Na esteira da Operação Tempus Veritatis - aberta em fevereiro para apurar suposta tentativa de golpe de Estado -, a Polícia Federal apreendeu documentos essenciais para a investigação sobre a trama antidemocrática e um plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Um deles, com “verdadeiro planejamento com características terroristas”, trazia detalhes sobre condições de execução de Moraes, Alckmin e Lula, com uso de artefatos explosivos e veneno. O outro é o documento mais robusto encontrado até o momento em meio às investigações sobre a tentativa de golpe de Estado.
Intitulado ‘Desenho Op Luneta’, o arquivo estava em um pen drive apreendido com o ‘kid preto’ Hélio Ferreira Lima. Ele consiste em “uma planilha detalhada que condensa informações acerca de um planejamento estratégico do Golpe de Estado”. O arquivo cita a prisão de ministros do STF, considerados opositores, e a necessidade de publicitar as ações do regime autoritário que hipoteticamente seria criado após a ruptura - condutas que remetem a ações de verdadeiras ditaduras.
O documento indica que os militares pretendiam tomar o controle do processo eleitoral e construir um gabinete de ‘crise’, sob o comando dos generais Augusto Heleno e Braga Netto, para restabelecer a “legalidade e estabilidade institucional”. Eles ainda pretendiam arrastar o Superior Tribunal Militar para o golpe, com a “preparação de robusto arcabouço jurídico” que respaldasse as ações militares.
O documento se soma à minuta golpista apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres como uma peça-chave no inquérito sobre golpe de Estado, fechando ainda mais o cerco à cúpula do governo Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal destaca o fato de que Hélio é um dos militares que esteve na reunião realizada no dia 12 de novembro de 2022 na casa do ex-ministro da Defesa Braga Netto - encontro no qual houve a aprovação da atuação dos ‘kids pretos’ para a operação que previa a prisão/execução de Moraes - consequentemente o mesmo grupo que planejava a morte de Lula e Alckmin.
Segundo a PF, o documento tem mais de “duzentas linhas de preenchimento abordando fatores estratégicos de planejamento (do golpe), quais sejam: fisiográfico, psicossocial, político, militar, econômico e produção”. O arquivo é tido como um “planejamento estratégico que tinha como objetivo final um golpe de Estado, visando anular o pleito presidencial de 2022, com fundamento na falsa narrativa” de fraude nas urnas.
Os investigadores argumentaram que o arquivo encontrado com Hélio detalha operação para “restabelecer a lei e a ordem por meio da retomada da legalidade e da segurança jurídica e da estabilidade institucional” e que visaria impedir um cenário de ameaça a qual “em suposta defesa da democracia, (objetivaria) controlar os 3 poderes do país e impor condições favoráveis para apropriação da máquina pública em favor de ideologias de esquerda ou projetos escusos de poder”.
Para os investigadores, o documento tem trechos que indicam um planejamento de ruptura institucional, “em razão, possivelmente, do resultado das eleições presidenciais de 2022″. O arquivo ainda citou a “existência de fatores geradores de instabilidade no Supremo Tribunal Federal” e a “necessidade de neutralização da capacidade de atuação do órgão, sendo dirigida atenção específica para a neutralização da capacidade de atuação de Moraes”.
Algumas das linhas da planilha são:
- Eleições Limpas: Base probatória de fraude eleitoral divulgada; Inquérito eleições limpas aberto; Acesso total ao processo eleitoral de 2022; Publicação de novos relatórios de irregularidades no processo eleitoral realizadas; Novo pleito eleitoral marcado; Processo eleitoral totalmente transparente divulgado; Eleições presidenciais.
- Legalidade: Base jurídica consolidada em decreto presidencial com apoio do congresso nacional; Composição da força legalista conjunta, multidisciplinar e inter agências; Denúncia aceita, inquérito aberto; Mandados coercitivos emitidos; Mandados de prisão contra envolvidos em indícios de irregularidades no processo eleitoral publicados.
- Informacional: Composição da equipe informacional publicada; Exploração da base legal nos cenários interno e externo; Exploração global dos indícios de fraude eleitoral realizada; Exploração da execução dos mandados coercitivos realizada; operação segurança presente explorada amplamente; Exploração do início da campanha de assistência aos mais vulneráveis realizada; presença e dissuasão divulgada amplamente; mandados de prisão explorados amplamente; Exploração da legalidade do novo processo eleitoral realizada; exploração da execução dos mandados coercitivos realizadas amplamente; Detalhes da tentativa de destruição da democracia brasileira divulgadas amplamente; Exploração de indicadores de sensação de segurança jurídica realizada.
No mesmo arquivo, uma das planilhas era dividida em cinco blocos: estado atual - que descrevia a existência de fatores geradores de instabilidade no STF; estado final desejado de força legalista - com o objetivo de “neutralizar os elementos geradores de instabilidade do STF”; tendência natural; ‘efd’ das principais ameaças; e principais deduções do diagrama de relações.
