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Opinião|Plano de assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes: a história repetindo-se como farsa


Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Por Celso de Mello
Atualização:

A notícia sobre a prisão de Oficiais do Exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em gravíssimo e sórdido plano sedicioso (e criminoso) que objetivava, no contexto de um pretendido golpe de Estado, assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, permite afirmar, quanto a tal evento, que é a História repetindo-se como “farsa”, para relembrar a frase de Karl Marx, logo no primeiro parágrafo de seu conhecido trabalho “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852)!

MARX, em seu “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, INICIA a sua obra, PROFERINDO, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:

“HEGEL observa (...) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (...)”!

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CABE rememorar, bem por isso, neste ponto, evento ocorrido em Brasília, em 12 de setembro de 1963, uma 5a. feira .

Refiro-me ao episódio que ficou conhecido como “A Revolta dos Sargentos” e em cujo contexto sobrevieram a detenção e o sequestro de um Ministro do Supremo Tribunal Federal por militares da FAB e da Marinha (Sargentos e Cabos amotinados), que o conduziram até a Base Aérea de Brasília (o sequestro ocorreu no “Trevo da Sarah” ou em suas proximidades).

O magistrado arbitrariamente detido e criminosamente sequestrado foi o Ministro Victor Nunes Leal, que se dirigia ao Supremo Tribunal Federal para um encontro com o seu então Presidente, o Ministro Lafayette de Andrada!

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O Ministro Victor Nunes Leal ficou detido na Base Aérea de Brasília durante uma hora e meia (das 10h00 às 11h30) .

Assim que libertado, retornou à sua residência, para, em seguida, dirigir-se ao STF, onde, em sessão especialmente convocada pelo Ministro Lafayette de Andrada, relatou os fatos que culminaram com sua detenção e sequestro (v. DJU, ed. de 13/09/1963, pgs. 3009/3010).

Pronunciaram-se, em referida sessão plenária, além do seu Presidente, também o Ministro Ribeiro da Costa, o dr. Cândido de Oliveira Neto, Procurador-Geral da República, e o dr. Esdras Gueiros, Presidente do Conselho Seccional da OAB/DF, que censuraram duramente o comportamento criminoso de referidos militares.

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O registro dessa sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, realizada no próprio dia do sequestro do Ministro Victor Nunes Leal (12/09/1963), consta de publicação oficial feita no Diário da Justiça da União, de 13 de setembro de 1963, que contém o relato do Ministro Victor Nunes Leal, seguido dos pronunciamentos do PGR e do Conselho Seccional da OAB/DF.

É importante destacar que o Ministro Ribeiro da Costa, em mencionada sessão plenária do STF (12/09/1963), pronunciou discurso que, meses depois, quando houve o ominoso golpe de Estado de 1964, instaurador da ditadura militar que se abateu sobre nosso País e que destruiu a ordem democrática até então vigente, mostrou-se profético, pois, ao defender a decisão da Suprema Corte proferida contra os militares que queriam exercer cargos políticos, afirmou, com inteira razão, que a função institucional das Forças Armadas é outra, e que incentivar (e permitir) o envolvimento de militares com a atividade política poderia fazer com que as Forças Armadas absurdamente culminassem por se sobrepor às leis e à Constituição da República!

DISSE, então, o Ministro Ribeiro da Costa:

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“Nessas condições, ao invés de contar o país com Forças Armadas unidas, aptas a agir com a presteza e a energia necessárias em dados momentos, quando a ordem nacional estiver em perigo ou sob ameaça, o que acontecerá, então, é que esses elementos, que são numerosíssimos, e indispensáveis, trarão para o seio das Forças Armadas a cizânia, a divisão, a incompreensão, a indisciplina, pretendendo sobrepor-se, como agora o fizeram, não só às leis e à Constituição, mas aos seus superiores hierárquicos”!

Cabe sempre advertir que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil, cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!

O poder castrense, que NÃO dispõe de atribuição moderadora NEM de função arbitral que lhe permita resolver - como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição - eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática - sob cuja égide vivemos - dissolver-se, esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!

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A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas - ADVERTEM os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Pre- sidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) - busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos:

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;

b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;

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c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;

d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis]; e

e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

Os fatos hoje noticiados referentes ao alegado envolvimento de altas patentes militares revelam um quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!

Em situações tão graves assim, ressurge fundado temor de que se desenhem na intimidade do aparelho castrense movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (Samuel P. Huntington, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições democráticas!

Impõe-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que pretenda sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituiçōes da República!

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível e ditatorial, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.

Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.

Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Enfim, parece-me haver, entre a detenção e o sequestro, em 1963, perpetrados por militares amotinados contra o Ministro Victor Nunes Leal, do STF, e o noticiado plano, agora revelado, de Oficiais militares de assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa…”

A notícia sobre a prisão de Oficiais do Exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em gravíssimo e sórdido plano sedicioso (e criminoso) que objetivava, no contexto de um pretendido golpe de Estado, assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, permite afirmar, quanto a tal evento, que é a História repetindo-se como “farsa”, para relembrar a frase de Karl Marx, logo no primeiro parágrafo de seu conhecido trabalho “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852)!

MARX, em seu “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, INICIA a sua obra, PROFERINDO, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:

“HEGEL observa (...) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (...)”!

CABE rememorar, bem por isso, neste ponto, evento ocorrido em Brasília, em 12 de setembro de 1963, uma 5a. feira .

Refiro-me ao episódio que ficou conhecido como “A Revolta dos Sargentos” e em cujo contexto sobrevieram a detenção e o sequestro de um Ministro do Supremo Tribunal Federal por militares da FAB e da Marinha (Sargentos e Cabos amotinados), que o conduziram até a Base Aérea de Brasília (o sequestro ocorreu no “Trevo da Sarah” ou em suas proximidades).

O magistrado arbitrariamente detido e criminosamente sequestrado foi o Ministro Victor Nunes Leal, que se dirigia ao Supremo Tribunal Federal para um encontro com o seu então Presidente, o Ministro Lafayette de Andrada!

O Ministro Victor Nunes Leal ficou detido na Base Aérea de Brasília durante uma hora e meia (das 10h00 às 11h30) .

Assim que libertado, retornou à sua residência, para, em seguida, dirigir-se ao STF, onde, em sessão especialmente convocada pelo Ministro Lafayette de Andrada, relatou os fatos que culminaram com sua detenção e sequestro (v. DJU, ed. de 13/09/1963, pgs. 3009/3010).

Pronunciaram-se, em referida sessão plenária, além do seu Presidente, também o Ministro Ribeiro da Costa, o dr. Cândido de Oliveira Neto, Procurador-Geral da República, e o dr. Esdras Gueiros, Presidente do Conselho Seccional da OAB/DF, que censuraram duramente o comportamento criminoso de referidos militares.

O registro dessa sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, realizada no próprio dia do sequestro do Ministro Victor Nunes Leal (12/09/1963), consta de publicação oficial feita no Diário da Justiça da União, de 13 de setembro de 1963, que contém o relato do Ministro Victor Nunes Leal, seguido dos pronunciamentos do PGR e do Conselho Seccional da OAB/DF.

É importante destacar que o Ministro Ribeiro da Costa, em mencionada sessão plenária do STF (12/09/1963), pronunciou discurso que, meses depois, quando houve o ominoso golpe de Estado de 1964, instaurador da ditadura militar que se abateu sobre nosso País e que destruiu a ordem democrática até então vigente, mostrou-se profético, pois, ao defender a decisão da Suprema Corte proferida contra os militares que queriam exercer cargos políticos, afirmou, com inteira razão, que a função institucional das Forças Armadas é outra, e que incentivar (e permitir) o envolvimento de militares com a atividade política poderia fazer com que as Forças Armadas absurdamente culminassem por se sobrepor às leis e à Constituição da República!

DISSE, então, o Ministro Ribeiro da Costa:

“Nessas condições, ao invés de contar o país com Forças Armadas unidas, aptas a agir com a presteza e a energia necessárias em dados momentos, quando a ordem nacional estiver em perigo ou sob ameaça, o que acontecerá, então, é que esses elementos, que são numerosíssimos, e indispensáveis, trarão para o seio das Forças Armadas a cizânia, a divisão, a incompreensão, a indisciplina, pretendendo sobrepor-se, como agora o fizeram, não só às leis e à Constituição, mas aos seus superiores hierárquicos”!

Cabe sempre advertir que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil, cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!

O poder castrense, que NÃO dispõe de atribuição moderadora NEM de função arbitral que lhe permita resolver - como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição - eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática - sob cuja égide vivemos - dissolver-se, esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!

A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas - ADVERTEM os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Pre- sidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) - busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos:

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;

b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;

c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;

d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis]; e

e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

Os fatos hoje noticiados referentes ao alegado envolvimento de altas patentes militares revelam um quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!

Em situações tão graves assim, ressurge fundado temor de que se desenhem na intimidade do aparelho castrense movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (Samuel P. Huntington, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições democráticas!

Impõe-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que pretenda sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituiçōes da República!

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível e ditatorial, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.

Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.

Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Enfim, parece-me haver, entre a detenção e o sequestro, em 1963, perpetrados por militares amotinados contra o Ministro Victor Nunes Leal, do STF, e o noticiado plano, agora revelado, de Oficiais militares de assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa…”

A notícia sobre a prisão de Oficiais do Exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em gravíssimo e sórdido plano sedicioso (e criminoso) que objetivava, no contexto de um pretendido golpe de Estado, assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, permite afirmar, quanto a tal evento, que é a História repetindo-se como “farsa”, para relembrar a frase de Karl Marx, logo no primeiro parágrafo de seu conhecido trabalho “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852)!

MARX, em seu “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, INICIA a sua obra, PROFERINDO, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:

“HEGEL observa (...) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (...)”!

CABE rememorar, bem por isso, neste ponto, evento ocorrido em Brasília, em 12 de setembro de 1963, uma 5a. feira .

Refiro-me ao episódio que ficou conhecido como “A Revolta dos Sargentos” e em cujo contexto sobrevieram a detenção e o sequestro de um Ministro do Supremo Tribunal Federal por militares da FAB e da Marinha (Sargentos e Cabos amotinados), que o conduziram até a Base Aérea de Brasília (o sequestro ocorreu no “Trevo da Sarah” ou em suas proximidades).

O magistrado arbitrariamente detido e criminosamente sequestrado foi o Ministro Victor Nunes Leal, que se dirigia ao Supremo Tribunal Federal para um encontro com o seu então Presidente, o Ministro Lafayette de Andrada!

O Ministro Victor Nunes Leal ficou detido na Base Aérea de Brasília durante uma hora e meia (das 10h00 às 11h30) .

Assim que libertado, retornou à sua residência, para, em seguida, dirigir-se ao STF, onde, em sessão especialmente convocada pelo Ministro Lafayette de Andrada, relatou os fatos que culminaram com sua detenção e sequestro (v. DJU, ed. de 13/09/1963, pgs. 3009/3010).

Pronunciaram-se, em referida sessão plenária, além do seu Presidente, também o Ministro Ribeiro da Costa, o dr. Cândido de Oliveira Neto, Procurador-Geral da República, e o dr. Esdras Gueiros, Presidente do Conselho Seccional da OAB/DF, que censuraram duramente o comportamento criminoso de referidos militares.

O registro dessa sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, realizada no próprio dia do sequestro do Ministro Victor Nunes Leal (12/09/1963), consta de publicação oficial feita no Diário da Justiça da União, de 13 de setembro de 1963, que contém o relato do Ministro Victor Nunes Leal, seguido dos pronunciamentos do PGR e do Conselho Seccional da OAB/DF.

É importante destacar que o Ministro Ribeiro da Costa, em mencionada sessão plenária do STF (12/09/1963), pronunciou discurso que, meses depois, quando houve o ominoso golpe de Estado de 1964, instaurador da ditadura militar que se abateu sobre nosso País e que destruiu a ordem democrática até então vigente, mostrou-se profético, pois, ao defender a decisão da Suprema Corte proferida contra os militares que queriam exercer cargos políticos, afirmou, com inteira razão, que a função institucional das Forças Armadas é outra, e que incentivar (e permitir) o envolvimento de militares com a atividade política poderia fazer com que as Forças Armadas absurdamente culminassem por se sobrepor às leis e à Constituição da República!

DISSE, então, o Ministro Ribeiro da Costa:

“Nessas condições, ao invés de contar o país com Forças Armadas unidas, aptas a agir com a presteza e a energia necessárias em dados momentos, quando a ordem nacional estiver em perigo ou sob ameaça, o que acontecerá, então, é que esses elementos, que são numerosíssimos, e indispensáveis, trarão para o seio das Forças Armadas a cizânia, a divisão, a incompreensão, a indisciplina, pretendendo sobrepor-se, como agora o fizeram, não só às leis e à Constituição, mas aos seus superiores hierárquicos”!

Cabe sempre advertir que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil, cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!

O poder castrense, que NÃO dispõe de atribuição moderadora NEM de função arbitral que lhe permita resolver - como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição - eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática - sob cuja égide vivemos - dissolver-se, esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!

A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas - ADVERTEM os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Pre- sidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) - busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos:

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;

b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;

c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;

d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis]; e

e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

Os fatos hoje noticiados referentes ao alegado envolvimento de altas patentes militares revelam um quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!

Em situações tão graves assim, ressurge fundado temor de que se desenhem na intimidade do aparelho castrense movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (Samuel P. Huntington, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições democráticas!

Impõe-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que pretenda sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituiçōes da República!

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível e ditatorial, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.

Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.

Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Enfim, parece-me haver, entre a detenção e o sequestro, em 1963, perpetrados por militares amotinados contra o Ministro Victor Nunes Leal, do STF, e o noticiado plano, agora revelado, de Oficiais militares de assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa…”

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