O Projeto de Lei nº 1904/2024, conhecido como PL do Aborto, propõe uma mudança significativa no Código Penal Brasileiro, que visa equiparar o aborto ao homicídio, quando realizado após a 22ª semana de gestação, mesmo em caso de estupro. Com a medida, a mulher e o responsável pelo procedimento seriam criminalizados.
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A alteração sugerida reflete uma imposição ideológico-religiosa por meio legislativo, o que é compreensível, já que o parlamento é um reflexo da sociedade. O Brasil, sendo um país conservador e cristão, vê essas representações cada vez mais presentes no Congresso. Contudo, a proposta levanta sérias preocupações, já que a função primordial do Estado é promover o bem-estar social de seus cidadãos, conceito estabelecido desde o século XIX e solidificado no século XX, com a ideia de estado de bem-estar social. Sob essa perspectiva, o PL do Aborto não atinge o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população.
Estudos mostram que a restrição ao aborto legal resulta em um aumento dos abortos clandestinos, colocando as mulheres em situações de maior vulnerabilidade. A criminalização do aborto não impede sua prática, mas a empurra para a clandestinidade, em que os riscos à saúde e à vida das mulheres são significativamente maiores.
Além disso, o PL desvia o foco do verdadeiro problema: o estuprador. Transformar a vítima em criminoso é um grave erro, especialmente em um país como o Brasil, que enfrenta índices alarmantes de violência sexual. Em 2023, foram registrados 75 mil casos de estupro, com 62% das vítimas tendo menos de 13 anos. As consequências para essas meninas são devastadoras, obrigando-as a escolher entre o risco de morte em procedimentos clandestinos ou viver com uma lembrança traumática pelo resto de suas vidas.
Também não podemos esquecer que o debate sobre o aborto no Brasil é profundamente polarizado. De um lado, temos uma esquerda que, apesar de se opor ao aborto, muitas vezes, ignora a violência endêmica no país. Do outro, uma direita que parece mais interessada em criminalizar as vítimas do que em abordar a raiz do problema. Ambas as posições falham em considerar o bem-estar das mulheres.
A legislação brasileira deve focar em proteger as vítimas e não em apená-las.. É fundamental garantir que políticas públicas sejam orientadas para enfrentar e mitigar a violência, não para aumentar o sofrimento das pessoas mais vulneráveis da sociedade. A aprovação do Projeto de Lei nº 1904/2024 representa um retrocesso significativo nos direitos das mulheres e no compromisso do Estado em garantir seu bem-estar. Neste caso, o PL do Aborto erra em todos esses aspectos, criando um ambiente de maior insegurança e sofrimento para as mulheres que já foram vítimas de violência.
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A criminalização do aborto em casos de estupro não melhora a vida das pessoas, mas agrava a vulnerabilidade das mulheres, obrigando-as a enfrentar riscos de saúde e a viver sob a sombra de uma criminalização injusta. Para muitas vítimas de estupro, especialmente menores de idade, a gravidez resultante de um ato tão violento é um fardo insuportável. A possibilidade de interromper essa gravidez de forma segura e legal é um direito que protege a saúde física e mental dessas mulheres. Retirar esse direito significa condená-las a um sofrimento contínuo e desnecessário.
Além dos riscos físicos, a criminalização do aborto, em casos de estupro, também impõe um peso psicológico imenso sobre as vítimas. Elas já carregam o trauma de uma violência brutal e, ao serem forçadas a levar adiante uma gravidez indesejada, enfrentam um estresse emocional e psicológico contínuo.
Por isso, a discussão sobre o aborto no Brasil precisa ser baseada em dados e evidências científicas, levando em conta os impactos reais sobre a saúde das mulheres e a sociedade como um todo. A experiência de outros países mostra que a restrição ao aborto legal não reduz o número de abortos, mas aumenta a mortalidade materna devido a procedimentos inseguros. Políticas públicas devem ser fundamentadas na promoção da saúde e na proteção dos direitos humanos, garantindo que todas as mulheres tenham acesso a cuidados seguros e legais.