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Opinião|Pode o BC ter autonomia orçamentária, financeira e administrativa sendo uma autarquia?


Espera-se que Governo e Senado consigam juntos desenhar uma “PEC do Consenso” que conceda de fato autonomia para o BC nas suas três dimensões: orçamentária, financeira e administrativa. O Brasil precisa encerrar de uma vez por todas o ciclo de reforma iniciado com a Lei Complementar nº 179

Por Natacha Gadelha Rocha e Fabiana Amaral Carvalho

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65, de 2023, que busca conceder autonomia orçamentária, financeira e administrativa ao Banco Central do Brasil (BC), tem avançado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Apesar de resistências iniciais, na semana passada, o Governo sinalizou que não é contra a autonomia e que vai apresentar solução alternativa que não transforme o BC em empresa pública.

O Governo ainda não apresentou os contornos teóricos da alternativa que pretende defender. Mas cabem, desde já, algumas ponderações, considerando o arcabouço legal e a experiência administrativa no País.

O primeiro aspecto é que “autarquia”, embora signifique “comandar a si mesmo” ou “ente autônomo”, não possui essas características no Direito brasileiro, tanto que a Lei Complementar nº 179, de 2021, precisou afastar o BC do modelo padrão das autarquias para impor regime especial com autonomia operacional e ausência de vinculação a Ministérios e tentou, sem sucesso, implementar autonomia financeira e administrativa.

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E a autonomia orçamentária e financeira?

Hoje, segundo a Constituição, todas as autarquias federais integram o Orçamento Geral da União (OGU) e precisam ter sua previsão de receitas e despesas previamente aprovada pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional, nas leis orçamentárias.

O orçamento aprovado é muitas vezes inferior ao solicitado e a execução de seu orçamento está sujeita a frequentes contingenciamentos, e mesmo as entidades que possuem arrecadação própria (receitas oriundas de taxas, tarifas ou multas aplicadas) estão proibidas de usar os recursos próprios para custear suas despesas.

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No caso do BC, a situação é ainda mais dramática, porque o BC possui receitas próprias decorrentes de sua atuação como Autoridade Monetária que são mais do que suficientes para custear suas despesas, sem onerar o governo federal nem concorrer com os demais órgãos e entidades federais.

E ainda há uma particularidade: como o BC não pode usar a Conta Única do Tesouro (que é um passivo do BC e não uma fonte de recursos, como ocorre com o resto do governo), é obrigado a guardar as receitas arrecadas durante o exercício até a apuração de seu balanço e, quando há lucro, transfere esse resultado ao governo, que, por sua vez, só pode usá-lo para abater a dívida pública, mas não para o custeio da máquina pública.

Ao longo das últimas décadas, diversas alternativas foram tentadas para solucionar esse impasse, mas todas falharam, pelas mais diversas razões. Vale rememorá-las:

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a) utilização das receitas próprias para custeio administrativo, o que não foi aceito pelo governo e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por ser o BC uma autarquia e ter que seguir o regime de suas congêneres, mesmo não sendo aplicável ao BC a Lei nº 4.320, de 1964, e o regime da Conta Única (art. 4º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 2001);

b) criação de fundo específico de livre movimentação, previsto na Medida Provisória nº 784, de 2017, mas não acolhido na Lei nº 13.506, de 2017, ao argumento de que se criaria um regime distinto das demais autarquias;

c) criação de taxa de fiscalização, proposta que nem sequer foi submetida ao Congresso Nacional pelo governo.

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Vale ressaltar que mesmo a criação de um fundo ou de uma taxa de fiscalização não seriam suficientes para atribuir autonomia orçamentária ao BC, diante da vedação geral às autarquias de utilização de receitas próprias. Tais recursos adicionais comporiam o OGU como os demais.

Eventual proposta de proibição de contingenciamento dos recursos do BC tampouco seria solução viável,

porque, na realidade, a dotação orçamentária dada ao BC mesmo sem contingenciamento é cerca de metade do que era há 10 anos, sendo claramente insuficiente para dar conta de todas as atribuições da entidade, que só têm aumentado, com novas entregas à sociedade, à exemplo do Pix, e múltiplas competências adicionais, em especial nos mercados de pagamentos, de câmbio e de ativos virtuais.

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E a autonomia administrativa?

