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Poder do MP para fechar acordos de leniência na Lava Jato ‘produziu um monstro’, diz Gilmar


Decano do Supremo avalia que Ministério Público ficou em ‘uma posição super privilegiada’ ao assumir negociação sobre pactos com empresários investigados por corrupção na Petrobras que, segundo ministro, em entrevista ao portal Brazil Journal, ficaram ‘com medo da prisão’; argumento de ‘coação’ levou Dias Toffoli a suspender R$ 14,1 bilhões de multas da Odebrecht e da J&F, em decisão contestada pela PGR

Por Rubens Anater

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que o poder que o Ministério Público obteve ao assumir a costura de acordos de leniência com empresários investigados na Operação Lava Jato “produziu, na verdade, um monstro”. O ministro afirma que a lei prevê que tais ajustes seriam de responsabilidade da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), mas que durante a Lava Jato, o MP entendeu que também teria essa atribuição.

“Isso dá ao MP uma posição super privilegiada. Se o empresário faz acordo de leniência lá em Curitiba, sede da Lava Jato, ele o faz com medo, inclusive, da prisão”, disse Gilmar, em entrevista ao portal Brazil Journal.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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O argumento de que os empresários investigados na Lava Jato por corrupção na Petrobras, entre 2003 e 2014,  fecharam acordos de leniência com o Ministério Público por “coação” está na base dos pedidos das empresas por revisão dos processos.

Entre o fim de 2023 e o início deste ano, o ministro Dias Toffoli acolheu pedidos dessa ordem e, sob o argumento de que houve “falta de voluntariedade” dos investigados, suspendeu um total de R$ 14,1 bilhões em multas dos ajustes firmados pelas empresas Novonor (antiga Odebrecht) e J&F. Em recursos ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) discorda desse argumento (leia mais abaixo).

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A primeira paralisação de pagamentos foi em dezembro de 2023, quando Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F. Esse valor ainda deveria ser corrigido no decorrer do pagamento de acordo com o índice IPCA. A empresa pediu a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias” enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que envolvem mensagens entre envolvidos na força-tarefa da Lava Jato que criaram suspeitas sobre a lisura da operação. O grupo pretende usar o material para pedir a revisão da leniência e defende que é preciso “corrigir abusos”.

Já em 1º de fevereiro, o ministro atendeu a um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu o ministro, e suspendeu o pagamento da multa estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões.

Gilmar é o primeiro ministro do STF depois de Toffoli a se manifestar positivamente sobre a suspensão dos acordos. Na entrevista, diz que o colega de STF, André Mendonça relatou à Corte que, quando atuava na CGU, foi a Curitiba para tentar saber quais eram os critérios adotados para calcular as indenizações. “A resposta que ele ouviu foi: ‘O critério é o seguinte: a gente pede um valor e eles (empresários) aceitam’. Quer dizer, eles aceitam com medo da prisão. Acho que é isso que está levando a debate hoje a racionalidade de tudo isso.”

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O ministro diz ainda que “muito provavelmente, mantidos os valores, as empresas não poderão pagar” as multas previstas.

PGR diz não haver provas de coação nos acordos de leniência

A Procuradoria-Geral da República se coloca em oposição à análise de Gilmar. Em recursos contra as decisões de Toffoli, o procurador-geral Paulo Gonet afirma não haver provas de coação nos casos, apenas “ilações e conjecturas abstratas”.

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“A presunção de que goza todo o negócio jurídico é o da sua validade”, reforça Gonet, no recurso sobre a suspensão da multa da Odebrecht. “É óbvio que o particular estará sempre numa posição de pressão. Seria ingênuo supor que alguma grande empresa se apresentaria ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência se não percebesse a probabilidade de sofrer danos intensos aos seus interesses se optasse por não colaborar.”

Outro argumento apontado no recurso da PGR sobre a suspensão da multa bilionária da J&F é que a decisão pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.

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Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total de R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos, então, representa um “vultoso prejuízo”, como definiu o procurador-geral.

Em entrevista ao Estadãoo jurista Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), considera que a justificativa de que há dúvida sobre a voluntariedade das empresas nos acordos de leniência é “forçado”.

“Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer. É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar”, pondera.

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Audiência de conciliação vai discutir interrupção de acordos de leniência da Lava Jato

A questão de quem poderia, de fato, celebrar acordos de leniência foi pacificada em agosto de 2020, quando órgãos do poder público firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que padroniza o modelo, com a CGU e a AGU como responsáveis por conduzir tanto a negociação quanto a assinatura dos atos.

Os acordos da Lava Jato fechados pelo Ministério Público, no entanto, ocorreram antes desse marco.