Outro trecho do documento ainda discorria sobre os centros de gravidade das forças legalistas e das ameaças. Nesse ponto, chamou atenção da Polícia Federal o campo em que foram descritas capacidades críticas, que “seriam as habilidades essenciais que uma força ou entidade deve possuir para alcançar seus objetivos estratégicos”.
Para os militares investigados, o primeiro ponto desse campo era “realizar a prisão preventiva dos juízes supremos considerados geradores de instabilidade” e a “segurança e participar da coordenação e fiscalização de novo pleito eleitoral”. Indicava, ainda, a necessidade de constituir um gabinete de crise para restabelecer a “legalidade e estabilidade institucional”.
Considerando as três capacidades críticas elencadas, os militares ainda apontaram o que era necessário para alcançá-las e mantê-las: “uma estrutura de apoio para o estabelecimento de um gabinete central de crise e a preparação de robusto arcabouço jurídico em coordenação com o Superior Tribunal Militar e outras entidades para a constituição de decreto que respalde as ações militares”.
A planilha ainda descrevia “ações autoritárias, desvinculadas do Estado Democrático de Direito como a determinação de ações voltadas a impedir o cumprimento de ordens denominadas “ilegais” pelas forças do Estado e punir os agentes públicos que tenham cometidos ilegalidades, que influenciaram as eleições”. Era previsto, por exemplo, o controle de mídia, “aplicar multas exorbitantes sem qualquer base legal”, “intimidar e e coagir forças de segurança”.
Gabinete de crise
Em meio às investigações, a PF também achou uma minuta de instituição de um Gabinete de Crise, que seria criado no dia 16 de dezembro de 2022, após o golpe de Estado, composto em sua maioria por militares, sob o comando dos generais Augusto Heleno e Braga Netto, contando com a participação do general Mário Fernandes - alvo principal da operação Contragolpe - e o ex-assessor da Presidência Filipe Martins.
Segundo a investigação, o chefe de gabinete de Mário Fernandes, que foi secretário-geral da Presidência imprimiu eis cópias do documento, cada uma com trinta páginas. A PF levantou que, no dia seguinte à impressão, Mário foi um dos visitantes de Bolsonaro no Alvorada.
Cronograma
O documento e extremamente elaborado, definindo sete linhas de operações e cinco fases de atuação, com a previsão de englobar um período de dezembro de 2021 a agosto de 2023.
As linhas de operações incluíam:
- fronteiras;
- pontual - com a execução de mandados coercitivos contra pessoas consideradas geradoras de instabilidade realizada (integrantes do STF);
- segurança interna;
- eleições limpas - com o objetivo de anular as eleições para impedir a posse do governo legitimamente eleito, mediante a propagação da narrativa de fraude eleitoral, com a finalidade de manter Bolsonaro no poder;
- legalidade - com a criação de uma base jurídica fundamentada na edição de um Decreto Presidencial, evidenciando a permanência no poder de Bolsonaro, além da previsão de ações persecutórias, com a prisão de “envolvidos em indícios de irregularidades no processo eleitoral publicados”;
- SOS Brasil;
- Informacional - divulgação das ações realizadas como o cumprimento de mandados coercitivos, a propagação em nível global da narrativa de fraude eleitoral e tentativa de destruição da democracia brasileira. A PF vê a linha como “ações de publicidade do que seria o novo regime autoritário instaurado em caso de consumação do golpe de Estado”.
Já as fases da Operação ‘Pacificação Nacional’ seriam:
- Modelando o ambiente - dezembro (provavelmente de 2021);
- Reestabelecimento da legalidade - janeiro a junho (provavelmente de 2022);
- Manutenção da lei e da ordem - junho a dezembro (provavelmente 2022);
- Normalização - janeiro a maior (2023);
- Reversão - junho a agosto (2023)
Punhal Verde e Amarelo
O documento apreendido com Fernandes tinha o nome “Fox_2017″ e, segundo a PF, “traz em formato de tópicos o planejamento de uma operação clandestina, com demandas de reconhecimento operacional a serem realizadas, demandas para preparação e condução da ação, com indicação dos recursos necessários, demandas de pessoal a ser utilizado e condições de execução”.
Os tópicos do documento incluiam a descrição de diligências para identificar o aparato de segurança pessoal do ministro Moraes e a lista de lista de itens necessários para a execução da operação, com o método de comunicação que acabou usado na operação ‘Copa 2022′ - “em que militares das Forças Especiais executaram uma ação clandestina no dia 15 de dezembro de 2022, para prender/executar o ministro Moraes na cidade de Brasília”.
Havia ainda a descrição de munição que seria utilizada na ação clandestina, com arsenal de pistolas e fuzis, metralhadora, lança granada e lança rojão - “armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”