Tão importante e tão difícil de ser alcançada quanto a autonomia orçamentária e financeira é a autonomia administrativa. É sabido que o quadro de servidores do BC teve um decréscimo de 30%, muito embora o número de servidores públicos federais do Poder Executivo tenha aumentado em 12% e o quadro de bancos centrais como o da Alemanha, França e Reino Unido seja 5 vezes maior em termos per capita.

Autarquias não podem criar e extinguir seus cargos e serviços auxiliares, tampouco os prover por concurso público, nem determinar a política remuneratória e os planos de carreira. Conceder essa competência para uma autarquia poderia criar um impasse para o governo, que veria centenas de autarquias pleiteando solução semelhante.

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Dado esse conjunto de óbices legais, travas burocráticas e insucessos recentes, não parece crível que exista solução viável para a autonomia orçamentária e administrativa do BC como autarquia.

Espera-se que Governo e Senado consigam juntos desenhar uma “PEC do Consenso” que conceda de fato autonomia para o BC nas suas três dimensões: orçamentária, financeira e administrativa. O Brasil precisa encerrar de uma vez por todas o ciclo de reforma iniciado com a Lei Complementar nº 179.

Um BC autônomo controla a inflação (preserva o valor do dinheiro e mantém o poder de compra da moeda) com um menor custo, reduzindo assim os juros estruturais. Além disso, permite a inclusão de mais brasileiros no sistema financeiro ao criar ferramentas inovadoras e benéficas para a população, como o Pix. Tem também melhores condições de supervisionar as instituições financeiras, garantindo um sistema financeiro sólido e capaz de atender às necessidades dos cidadãos. A proposta é ainda uma forma de o Banco Central do Brasil estar alinhado às melhores práticas internacionais, assegurando uma gestão eficiente e independente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65, de 2023, que busca conceder autonomia orçamentária, financeira e administrativa ao Banco Central do Brasil (BC), tem avançado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Apesar de resistências iniciais, na semana passada, o Governo sinalizou que não é contra a autonomia e que vai apresentar solução alternativa que não transforme o BC em empresa pública.

O Governo ainda não apresentou os contornos teóricos da alternativa que pretende defender. Mas cabem, desde já, algumas ponderações, considerando o arcabouço legal e a experiência administrativa no País.

O primeiro aspecto é que “autarquia”, embora signifique “comandar a si mesmo” ou “ente autônomo”, não possui essas características no Direito brasileiro, tanto que a Lei Complementar nº 179, de 2021, precisou afastar o BC do modelo padrão das autarquias para impor regime especial com autonomia operacional e ausência de vinculação a Ministérios e tentou, sem sucesso, implementar autonomia financeira e administrativa.

E a autonomia orçamentária e financeira?

Hoje, segundo a Constituição, todas as autarquias federais integram o Orçamento Geral da União (OGU) e precisam ter sua previsão de receitas e despesas previamente aprovada pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional, nas leis orçamentárias.

O orçamento aprovado é muitas vezes inferior ao solicitado e a execução de seu orçamento está sujeita a frequentes contingenciamentos, e mesmo as entidades que possuem arrecadação própria (receitas oriundas de taxas, tarifas ou multas aplicadas) estão proibidas de usar os recursos próprios para custear suas despesas.

No caso do BC, a situação é ainda mais dramática, porque o BC possui receitas próprias decorrentes de sua atuação como Autoridade Monetária que são mais do que suficientes para custear suas despesas, sem onerar o governo federal nem concorrer com os demais órgãos e entidades federais.

E ainda há uma particularidade: como o BC não pode usar a Conta Única do Tesouro (que é um passivo do BC e não uma fonte de recursos, como ocorre com o resto do governo), é obrigado a guardar as receitas arrecadas durante o exercício até a apuração de seu balanço e, quando há lucro, transfere esse resultado ao governo, que, por sua vez, só pode usá-lo para abater a dívida pública, mas não para o custeio da máquina pública.

