A Polícia Federal suspeita que o advogado Roberto Zampieri, apontado como lobista dos tribunais, deu um relógio Patek Phillipe e R$ 250 mil em dinheiro ao desembargador João Ferreira Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, como “uma contrapartida ou uma vantagem a ser recebida em virtude de seu cargo público”. Ferreira Filho está afastado do cargo desde agosto sob suspeita de ligação com esquema de venda de sentenças na Corte estadual.
O Estadão pediu manifestações do desembargador, via TJ-MT e a Associação de Magistrados do Estado. O espaço está aberto. O advogado Flaviano Taques, investigado no caso, indicou que ainda não vai se manifestar, pois não teve acesso ao inquérito. Valdoir Slapak, outro investigado, disse que aguarda o desfecho das investigações para se manifestar e indicou que “sempre atuou com a mais absoluta lisura e transparência”.
Segundo a Polícia Federal, Zampieri, assassinado a tiros em dezembro passado em frente ao seu escritório em Cuiabá, mantinha contatos e diálogos “bastante intensos e rotineiros” com o desembargador. A PF recuperou mensagens com indícios de “solicitações e recebimentos de vantagens financeiras indevidas”.
Os detalhes sobre o trânsito livre de Zampieri na Corte estadual e de suas relações com gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) constam da decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na terça-feira, 26, Zanin colocou a PF nas ruas para prender outro suposto lobista de sentenças, Andreson Gonçalves.
Andreson era amigo de Zampieri, que o chamava de ‘rapaz de Brasília’ - na prática ele atuava como uma espécie de correspondente de Zampieri junto a tribunais superiores.
A parceria dos lobistas agora é alvo da Operação Sisamnes, deflagrada pela Polícia Federal. Por ordem do ministro Zanin, agentes federais vasculharam na terça-feira endereços de três assessores de gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça. Eles foram afastados de suas funções.
O desembargador João Ferreira Filho também foi alvo de buscas na operação, assim como seu colega de Corte, o desembargador Sebastião de Moraes Filho. Ambos são investigados, tanto no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como na Polícia Federal, pela ‘amizade íntima’ com Zampieri que teria resultado na venda de sentenças.
Moraes Filho e Ferreira já estão afastados dos cargos desde agosto, por ordem do CNJ, em decisão de natureza administrativa. Agora, por decisão de Zanin, vão usar tornozeleiras eletrônicas.
A suspeita da PF sobre o relógio de luxo que Zampieri pretendia dar para o desembargador surgiu de uma troca de mensagens e imagens entre o advogado e o magistrado, em 8 de novembro de 2023, um mês antes do assassinato do ‘lobista dos tribunais’. Segundo os investigadores, “demonstrando veemente relação de proximidade” com o desembargador, Zampieri disse que levaria o Patek Philippe para que o magistrado pudesse apreciar. “Eu vou levar esse para o senhor ver, amanhã ou sexta.”
As mensagens no celular ‘bomba’ de Zampieri – encontrado junto do corpo do advogado após seu assassinato - indicam que a pretensão de presentear o desembargador com um relógio de alto valor havia surgido meses antes.
Em diálogo mantido com um outro investigado, Valdoir Slapak, o advogado mandou imagens de outro Patek Philippe. Zampieri escreveu que iria “presentar o nosso amigo com esse relógio”. Isso ocorreu em 25 de agosto.
Um mês depois, no dia 22 de setembro do ano passado, Zampieri voltou a citar o “item de luxo” para Valdoir.
Roberto Zampieri: “Outra coisa. Lembra do que te pedi sobre o relógio do nosso amigo? Eu estou em SP, gostaria de passar esse valor p [sic] ele comprar o relógio. Se você puder arrumar esse valor p [sic] hoje seria bom, mas se não for possível eu entendo. Só me avise. Abraços.”
Valdoir: “Boa noite. Tenho duas camionetas para te passar para acertar nossa conta de 400. Topa?.”
Segundo o ministro Cristiano Zanin, a plausibilidade da tese da PF, de que “ele” e “nosso amigo” corresponderiam, nos diálogos interceptados, ao desembargador João Ferreira Filho “é bastante indiciária nos autos e não pode ser desprezada”.
Esse foi um dos fatores que levaram o ministro a determinar o monitoramento eletrônico e as buscas na residência e no gabinete do desembargador João Ferreira Filho.
