A Polícia Federal abriu na manhã desta terça-feira, 13, uma operação com apoio da Guardia di Finanza de Palermo, Itália, para desarticular uma rede de lavagem de dinheiro da máfia italiana ‘Cosa Nostra’ no Rio Grande do Norte. Batizada Arancia, a ofensiva prendeu um mafioso italiano em Natal e vasculha endereços em três Estados para apurar o esquema de lavagem de dinheiro que usou empresas fantasma e laranjas para se infiltrar no mercado imobiliário e financeiro brasileiro.
A Cosa Nostra é uma máfia italiana, uma das mais conhecidas, e inspirou a trilogia ‘Poderoso Chefão’ (1970) - estrelada por Marlon Brando em seu primeiro capítulo. O nome do grupo foi popularizado com suas ramificações nos Estados Unidos. Especializada no tráfico milionário de drogas, prostituição, extorsão e lavagem de dinheiro, a máfia é dividida em clãs e marcada por lideranças fortes, como Salvatore “Totò” Riina (1930-2017), o “poderoso chefão” que protagonizou a “Segunda Guerra da Máfia”.
A corporação estima que o esquema tenha lavado ao menos R$ 300 milhões (cerca de 55 milhões de euros) no Brasil, com a compra de imóveis em nome de laranjas para lavar o dinheiro da máfia siciliana. As autoridades italianas dizem que os ativos investidos pela quadrilha podem superar 500 milhões de euros, o equivalente a mais de R$ 3 bilhões.
Em paralelo às diligências realizadas no Brasil, a Direção Distrital Antimáfia de Palermo coordenou 21 buscas na Itália e na Suíça. Durante tais diligências, os investigadores encontraram uma sala secreta, escondida atrás de um guarda-roupa. No vídeo, é possível ver que o local guardava documentos e quadros.
No País, os endereços vasculhados estão situados no Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Piauí. A ofensiva apura possíveis crimes de associação mafiosa, extorsão, lavagem de dinheiro e transferência fraudulenta de valores, “com agravante de apoio a famílias mafiosas notórias”.
Segundo a PF, as investigações que culminaram na Arancia começaram em 2022. A organização criminosa suspeita de lavar dinheiro para máfia italiana no Rio Grande do Norte atuaria há quase uma década, indicam os investigadores. De acordo com o inquérito, a máfia italiana utilizou empresas fantasmas e laranjas para ocultar fundos ilícitos.
A Justiça Federal autorizou o sequestro de imóveis e o bloqueio de contas bancárias associadas aos suspeitos e às empresas fantasmas investigadas. As medidas visam “garantir a reparação dos danos causados pelas atividades ilícitas e impedir a continuação das operações criminosas”, diz a PF.
O nome da ofensiva, “Arancia”, significa “laranja” em italiano. Segundo a PF, o termo foi escolhido para batizar a ofensiva em razão do “uso extensivo de laranjas — termo usado para designar pessoas ou empresas que emprestam seus nomes para ocultar os verdadeiros donos ou beneficiários de transações financeiras e ativos, mantendo assim a aparência de legalidade”.
‘FORMAS INSIDIOSAS E VIOLENTAS DE CONTAMINAÇÃO DA ECONOMIA LEGAL’
Em nota, a Procuradoria de Palermo manifestou satisfação pela execução conjunta da operação conduzida pelas autoridades judiciais e policiais italianas e brasileiras. A procuradora da República em Palermo, Federica La Chioma, ressaltou que o ‘sucesso da operação demonstra a maturidade alcançada, mais de vinte anos após a assinatura da Convenção de Palermo, na investigação de formas insidiosas e violentas de contaminação da economia legal, capazes de se espalhar, também graças à utilização de modernas tecnologias de comunicação cifrada, para além das fronteiras territoriais dos Estados’.
Federica La Chioma afirma que a operação confirma a importância da criação de plataformas de coordenação de investigação (como Equipes Conjuntas de Investigação, ECIs), facilitadas com o apoio da Eurojust.
A ECI para a Operação Arancia foi formada com o apoio da Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal, Eurojust. Nessa frente, o Ministério Público Federal teve papel decisivo - via Secretaria de Cooperação Internacional que firmou o acordo para a constituição da equipe e o Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte assumiu a coordenação do grupo juntamente com a Polícia Federal.
A formação da ECI tramitou no Ministério da Justiça em conformidade com a Convenção de Palermo, que é o principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional.
A secretária de Cooperação Internacional do MPF, procuradora Anamara Osório, detalha que, antes da deflagração da operação, foram realizadas diversas reuniões entre os integrantes da ECI. “A bem sucedida operação realizada é fruto de intenso trabalho realizado pelo MPF, em coordenação com as autoridades italianas competentes, na condução da Equipe Conjunta de Investigação, que se revela um dos mais importantes e atuais instrumentos de cooperação jurídica internacional para combater crimes transnacionais complexos, como estes apurados nas atividades hoje conduzidas”, destacou Anamara Osório.
O procurador da República Fernando Rocha de Andrade, responsável pela condução dos trabalhos em Natal, frisou que a ECI foi essencial para visualizar o funcionamento de uma célula da máfia italiana com operação no Brasil.
“A partir das evidências obtidas ao longo da ECI, identificamos o método de funcionamento da organização criminosa, seus integrantes e os ativos por ela obtidos”, pontuou Fernando Rocha de Andrade.
A operação resultou na execução do mandado de prisão preventiva do mafioso da Cosa Nostra e cinco mandados de busca e apreensão, em três estados - Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Piauí. Simultaneamente, a Direção Distrital Antimáfia de Palermo coordenou buscas em 21 endereços de várias regiões da Itália e na Suíça.
Mais de 100 agentes financeiros italianos foram mobilizados, alguns dos quais encontram-se no Brasil, auxiliando o cumprimento dos mandados em Natal.
Segundo a Procuradoria da República ‘as evidências coletadas até o momento indicam que a máfia italiana utilizou empresas fantasmas e laranjas para facilitar a movimentação e a ocultação de fundos ilícitos, provenientes de atividades criminosas internacionais’.
Autoridades italianas confirmaram que o valor total dos ativos investidos pode superar 500 milhões de euros, em valores atuais, ou mais de R$ 3 bilhões.