Ao longo das últimas décadas, diversas alternativas foram tentadas para solucionar esse impasse, mas todas falharam, pelas mais diversas razões. Vale rememorá-las:

a) utilização das receitas próprias para custeio administrativo, o que não foi aceito pelo governo e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por ser o BC uma autarquia e ter que seguir o regime de suas congêneres, mesmo não sendo aplicável ao BC a Lei nº 4.320, de 1964, e o regime da Conta Única (art. 4º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 2001);

b) criação de fundo específico de livre movimentação, previsto na Medida Provisória nº 784, de 2017, mas não acolhido na Lei nº 13.506, de 2017, ao argumento de que se criaria um regime distinto das demais autarquias;

c) criação de taxa de fiscalização, proposta que nem sequer foi submetida ao Congresso Nacional pelo governo.

Vale ressaltar que mesmo a criação de um fundo ou de uma taxa de fiscalização não seriam suficientes para atribuir autonomia orçamentária ao BC, diante da vedação geral às autarquias de utilização de receitas próprias. Tais recursos adicionais comporiam o OGU como os demais.

Eventual proposta de proibição de contingenciamento dos recursos do BC tampouco seria solução viável,

porque, na realidade, a dotação orçamentária dada ao BC mesmo sem contingenciamento é cerca de metade do que era há 10 anos, sendo claramente insuficiente para dar conta de todas as atribuições da entidade, que só têm aumentado, com novas entregas à sociedade, à exemplo do Pix, e múltiplas competências adicionais, em especial nos mercados de pagamentos, de câmbio e de ativos virtuais.

E a autonomia administrativa?

Tão importante e tão difícil de ser alcançada quanto a autonomia orçamentária e financeira é a autonomia administrativa. É sabido que o quadro de servidores do BC teve um decréscimo de 30%, muito embora o número de servidores públicos federais do Poder Executivo tenha aumentado em 12% e o quadro de bancos centrais como o da Alemanha, França e Reino Unido seja 5 vezes maior em termos per capita.

Autarquias não podem criar e extinguir seus cargos e serviços auxiliares, tampouco os prover por concurso público, nem determinar a política remuneratória e os planos de carreira. Conceder essa competência para uma autarquia poderia criar um impasse para o governo, que veria centenas de autarquias pleiteando solução semelhante.

Dado esse conjunto de óbices legais, travas burocráticas e insucessos recentes, não parece crível que exista solução viável para a autonomia orçamentária e administrativa do BC como autarquia.

Espera-se que Governo e Senado consigam juntos desenhar uma “PEC do Consenso” que conceda de fato autonomia para o BC nas suas três dimensões: orçamentária, financeira e administrativa. O Brasil precisa encerrar de uma vez por todas o ciclo de reforma iniciado com a Lei Complementar nº 179.

Um BC autônomo controla a inflação (preserva o valor do dinheiro e mantém o poder de compra da moeda) com um menor custo, reduzindo assim os juros estruturais. Além disso, permite a inclusão de mais brasileiros no sistema financeiro ao criar ferramentas inovadoras e benéficas para a população, como o Pix. Tem também melhores condições de supervisionar as instituições financeiras, garantindo um sistema financeiro sólido e capaz de atender às necessidades dos cidadãos. A proposta é ainda uma forma de o Banco Central do Brasil estar alinhado às melhores práticas internacionais, assegurando uma gestão eficiente e independente.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65, de 2023, que busca conceder autonomia orçamentária, financeira e administrativa ao Banco Central do Brasil (BC), tem avançado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Apesar de resistências iniciais, na semana passada, o Governo sinalizou que não é contra a autonomia e que vai apresentar solução alternativa que não transforme o BC em empresa pública.

O Governo ainda não apresentou os contornos teóricos da alternativa que pretende defender. Mas cabem, desde já, algumas ponderações, considerando o arcabouço legal e a experiência administrativa no País.

O primeiro aspecto é que “autarquia”, embora signifique “comandar a si mesmo” ou “ente autônomo”, não possui essas características no Direito brasileiro, tanto que a Lei Complementar nº 179, de 2021, precisou afastar o BC do modelo padrão das autarquias para impor regime especial com autonomia operacional e ausência de vinculação a Ministérios e tentou, sem sucesso, implementar autonomia financeira e administrativa.

E a autonomia orçamentária e financeira?

Hoje, segundo a Constituição, todas as autarquias federais integram o Orçamento Geral da União (OGU) e precisam ter sua previsão de receitas e despesas previamente aprovada pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional, nas leis orçamentárias.

O orçamento aprovado é muitas vezes inferior ao solicitado e a execução de seu orçamento está sujeita a frequentes contingenciamentos, e mesmo as entidades que possuem arrecadação própria (receitas oriundas de taxas, tarifas ou multas aplicadas) estão proibidas de usar os recursos próprios para custear suas despesas.

