Duas semanas antes de expirar seu conturbado mandato, quando ainda não estava na mira da Polícia Federal (PF) por envolvimento com suposta trama para venda de joias sauditas, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma procuração em cartório por meio da qual conferia a Marcelo Costa Câmara poderes para cuidar do acervo de presentes que ganhou durante os quatro anos de mandato (2019-2022).
Os investigadores trabalham com a hipótese de que Bolsonaro, com a procuração passada em nome de Câmara, já buscava se eximir de qualquer responsabilidade sobre a guarda e destinação do tesouro. O fato de o ex-presidente ter tomado essa precaução reforça, na avaliação de fontes da investigação, a suspeita de que o entorno de Bolsonaro já previa problemas com a Justiça.
O documento, registrado em 16 de dezembro de 2022, consta em um dos inúmeros apensos da investigação, que trata sobre o inventário dos presentes organizado pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República. O volume, ao qual o Estadão teve acesso, tem 1909 páginas.
“Declaro o senhor Marcelo Costa Câmara, para os devidos fins, como meu representante legal no que se refere aos acervos presidenciais privados”, diz a procuração com firma reconhecida.
Para investigadores a procuração não foi um mero detalhe burocrático. Àquela altura, alijado do Palácio do Planalto nas eleições de outubro, Bolsonaro já estaria preparando sua estratégia para evitar o que se avizinhava - o escândalo dos presentes da Arábia Saudita.
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O ex-presidente e seus assessores foram envolvidos em uma trama de venda e recompra de peças que teriam desviado do acervo presidencial. Os presentes chegaram a ser negociados em lojas especializadas na venda de artigos de luxo nos Estados Unidos e até anunciados em sites de leilão, conforme descobriu a PF.
Marcelo Costa Câmara é coronel do Exército e foi assessor especial do gabinete de Bolsonaro. Ele permaneceu como auxiliar do ex-presidente após o fim do governo.
Relatório parcial da investigação aponta que Câmara teve participação direta no que a PF chama de “operação resgate” – movimentação para recuperar presentes negociados ilegalmente e devolver os itens ao patrimônio público, após ordem do Tribunal de Contas da União (TCU).
O assessor seria ouvido ontem pela Polícia Federal, em uma rodada de depoimentos simultâneos com outros investigados, incluindo Bolsonaro, mas decidiu ficar em silêncio.