Ao requerer a abertura da Operação Hinsberg, que investiga o desvio de 12 toneladas de produtos químicos para a produção de cocaína e crack, o Ministério Público de São Paulo estimou que a empresa no centro do esquema, pertencente ao influenciador fitness Renato Cariani, teria lucrado ao menos R$ 3,7 milhões com a venda de insumos para o tráfico de drogas.
O Ministério Público de São Paulo chegou a chancelar o pedido da Polícia Federal para que fosse expedido mandado de prisão contra Cariani e outros dois investigados - sua sócia, Roseli Dorth, e seu ‘amigo’ Fábio Spinola Mota.
A Justiça não acolheu pedido de prisão dos alvos da Operação Hinsberg. A ofensiva aberta nesta terça, 12, limitou-se a vasculhar endereços dos investigados.
Cariani diz que ainda não teve acesso ao conteúdo das investigações. Ele sustenta que sua empresa foi fundada em 1981 e é controlada por sua sócia, de 71 anos. “Tem sede própria, todas as licenças, certificações nacionais e internacionais. Trabalha totalmente regulada”, afirma.
A investigação que culminou na Operação Hinsberg teve início a partir de uma denúncia da farmacêutica AstraZeneca, em julho de 2019. Ela narrou a emissão de notas fiscais em 2017 referentes a movimentações de produtos químicos que não reconhecia como suas. Depois, a PF recebeu mais dois relatos semelhantes, da Cloroquímica e da LBS Laborasa.
Tais denúncias colocaram os promotores do Ministério Público de São Paulo no encalço da Anidrol e da Quimietest. Eles descobriram que as empresas integram um mesmo grupo administrado por Cariani e Roseli Dorth.
De acordo com a Promotoria, restou confirmado que a Quimietest não tem sede física e atua como ‘braço’ da Anidrol.
Ao longo do inquérito, o Ministério Público reuniu indícios de que as empresas de Cariani e Dorth realizavam vendas fictícias às farmacêuticas para mascarar a remessa de insumos para o tráfico. Eles teriam usado ‘laranjas’ como representantes das empresas para receber os pagamentos e ‘justificar’ o desvio dos produtos químicos para o narcotráfico.
Foram identificadas 60 vendas fraudadas de lidocaína, fenacetina e manitol. A PF estima que os insumos podem ter viabilizado a produção de 15,8 toneladas de cocaína ou 12,2 toneladas de crack. O lucro auferido pelo grupo investigado teria sido de R$ 3,7 milhões.
Na representação à Justiça, a Promotoria destacou não só a gravidade dos crimes sob suspeita, mas a ‘audácia, organização e capacidade financeira’ dos investigados que arquitetaram o esquema. “Por meio de estabelecimentos credenciados na Polícia Federal para atuar no ramo controlado de produtos químicos, eles se utilizaram das licenças concedidas pelo Estado para atingir fins escusos.”
Prisões indeferidas
Ao pedir à Justiça deferimento das diligências cumpridas nesta terça, 12, a Promotoria sustentou existência de ‘indícios atuais de estabilidade e permanência’ da associação criminosa que atua desde 2014, pelo menos.
O Ministério Público argumentou a imprescindibilidade das prisões preventivas - não autorizadas pela Justiça - indicando que, em liberdade, os investigados poderiam ‘frustrar a obtenção de provas e eliminar eventuais materiais dos fatos, bem assim a identidade dos demais envolvidos’.
Os promotores encontraram uma troca de mensagens entre Cariani e Dorth, na qual o influenciador diz: “Graças a Deus esta semana é curta, poderemos trabalhar no feriado para arrumar de vez a casa e fugir da Polícia.”
Nessa conversa com a sócia, o influencer fitness chama policiais civis de ‘vermes’. Segundo a Promotoria, o contexto das mensagens - datadas de 2014 - seria a ‘iminência’ de uma fiscalização da Polícia Civil nas instalações da Anidrol.
“Embora as mensagens sejam de 2014, as imagens evidenciam o risco dos agentes em ações destinadas a influenciar nas provas e vestígios dos crimes ora investigados, o que é bastante crível, considerando a contemporaneidade da associação criminosa”, sustentou o Ministério Público à Justiça.
Ligação pessoal entre Cariani e um ‘corretor imobiliário’ do narcotráfico já preso pela PF
Documento do Ministério Público sobre as atividades do influencer é subscrito pelos promotores Juliano Carvalho Atoji, Luiz Fernando Bugiga Rebellato, Luís Fernando de Moraes Manzano e Fábio Ramazzini Bechara. Eles integram o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público paulista.
Aprofundando as apurações sobre a venda fraudulenta mais expressiva identificada, os promotores chegaram a Augusto Guerra, suposto representante da Astrazeneca. No entanto, segundo a Promotoria, a análise de dados telemáticos colacionados na investigação mostraram que, na verdade, a conta de e-mail de ‘Augusto’ era controlada por Fábio Spinola Mota, nome já conhecido pela Polícia Federal.
Fábio foi preso na Operação Downfall, aberta pela PF em maio. De acordo com o inquérito, ele fazia parte de uma quadrilha atuando como ‘corretor imobiliário informal’ para operacionalizar a compra de imóveis de luxo como método de lavar dinheiro do narcotráfico.
Segundo o Ministério Público de São Paulo, Fábio mantém ‘ligação pessoal’ com Cariani. São amigos de ‘longa data’, dizem os investigadores.
O inquérito ainda enfatiza a ligação de Cariani com um funcionário de Fábio, Rodrigo Gomes Pereira, que seria usado no esquema para fazer depósitos na conta da Anidrol, sob responsabilidade das empresas vítimas das fraudes.
Lança Perfume
A Promotoria argumentou à Justiça que existem ‘diversos elementos que robustecem a utilização reiterada da Anidrol como peça do mecanismo engendrado para o tráfico de drogas.
Os promotores destacam o envolvimento da empresa em ‘transações suspeitas’ que ensejaram investigação da Polícia Civil de São Paulo. A Promotoria cita um inquérito, conduzido em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, que levou à condenação de uma quadrilha por associação para o tráfico de drogas.
No bojo do processo, um sentenciado afirmou que fornecia tricloroetileno - usado para a fabricação de lança-perfume - para um traficante conhecido como ‘Rato’. Ele alegou que retirava o insumo químico no laboratório Anidrol.
Segundo o MP, a empresa emitiu 107 notas fiscais para a empresa do réu, totalizando a venda de 9 mil litros do produto químico usado na produção de lança perfume.
Nesse contexto, a Promotoria sustenta. “Tais antecedentes agravam as suspeitas de que a Anidrol obtém vantagens financeiras sendo parceira ou, no mínimo, conivente com grupos criminosos dedicados à produção de entorpecentes.”
A organização da quadrilha
A Promotoria coloca Cariani e sua sócia no topo da quadrilha sob suspeita, como integrantes do núcleo responsável pela venda dos produtos químicos destinados à preparação das drogas.
Outro integrante desse núcleo seria Fábio Spínola, que também é apontado como ‘principal elo entre as empresas químicas e os interessados nos insumos’. Spínola faz parte do ‘núcleo encarregado de intermediar o fornecimento das substâncias controladas à produção de entorpecentes’.
A Promotoria aponta ainda que o grupo ‘ocultava os reais beneficiários do esquema’ formado por 14 investigados que ‘agiram de modo a blindar os verdadeiros nomes da associação’.