Na próxima segunda, 26, o ministro André Mendonça receberá empresários, representantes de órgãos públicos e de partidos para uma audiência de conciliação, com o objetivo de discutir uma ação proposta pelo Solidariedade, PSOL e PCdoB que pede a suspensão liminar de todos os acordos de leniência da Operação Lava Jato firmados antes do ACT de 2020.

Os partidos argumentam que durante a Operação Lava Jato, órgãos de persecução penal promoveram ‘a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional”. Dizem ainda que os acordos foram firmados sob coação e que eles violam preceitos fundamentais.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que o poder que o Ministério Público obteve ao assumir a costura de acordos de leniência com empresários investigados na Operação Lava Jato “produziu, na verdade, um monstro”. O ministro afirma que a lei prevê que tais ajustes seriam de responsabilidade da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), mas que durante a Lava Jato, o MP entendeu que também teria essa atribuição.

“Isso dá ao MP uma posição super privilegiada. Se o empresário faz acordo de leniência lá em Curitiba, sede da Lava Jato, ele o faz com medo, inclusive, da prisão”, disse Gilmar, em entrevista ao portal Brazil Journal.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O argumento de que os empresários investigados na Lava Jato por corrupção na Petrobras, entre 2003 e 2014,  fecharam acordos de leniência com o Ministério Público por “coação” está na base dos pedidos das empresas por revisão dos processos.

Entre o fim de 2023 e o início deste ano, o ministro Dias Toffoli acolheu pedidos dessa ordem e, sob o argumento de que houve “falta de voluntariedade” dos investigados, suspendeu um total de R$ 14,1 bilhões em multas dos ajustes firmados pelas empresas Novonor (antiga Odebrecht) e J&F. Em recursos ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) discorda desse argumento (leia mais abaixo).

A primeira paralisação de pagamentos foi em dezembro de 2023, quando Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F. Esse valor ainda deveria ser corrigido no decorrer do pagamento de acordo com o índice IPCA. A empresa pediu a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias” enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que envolvem mensagens entre envolvidos na força-tarefa da Lava Jato que criaram suspeitas sobre a lisura da operação. O grupo pretende usar o material para pedir a revisão da leniência e defende que é preciso “corrigir abusos”.

Já em 1º de fevereiro, o ministro atendeu a um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu o ministro, e suspendeu o pagamento da multa estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões.

Gilmar é o primeiro ministro do STF depois de Toffoli a se manifestar positivamente sobre a suspensão dos acordos. Na entrevista, diz que o colega de STF, André Mendonça relatou à Corte que, quando atuava na CGU, foi a Curitiba para tentar saber quais eram os critérios adotados para calcular as indenizações. “A resposta que ele ouviu foi: ‘O critério é o seguinte: a gente pede um valor e eles (empresários) aceitam’. Quer dizer, eles aceitam com medo da prisão. Acho que é isso que está levando a debate hoje a racionalidade de tudo isso.”

O ministro diz ainda que “muito provavelmente, mantidos os valores, as empresas não poderão pagar” as multas previstas.

PGR diz não haver provas de coação nos acordos de leniência

A Procuradoria-Geral da República se coloca em oposição à análise de Gilmar. Em recursos contra as decisões de Toffoli, o procurador-geral Paulo Gonet afirma não haver provas de coação nos casos, apenas “ilações e conjecturas abstratas”.

“A presunção de que goza todo o negócio jurídico é o da sua validade”, reforça Gonet, no recurso sobre a suspensão da multa da Odebrecht. “É óbvio que o particular estará sempre numa posição de pressão. Seria ingênuo supor que alguma grande empresa se apresentaria ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência se não percebesse a probabilidade de sofrer danos intensos aos seus interesses se optasse por não colaborar.”

Outro argumento apontado no recurso da PGR sobre a suspensão da multa bilionária da J&F é que a decisão pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.

Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total de R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos, então, representa um “vultoso prejuízo”, como definiu o procurador-geral.

Em entrevista ao Estadãoo jurista Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), considera que a justificativa de que há dúvida sobre a voluntariedade das empresas nos acordos de leniência é “forçado”.

“Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer. É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar”, pondera.

Audiência de conciliação vai discutir interrupção de acordos de leniência da Lava Jato

A questão de quem poderia, de fato, celebrar acordos de leniência foi pacificada em agosto de 2020, quando órgãos do poder público firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que padroniza o modelo, com a CGU e a AGU como responsáveis por conduzir tanto a negociação quanto a assinatura dos atos.

Os acordos da Lava Jato fechados pelo Ministério Público, no entanto, ocorreram antes desse marco.

Na próxima segunda, 26, o ministro André Mendonça receberá empresários, representantes de órgãos públicos e de partidos para uma audiência de conciliação, com o objetivo de discutir uma ação proposta pelo Solidariedade, PSOL e PCdoB que pede a suspensão liminar de todos os acordos de leniência da Operação Lava Jato firmados antes do ACT de 2020.

