse os mimos que havia recebido de autoridades estrangeiras.
Segundo a PF, Wassef embarcou de Campinas para a Flórida em 11 de março de 2023. Sua namorada, Thaís Moura, ex-assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Presidência da República, o acompanhou.
O casal só retornou ao Brasil no dia 29 daquele mês. As passagens custaram R$ 27 mil, fora uma taxa de remarcação do voo de retorno, que custou mais R$ 10 mil.
No dia 14, Wassef pegou outro voo, para a Filadélfia, para recomprar o Rolex. Naquele dia, o advogado conversou com o senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do ex-presidente, e com aliados importantes de Bolsonaro - o presidente do PL Valdemar da Costa Neto e o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid, que virou delator.
Segundo o relatório de 2.041 páginas da PF, Flávio mandou uma mensagem para Wassef às 9h53 daquele dia, mas apagou o texto. Em seguida, disse que estava com ‘saudade’ do advogado, que respondeu: “Estou na luta por vcs com lealdade e empenho de sempre.”
A chamada de Valdemar, perto do meio dia, Wassef não atendeu.
No final da tarde, o advogado recomprou o Rolex – Day-Date por U$ 49,000.01 na loja “Precision Watches”, localizada a 40 km do aeroporto da Filadélfia.
O relógio havia sido vendido por US$ 68 mil, junto de outro, marca Patek Philippe, que não foi recuperado. Ainda no dia 14, após o resgate do Rolex, Wassef conversou com Bolsonaro.
Durante a estadia nos EUA, o advogado fez várias viagens pelo País. Conversou constantemente com Bolsonaro, que lhe enviou até a localização de onde estava hospedado na Flórida.
‘Bambi’
O advogado falava com frequência com a namorada, que o chama de ‘Bambi’. No dia 20 de março de 2023, Thaís o cobrou para que conversasse “Harry Potter” - a PF suspeita que este pode ser o apelido do advogado Caio Rocha, que comprou a passagem de Wassef para os EUA.
Na sequência, Thaís chama o namorado para irem até uma loja de armas/stand de tiros em Orlando, para um encontro com Marcelo - segundo os investigadores, seria Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A defesa de Wassef contesta a suposição da PF. Diz que Marcelo é um empresário de São Paulo e nega que ele tenha qualquer relacionamento com Marcelo Câmara.
Dias depois, Wassef se encontrou com Bolsonaro duas vezes. No dia 25, eles se reuniram em um centro comercial. Segundo a PF, o advogado teria comentado com a namorada um possível “assédio de fãs com o ex-presidente” e com ele próprio.
“Bambi, você não sabe... o constrangimento, a vergonha que eu passei aqui. A galera começou me ver, se eu te falar o show que foi de nego querer vim pra fazer foto comigo e eu não querendo aparecer. Eu fiquei num, numa saia justa de ter que sair andando. Pô, mas mesmo assim não deu pra escapar, teve uns dez... que eu não consegui escapar. Nossa! Assim, mas veio de multidão. Era assim: um bolinho de gente lá tirando foto com ele, outro bolo igual tirando foto comigo, foi a coisa mais louca que eu vi na minha vida, cara. Isso do... isso porque eu tava do outro lado da calçada. De escondidinho, atrás de um poste pra não ser visto, mas não teve jeito. Puta que pariu! Fodeu!”, disse Wassef em áudio recuperado pela PF.
Em 29 de março, enfim, Wassef retornou com o Rolex para o Brasil. No dia 2 de abril, ele se encontrou com Mauro Cid em São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para o tenente-coronel. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro viajou para Brasília no mesmo dia e entregou o relógio para Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente. O conjunto foi devolvido ao Tesouro no dia 4 daquele mês, em uma agência da Caixa.