Decisão por R$ 250 mil
O primeiro caso de venda de sentenças, supostamente ligado a João Ferreira Filho, segundo a Polícia Federal, teria ocorrido também no dia 8 de novembro de 2023. Segundo a PF, após trocarem mensagens e imagens do relógio, Zampieri pediu que João Ferreira Filho “examinasse um caso”.
O desembargador respondeu que não estava em Cuiabá, mas que tão logo voltasse para a capital de Mato Grosso iria analisar a situação.
Zampieri não era parte do processo. A ação tinha sido ajuizada pelo advogado Flaviano Kleber Taques Figueiredo, que também é alvo da Operação Sisamnes.
Segundo a PF, tal situação “pode sugerir que Zampieri também atuava como intermediador, dada sua nítida influência com João Ferreira Filho”.
Segundo o inquérito da PF, o advogado Flaviano Kleber Taques Figueiredo teria procurado Zampieri dias antes, enviando ao colega justamente o caso que o ‘lobista de sentenças’ passou para o desembargador ‘amigo’.
No dia em que trocou mensagens com o desembargador, Zampieri voltou a contatar Flaviano relatando que falou com o magistrado: “Falei com ele agora, deve sair hoje no final do dia ou amanhã”, escreveu o advogado, indicando que a decisão do desembargador sairia no mesmo dia.
João Ferreira Filho rejeitou um primeiro pedido para depois rever a decisão. O que provocou outro diálogo entre os investigados:
Roberto Zampieri: “Oi. Estou em uma audiência. Eu já vi que foi indeferido. Vou cuidar disso amanhã para você. Vou tentar arrumar amanhã.”
Flaviano: “Cara, é difícil. Se soubesse, tinha ido falar com ele.”
Zampieri foi até o Tribunal de Justiça para tratar do caso com o desembargador. No dia seguinte, 14 de novembro de 2023, o magistrado enviou e deletou mensagem para Zampieri, em um contexto que, segundo a PF, era sugestivo da “existência de valores monetários a serem supostamente entregues ao investigado João Ferreira Filho dentro de seu gabinete no Tribunal”.
Na sequência, Zampieri enviou novas mensagens ao desembargador:
Roberto Zampieri: “Sim senhor. Eu achei que era pra juntar tudo, somente isso. Por isso nem falei nada ontem, somente isso.”
Roberto Zampieri: “Está guardado. Não precisa ficar chateado comigo, apenas não quis ficar levando picado. Mas está guardado, se preferir levo hoje ou transfiro. O rapaz está desesperado. Ele está indo aí.”
Dois dias depois, em 16 de novembro, João Ferreira Filho acolheu o recurso de Flaviano, favorecendo, segundo a PF, o advogado que também é investigado.
Na mesma data, Zampieri perguntou ao colega se ele “consegue os 250 para amanhã”. Tal mensagem, segundo a PF, é uma “contingência indicativa, ao menos pelo que se produziu no arcabouço probatório até este instante, de que a quantia corresponderia ao valor da decisão acordada com o desembargador João Ferreira Filho, R$ 250 mil”.
No dia 17 de novembro, Zampieri voltou a conversar com Flaviano, retomando cobranças de uma possível propina.
Roberto Zampieri: “Flaviano, hoje preciso muito da sua atenção, meu amigo. Já recebi duas ligações agora pela manhã. Não consigo deixar de atender essa pessoa hoje.”
Roberto Zampieri: “Desculpe a perturbação, precisamos pagar as novilhas. Veja se consegue 150 hoje, na outra semana passa o restante.”
Segundo a PF, minutos depois Flaviano transferiu R$ 150 mil a Zampieri.
COM A PALAVRA, VALDOIR SLAPAK
“Valdoir Slapak esclarece que, diante da natureza sigilosa do processo, ainda não teve acesso aos autos e, portanto, não possui informações detalhadas sobre o caso.
Em respeito ao Poder Judiciário e as leis vigentes, entende a importância do sigilo para a garantia de uma investigação justa e aguarda o desfecho das investigações para se manifestar em momento e instância oportunos.
Afirma ainda que sempre atuou com a mais absoluta lisura e transparência, colocando-se à inteira disposição da Justiça para o mais célere esclarecimento”.