Os partidos argumentam que durante a Operação Lava Jato, órgãos de persecução penal promoveram ‘a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional”. Dizem ainda que os acordos foram firmados sob coação e que eles violam preceitos fundamentais.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que o poder que o Ministério Público obteve ao assumir a costura de acordos de leniência com empresários investigados na Operação Lava Jato “produziu, na verdade, um monstro”. O ministro afirma que a lei prevê que tais ajustes seriam de responsabilidade da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), mas que durante a Lava Jato, o MP entendeu que também teria essa atribuição.

“Isso dá ao MP uma posição super privilegiada. Se o empresário faz acordo de leniência lá em Curitiba, sede da Lava Jato, ele o faz com medo, inclusive, da prisão”, disse Gilmar, em entrevista ao portal Brazil Journal.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O argumento de que os empresários investigados na Lava Jato por corrupção na Petrobras, entre 2003 e 2014,  fecharam acordos de leniência com o Ministério Público por “coação” está na base dos pedidos das empresas por revisão dos processos.

Entre o fim de 2023 e o início deste ano, o ministro Dias Toffoli acolheu pedidos dessa ordem e, sob o argumento de que houve “falta de voluntariedade” dos investigados, suspendeu um total de R$ 14,1 bilhões em multas dos ajustes firmados pelas empresas Novonor (antiga Odebrecht) e J&F. Em recursos ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) discorda desse argumento (leia mais abaixo).

A primeira paralisação de pagamentos foi em dezembro de 2023, quando Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F. Esse valor ainda deveria ser corrigido no decorrer do pagamento de acordo com o índice IPCA. A empresa pediu a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias” enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que envolvem mensagens entre envolvidos na força-tarefa da Lava Jato que criaram suspeitas sobre a lisura da operação. O grupo pretende usar o material para pedir a revisão da leniência e defende que é preciso “corrigir abusos”.

Já em 1º de fevereiro, o ministro atendeu a um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu o ministro, e suspendeu o pagamento da multa estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões.

Gilmar é o primeiro ministro do STF depois de Toffoli a se manifestar positivamente sobre a suspensão dos acordos. Na entrevista, diz que o colega de STF, André Mendonça relatou à Corte que, quando atuava na CGU, foi a Curitiba para tentar saber quais eram os critérios adotados para calcular as indenizações. “A resposta que ele ouviu foi: ‘O critério é o seguinte: a gente pede um valor e eles (empresários) aceitam’. Quer dizer, eles aceitam com medo da prisão. Acho que é isso que está levando a debate hoje a racionalidade de tudo isso.”

O ministro diz ainda que “muito provavelmente, mantidos os valores, as empresas não poderão pagar” as multas previstas.

PGR diz não haver provas de coação nos acordos de leniência

A Procuradoria-Geral da República se coloca em oposição à análise de Gilmar. Em recursos contra as decisões de Toffoli, o procurador-geral Paulo Gonet afirma não haver provas de coação nos casos, apenas “ilações e conjecturas abstratas”.

“A presunção de que goza todo o negócio jurídico é o da sua validade”, reforça Gonet, no recurso sobre a suspensão da multa da Odebrecht. “É óbvio que o particular estará sempre numa posição de pressão. Seria ingênuo supor que alguma grande empresa se apresentaria ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência se não percebesse a probabilidade de sofrer danos intensos aos seus interesses se optasse por não colaborar.”

Outro argumento apontado no recurso da PGR sobre a suspensão da multa bilionária da J&F é que a decisão pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.

Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total de R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos, então, representa um “vultoso prejuízo”, como definiu o procurador-geral.

Em entrevista ao Estadãoo jurista Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), considera que a justificativa de que há dúvida sobre a voluntariedade das empresas nos acordos de leniência é “forçado”.

“Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer. É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar”, pondera.

Audiência de conciliação vai discutir interrupção de acordos de leniência da Lava Jato

A questão de quem poderia, de fato, celebrar acordos de leniência foi pacificada em agosto de 2020, quando órgãos do poder público firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que padroniza o modelo, com a CGU e a AGU como responsáveis por conduzir tanto a negociação quanto a assinatura dos atos.

Os acordos da Lava Jato fechados pelo Ministério Público, no entanto, ocorreram antes desse marco.

Na próxima segunda, 26, o ministro André Mendonça receberá empresários, representantes de órgãos públicos e de partidos para uma audiência de conciliação, com o objetivo de discutir uma ação proposta pelo Solidariedade, PSOL e PCdoB que pede a suspensão liminar de todos os acordos de leniência da Operação Lava Jato firmados antes do ACT de 2020.

