Apesar de não ter sido alvo da Operação Contragolpe - deflagrada nesta terça, 19, para prender um grupo de militares e um agente federal por suspeita de ligação com plano de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes -, o ex-presidente Jair Bolsonaro vê a Polícia Federal cada vez mais perto.
Ao pedir autorização ao Supremo Tribunal Federal para colocar a operação Contragolpe nas ruas, a corporação sinalizou que um terceiro indiciamento de Bolsonaro é uma medida que pode estar muito próxima. São vários o pontos em que isso fica claro, como a troca de mensagens entre o general Mário Fernandes e o tenente-coronel mauro Cid, em 9 de novembro, quando o general comemorou que o então presidente “aceitou o nosso assessoramento”.
Quatro delegados da PF subscrevem a representação de 221 páginas ao STF - Rodrigo Morais Fernandes (diretor de Inteligência da PF), Luciana Caires (chefe da Divisão de Contrainteligência), Elias Milhomens (coordenador de Contrainteligência) e Fábio Shor.
Eles indicam categoricamente passagens sobre suposto envolvimento do ex-presidente com a trama golpista.
Inicialmente, a PF rememora um achado da Operação Tempus Veritatis, investigação sobre um plano de golpe de Estado, desencadeada em fevereiro. Bolsonaro teria ‘redigido e ajustado’ a minuta de golpe que circulou entre seus aliados após o segundo turno das eleições presidenciais em 2022.
Em mensagem de WatsApp, recuperada pelos investigadores, o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, narrou que o presidente “mexeu no decreto, reduziu bastante, fez algo muito mais direto, curto e limitado”.
Nove meses depois, a Operação Contragolpe, gestada a partir dos achados da Operação Tempus Veritatis, liga, cronologicamente, os diálogos sobre o monitoramento e plano de assassinato de Moraes com as ações de Bolsonaro.
A PF afirma que as conversas ocorreram em dezembro de 2022, seis dias após Bolsonaro “ter ‘enxugado’ o decreto e ter se reunido com o general do Comando de Operações Terrestres (Estevan Cals Theóphilo) “com a finalidade de consumar o golpe de Estado”.
Como mostrou o Estadão, a mais recente fase ostensiva da investigação sobre uma tentativa de golpe de Estado atingiu, direta e indiretamente, dois aliados de Bolsonaro: seu ministro da Defesa, general Braga Neto, e seu secretário-executivo na Presidência, general Mário Fernandes.
A investigação diz que Braga Netto recebeu em sua casa uma reunião na qual foi aprovada a ação dos ‘kids pretos’ - militares de alta performance em ações de grande impacto - na missão de prisão/execução do ministro Alexandre de Moraes.
Mário Fernandes é apontado como o autor do plano para eliminar o ministro do STF, o presidente e o vice.
Mário Fernandes é peça-chave no inquérito da Operação Contragolpe.
A PF identificou que ele imprimiu o plano ‘Punhal Verde e Amarelo’ de uma impressora instalada no Palácio do Planalto. O ‘Punhal Verde e Amarelo’ é o plano que consistia na execução de Lula, Alckmin e Moraes.
Quando o general Mário Fernandes fez as cópias do documento, Bolsonaro encontrava-se na sede do Executivo.
O então secretário-executivo do governo também imprimiu seis cópias de uma minuta de criação de um ‘gabinete de crise’ que seria instalado no caso hipotético de consumação do golpe. No dia seguinte, ele visitou Bolsonaro no Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente.
Além das coincidências entre as ações de Mário Fernandes e as visitas a Bolsonaro, a PF interceptou áudios que podem incriminar o general. Em um deles, enviado no dia 8 de dezembro ao tenente-coronel Mauro Cid, o general relatou uma conversa com o presidente. Nessa conversa, Bolsonaro teria afirmado que “qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo”.
Naquele dia, Mário Fernandes esteve no Palácio da Alvorada por quarenta minutos, entre as 17h e as 17h40.
“Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades. E aí depois meditando aqui em casa, eu queria que, porra, de repente você passasse pra ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso. A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele, das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle, né? Pode acontecer de tudo. Mas podem esmaecer também. Vou até te mandar um vídeo aqui abaixo da situação em frente ao PDC (Palácio Duque de Caxias, onde fica o Comando Militar do Leste) no Rio de Janeiro. Tá ok? E o outro aspecto é que, pô, nós temos já passagens de comando dos comandos de força, força armada. Já 20, 20 e poucos. E aí já vão passar o comando para aqueles que estão sendo indicados para o eventual governo do presidiário. E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação. Então esses dois aspectos são importantes, certo?”, afirmou.
Mauro Cid respondeu que levaria o pleito ao presidente. “O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais passar. Dia 12 seria...Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada”, indicou.
Um dia antes da conversa com Bolsonaro, no dia 7 de dezembro, ocorreu a reunião de Bolsonaro com a presença de comandantes do Exército e da Marinha, para apresentação da minuta do golpe de Estado.
Mário Fernandes tinha conhecimento da reunião. Ele pediu a Cid que mostrasse um vídeo ao comandante do Exército, general Freire Gomes, na tentativa de convencê-lo a aderir ao golpe de Estado.
Um dia após a conversa, 9 de novembro, Mário voltou a acionar Cid. Ele ‘comemorou’ que o então presidente aceitou o “nosso assessoramento”.
“”Força, Cid. Meu amigo, muito bacana o presidente ter ido lá à frente ali do Alvorada e ter se pronunciado, cara. Que bacana que ele aceitou aí o nosso assessoramento. Porra, deu a cara pro público dele, pra galera que confia, acredita nele até a morte. Foi muito bacana mesmo, cara. Todo mundo vibrando. Transmite isso prá ele. E vou te colocar aqui abaixo um texto que eu recebi do Lucão, que é o Duílio, que é um caminhoneiro famoso aí pra caramba, que tá lá no QG já há mais de 30 dias. E aí, porra, ele se emocionou, tava com a família aí, e assistiu hoje lá in loco, presencialmente, as palavras do presidente, cara. Olha aqui o texto abaixo que ele mandou. Se tu avaliar que é coerente, mostra pro presidente também, cara. Força!”, escreveu Mário ao colega.
O general também tinha acesso a outros aliados de Bolsonaro, entre eles Sérgio Rocha Cordeiro, então assessor da Presidência no governo Bolsonaro.
Em novembro, Mário comentou com Cordeiro sobre a possibilidade de o presidente “só no dia 16 com amparo legal” - o plano de golpe de estado estava marcado para o dia 15 de dezembro, conforme as investigações.
“Eu considero que a estratégia do presidente foi a melhor. Ele não declarou abertamente e, como o tal do artigo 222 lá, ele pode a qualquer momento impugnar essa porra e nos dar um pouco mais de tempo pra analisar tudo isso aí que vem sendo levantado e denunciado. Agora, Cordeiro, a minha maior preocupação é que, porra, a gente que tá de fora e tenta ajudar de alguma maneira, é porque eu olho pro MD, olho pra um lado e pro outro e vejo que tem muita gente jogando a toalha, cara.”
O interlocutor de Mário nesse caso, Cordeiro, é pivô ainda de uma outra passagem em que a PF cita taxativamente o envolvimento de Bolsonaro com o plano de golpe de Estado. Como mostrou o Estadão, o agente da Polícia Federal preso na manhã desta terça, 19, Wladimir Mattos Soares, é investigado por ter passado a Cordeiro informações, em 2022, sobre a estrutura de segurança do então presidente eleito.
Neste ponto a PF assinalou que o agente da PF passou as informações sobre Lula para o segurança pessoal do então presidente Jair Bolsonaro.
Segundo a representação da PF, em dezembro de 2022, Bolsonaro “estava naquele momento empenhado para consumação do golpe de Estado, tentando obter o apoio das Forças Armadas”.