No caso do BC, a situação é ainda mais dramática, porque o BC possui receitas próprias decorrentes de sua atuação como Autoridade Monetária que são mais do que suficientes para custear suas despesas, sem onerar o governo federal nem concorrer com os demais órgãos e entidades federais.

E ainda há uma particularidade: como o BC não pode usar a Conta Única do Tesouro (que é um passivo do BC e não uma fonte de recursos, como ocorre com o resto do governo), é obrigado a guardar as receitas arrecadas durante o exercício até a apuração de seu balanço e, quando há lucro, transfere esse resultado ao governo, que, por sua vez, só pode usá-lo para abater a dívida pública, mas não para o custeio da máquina pública.

Ao longo das últimas décadas, diversas alternativas foram tentadas para solucionar esse impasse, mas todas falharam, pelas mais diversas razões. Vale rememorá-las:

a) utilização das receitas próprias para custeio administrativo, o que não foi aceito pelo governo e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por ser o BC uma autarquia e ter que seguir o regime de suas congêneres, mesmo não sendo aplicável ao BC a Lei nº 4.320, de 1964, e o regime da Conta Única (art. 4º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 2001);

b) criação de fundo específico de livre movimentação, previsto na Medida Provisória nº 784, de 2017, mas não acolhido na Lei nº 13.506, de 2017, ao argumento de que se criaria um regime distinto das demais autarquias;

c) criação de taxa de fiscalização, proposta que nem sequer foi submetida ao Congresso Nacional pelo governo.

Vale ressaltar que mesmo a criação de um fundo ou de uma taxa de fiscalização não seriam suficientes para atribuir autonomia orçamentária ao BC, diante da vedação geral às autarquias de utilização de receitas próprias. Tais recursos adicionais comporiam o OGU como os demais.

Eventual proposta de proibição de contingenciamento dos recursos do BC tampouco seria solução viável,

porque, na realidade, a dotação orçamentária dada ao BC mesmo sem contingenciamento é cerca de metade do que era há 10 anos, sendo claramente insuficiente para dar conta de todas as atribuições da entidade, que só têm aumentado, com novas entregas à sociedade, à exemplo do Pix, e múltiplas competências adicionais, em especial nos mercados de pagamentos, de câmbio e de ativos virtuais.

E a autonomia administrativa?

Tão importante e tão difícil de ser alcançada quanto a autonomia orçamentária e financeira é a autonomia administrativa. É sabido que o quadro de servidores do BC teve um decréscimo de 30%, muito embora o número de servidores públicos federais do Poder Executivo tenha aumentado em 12% e o quadro de bancos centrais como o da Alemanha, França e Reino Unido seja 5 vezes maior em termos per capita.

Autarquias não podem criar e extinguir seus cargos e serviços auxiliares, tampouco os prover por concurso público, nem determinar a política remuneratória e os planos de carreira. Conceder essa competência para uma autarquia poderia criar um impasse para o governo, que veria centenas de autarquias pleiteando solução semelhante.

Dado esse conjunto de óbices legais, travas burocráticas e insucessos recentes, não parece crível que exista solução viável para a autonomia orçamentária e administrativa do BC como autarquia.

Espera-se que Governo e Senado consigam juntos desenhar uma “PEC do Consenso” que conceda de fato autonomia para o BC nas suas três dimensões: orçamentária, financeira e administrativa. O Brasil precisa encerrar de uma vez por todas o ciclo de reforma iniciado com a Lei Complementar nº 179.

Um BC autônomo controla a inflação (preserva o valor do dinheiro e mantém o poder de compra da moeda) com um menor custo, reduzindo assim os juros estruturais. Além disso, permite a inclusão de mais brasileiros no sistema financeiro ao criar ferramentas inovadoras e benéficas para a população, como o Pix. Tem também melhores condições de supervisionar as instituições financeiras, garantindo um sistema financeiro sólido e capaz de atender às necessidades dos cidadãos. A proposta é ainda uma forma de o Banco Central do Brasil estar alinhado às melhores práticas internacionais, assegurando uma gestão eficiente e independente.

Opinião por Natacha Gadelha Rocha
Fabiana Amaral Carvalho

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