Os partidos argumentam que durante a Operação Lava Jato, órgãos de persecução penal promoveram ‘a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional”. Dizem ainda que os acordos foram firmados sob coação e que eles violam preceitos fundamentais.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), considera que o poder que o Ministério Público obteve ao assumir a costura de acordos de leniência com empresários investigados na Operação Lava Jato “produziu, na verdade, um monstro”. O ministro afirma que a lei prevê que tais ajustes seriam de responsabilidade da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), mas que durante a Lava Jato, o MP entendeu que também teria essa atribuição.

“Isso dá ao MP uma posição super privilegiada. Se o empresário faz acordo de leniência lá em Curitiba, sede da Lava Jato, ele o faz com medo, inclusive, da prisão”, disse Gilmar, em entrevista ao portal Brazil Journal.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O argumento de que os empresários investigados na Lava Jato por corrupção na Petrobras, entre 2003 e 2014,  fecharam acordos de leniência com o Ministério Público por “coação” está na base dos pedidos das empresas por revisão dos processos.

Entre o fim de 2023 e o início deste ano, o ministro Dias Toffoli acolheu pedidos dessa ordem e, sob o argumento de que houve “falta de voluntariedade” dos investigados, suspendeu um total de R$ 14,1 bilhões em multas dos ajustes firmados pelas empresas Novonor (antiga Odebrecht) e J&F. Em recursos ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) discorda desse argumento (leia mais abaixo).

A primeira paralisação de pagamentos foi em dezembro de 2023, quando Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F. Esse valor ainda deveria ser corrigido no decorrer do pagamento de acordo com o índice IPCA. A empresa pediu a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias” enquanto analisa os documentos da Operação Spoofing, que envolvem mensagens entre envolvidos na força-tarefa da Lava Jato que criaram suspeitas sobre a lisura da operação. O grupo pretende usar o material para pedir a revisão da leniência e defende que é preciso “corrigir abusos”.

Já em 1º de fevereiro, o ministro atendeu a um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu o ministro, e suspendeu o pagamento da multa estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões.

Gilmar é o primeiro ministro do STF depois de Toffoli a se manifestar positivamente sobre a suspensão dos acordos. Na entrevista, diz que o colega de STF, André Mendonça relatou à Corte que, quando atuava na CGU, foi a Curitiba para tentar saber quais eram os critérios adotados para calcular as indenizações. “A resposta que ele ouviu foi: ‘O critério é o seguinte: a gente pede um valor e eles (empresários) aceitam’. Quer dizer, eles aceitam com medo da prisão. Acho que é isso que está levando a debate hoje a racionalidade de tudo isso.”

O ministro diz ainda que “muito provavelmente, mantidos os valores, as empresas não poderão pagar” as multas previstas.

PGR diz não haver provas de coação nos acordos de leniência

A Procuradoria-Geral da República se coloca em oposição à análise de Gilmar. Em recursos contra as decisões de Toffoli, o procurador-geral Paulo Gonet afirma não haver provas de coação nos casos, apenas “ilações e conjecturas abstratas”.

“A presunção de que goza todo o negócio jurídico é o da sua validade”, reforça Gonet, no recurso sobre a suspensão da multa da Odebrecht. “É óbvio que o particular estará sempre numa posição de pressão. Seria ingênuo supor que alguma grande empresa se apresentaria ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência se não percebesse a probabilidade de sofrer danos intensos aos seus interesses se optasse por não colaborar.”

Outro argumento apontado no recurso da PGR sobre a suspensão da multa bilionária da J&F é que a decisão pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.

Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total de R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos, então, representa um “vultoso prejuízo”, como definiu o procurador-geral.

Em entrevista ao Estadãoo jurista Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), considera que a justificativa de que há dúvida sobre a voluntariedade das empresas nos acordos de leniência é “forçado”.

“Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer. É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar”, pondera.

Audiência de conciliação vai discutir interrupção de acordos de leniência da Lava Jato

A questão de quem poderia, de fato, celebrar acordos de leniência foi pacificada em agosto de 2020, quando órgãos do poder público firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que padroniza o modelo, com a CGU e a AGU como responsáveis por conduzir tanto a negociação quanto a assinatura dos atos.

Os acordos da Lava Jato fechados pelo Ministério Público, no entanto, ocorreram antes desse marco.

Na próxima segunda, 26, o ministro André Mendonça receberá empresários, representantes de órgãos públicos e de partidos para uma audiência de conciliação, com o objetivo de discutir uma ação proposta pelo Solidariedade, PSOL e PCdoB que pede a suspensão liminar de todos os acordos de leniência da Operação Lava Jato firmados antes do ACT de 2020.

Os partidos argumentam que durante a Operação Lava Jato, órgãos de persecução penal promoveram ‘a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional”. Dizem ainda que os acordos foram firmados sob coação e que eles violam preceitos fundamentais.

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