A Polícia Federal (PF) acredita que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria sido usada ilegalmente para atender a interesses políticos e pessoais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de sua família.
A Abin é o principal órgão do sistema de inteligência federal e tem como atribuição produzir informações estratégicas sobre temas sensíveis, como ameaças à democracia e às fronteiras, segurança das comunicações do governo, política externa e terrorismo.
A suspeita da PF é de uma instrumentalização da instituição no governo Bolsonaro. Na época, a agência era comandada pelo deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi alvo de buscas nesta quinta-feira, 25, na Operação Vigilância Aproximada. Os policiais apreenderam computadores, documentos e pendrives na casa e no gabinete do deputado, inclusive um notebook e um celular da Abin. Ele era esperado para prestar depoimento nesta manhã. O deputado não retornou a reportagem do Estadão.
Sete policiais federais que auxiliavam Ramagem na Abin foram afastados por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso. Procurada pelo Estadão, PF não informou se eles também são investigados administrativamente, o que poderia gerar demissão.
Os investigadores já chamam o grupo de “organização criminosa”. “O grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”, diz um comunicado divulgado pela PF.
Monitoramento ilegal
A investigação foi aberta depois que a PF descobriu que a Abin usou o software First Mile para monitorar adversários políticos de Bolsonaro. A lista inclui o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o ministro da Educação, Camilo Santana, governadores de oposição ao ex-presidente e ministros do Supremo Tribunal Federal.
O programa não permite o grampo de mensagens e ligações, mas dá acesso à geolocalização em tempo real e a dados pessoais registrados junto a operadoras de telefonia. A capacidade de monitoramentos simultâneos do programa ainda é investigada.
Investigações paralelas envolvendo Ramagem
Alexandre Ramagem é investigado porque, segundo a PF, teria autorizado investigações paralelas, sem autorização judicial e sem indícios mínimos de materialidade que justificassem as apurações. A Polícia Federal encontrou pesquisas que tentavam confirmar fake news que circulavam em grupos bolsonaristas, inclusive tentando associar ministros do STF a organizações criminosas.
Produção de provas para Flávio e Jair Renan
A PF afirma que a estrutura da Abin foi usada ainda para produzir informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação das “rachadinhas” e Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro. O senador nega ter sido favorecido.
Veja quem são os alvos da Operação Vigilância Aproximada:
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin;
- Carlos Magno de Deus Rodrigues, Marcelo Bormevet, Felipe Arlotta Freitas, Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho, Henrique César Prado Zordan, Alexandre Ramalho Dias Ferreira e Luis Felipe Barros Feliz, policiais federais cedidos à Abin no governo Bolsonaro e que auxiliavam Alexandre Ramagem;
- Bruno de Aguiar Faria e Ottoney Braga dos Santos, ex-superintendentes regionais da Abin.
COM A PALAVRA, O SENADOR FLÁVIO BOLSONARO
“É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida. Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro. Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia.”
COM A PALAVRA, A DIRETORIA DA INTELIS
“Os novos desdobramentos das investigações em curso sobre o suposto uso indevido do programa First Mile indicam ter havido utilização da estrutura e recursos da ABIN para práticas de desvios por parte de policiais federais inseridos na Agência.
Se confirmados os ilícitos apurados, a problemática gestão da ABIN por Alexandre Ramagem e seus assessores reforça a importância de a Agência ser gerida por seu próprio corpo funcional, e não por atores exôgenos politicamente condicionados, como no governo anterior.
Reafirmamos a confiança nos profissionais de carreira da ABIN, que são os maiores interessados na apuração republicana sobre eventuais desvios ou mau uso das ferramentas de Inteligência - semelhantes às utilizadas nos sistemas de Inteligência de democracias consolidadas.
A Inteligência de Estado tem que ser preservada do debate político-partidário, e os profissionais de carreira precisam ser valorizados.
A ABIN e seus profissionais merecem respeito.”
Diretoria Executiva da Intelis - União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin
COM A PALAVRA, A ABIN
˜Há 10 meses a atual gestão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vem colaborando com inquéritos da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal sobre eventuais irregularidades cometidas no período de uso de ferramenta de geolocalização, de 2019 a 2021. A Abin é a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos e continuará colaborando com as investigações.˜