Os investigadores da Operação Última Milha já haviam, em outras fases da investigação, identificado cinco núcleos da ‘Abin paralela’ do governo Jair Bolsonaro. A quarta etapa da ofensiva, aberta nesta quinta, 11, avançou sobre um outro grupo descortinado pela Polícia Federal: o da presidência da República, que fazia a ponte entre Bolsonaro e propagadores de desinformação sob suspeita – influenciadores ligados ao chamado ‘gabinete do ódio’ e os próprios integrantes da Abin Paralela, que municiavam os primeiros com fake news.
A avaliação da PF é que as ações clandestinas direcionadas contra opositores e instituições do governo Bolsonaro se davam com a integração direta de funcionários públicos lotados na Presidência. Os autos da Operação Última Milha indicam que a estrutura montada na Abin fazia parte de um esquema maior e mais complexo, com três estágios - a ‘estrutura paralela’, milícias digitais e ‘Presidência da República’.
Todos esses grupos atuavam “de forma concatenada para atender aos interesses do núcleo político, o alto escalão da organização”, segundo a PF.
Os principais integrantes do ‘núcleo Presidência da República’ são ex-servidores do Palácio do Planalto que faziam o elo dos núcleos de propagação de desinformação com o então presidente. São eles:
- Daniel Ribeiro Lemos, que se apresenta como analista político legislativo
- José Matheus Sales Gomes - que era assessor do vereador Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, e, em 2023, foi contratado pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, após este se tornar deputado federal
- Mateus Sposito, ex-servidor da Secretaria de Comunicação da Presidência
Preso na ofensiva aberta nesta quinta, 11, Sposito fazia, segundo a PF, a ligação entre o então presidente e um dos principais vetores de desinformação investigados pela PF, o influenciador Pozzer. Ele, que foi indiciado pela CPI da Covid sob acusação de espalhar fake news, também foi capturado na quarta fase da operação.
Os investigadores encontraram, por exemplo, conversas em que Sposito indica a Pozzer que teria encaminhado um arquivo para “determinado canal” para que ele chegasse ao senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, e ao então chefe da Abin Alexandre Ramagem, para que o órgão “identificasse um pessoal”. No mesmo diálogo, Sposito disse que havia “investigações” em andamento na “PR”, referência à Presidência da República.
Segundo a PF, Pozzer teria ascendido no grupo após conquistar a confiança do blogueiro Allan dos Santos. Ele era abastecido por dossiês elaborados pelo sargento Giancarlo Rodrigues na Abin Paralela. Os arquivos eram enviados via o perfil falso ‘Verdades’.
Pozzer teria afirmado a Giancarlo que teria uma “linha-direta” com Bolsonaro para encaminhar dossiês. “Com um dossiê caprichado é envio do pacote e já era”, anotou.
Além de Pozzer, a Polícia Federal identificou como “propagadores de fake news” os perfis de Rogério Beraldo de Almeida. Ele também seria municiado por informações colhidas na Abin paralela por Giancarlo.
‘Cara da presidência disse que vai tentar levar ao PR para ele falar na live’
Diálogos encontrados entre os principais investigados da Abin paralela - Giancarlo e o policial federal Bormevet - revelam a atuação dos servidores da Presidência, diz a PF. Mostram ainda que as informações levantadas clandestinamente - “muitas vezes, fabricadas” - podiam ser usadas até nas lives de Bolsonaro.
Em diálogo sobre uma das ações clandestinas identificadas pela PF, contra agências de checagem, Giancarlo afirma: “Vou levantar geral primeiro, senão vão excluir as contas com viés left. Já tem até jornal para publicar e o cara da Presidência disse que vai tentar levar ao PR para ele falar na live.”
Segundo a Polícia Federal, a interlocução indica “que os produtos ilícitos da estrutura paralela infiltrada na Abin eram destinados para uso e benefício do núcleo-político, neste caso concreto com referência expressa ao então presidente da República Jair Bolsonaro”.