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Política fiscal e mecanismos de limitação do Estado


Por Caio César Vioto de Andrade
Caio César Vioto de Andrade. Foto: Inac/Divulgação

Ao levarmos em conta os paradigmas da democracia liberal, devemos considerar não apenas as instituições propriamente políticas e jurídicas de limitação do poder do Estado, como a competição política, a alternância de poder e a divisão entre os poderes, sob a égide de uma Constituição. No âmbito econômico e administrativo também é necessária a observância de alguns princípios, afinal, para que o Estado funcione, ou seja, promova políticas públicas, é necessário dispor de recursos. Especialmente a partir da segunda metade do século XX, os países considerados desenvolvidos construíram suas instituições fiscais e monetárias, a fim de dar maior sustentabilidade ao Estado e às políticas públicas.

Entre os mecanismos fiscais, podemos citar o equilíbrio do orçamento, evitando a explosão da dívida pública. Diante de demandas sociais cada vez maiores, cabe aos governos estabelecerem prioridades. Sendo assim, especialmente nas últimas três ou quatro décadas, os países com democracia consolidada, em geral, optaram por direcionar a maioria dos recursos à saúde, educação e segurança pública, além da seguridade social, que abarca tanto a previdência social quanto as políticas focalizadas de distribuição de renda. Muitos países latino-americanos, no entanto, dispondo de menos recursos e de menos equilíbrio orçamentário, continuaram a insistir em políticas setoriais, com vistas à aceleração do desenvolvimento econômico. Em geral, além de não terem alcançado o objetivo de desenvolvimento nacional, esses recursos acabaram sendo desperdiçados atendendo a lobbies de empresas e setores próximos aos governos. Da mesma forma, a escassez de recursos também fez com que não conseguissem atender adequadamente as demandas sociais, embora tenha ocorrido alguns avanços.

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No Brasil atual, após o desastre do governo Bolsonaro, o debate público se deslocou imediatamente para a política econômica do governo Lula III. Desde o processo eleitoral, pairavam muitas dúvidas sobre qual seria a postura do "novo" governo. Por um lado, havia o apoio do centro democrático e de economistas de orientação ortodoxa. Por outro, havia toda a tradição do PT e da economia heterodoxa, que preconizam a aceleração do desenvolvimento econômico via indução do Estado, especialmente através de subsídios e proteções setoriais.

Desde a campanha eleitoral, cobrava-se do candidato que chegou à presidência o anúncio de um "arcabouço fiscal", que detalhasse como o governo pretendia gerir o orçamento, tendo em vista o excessivo endividamento público e suas consequências, como os juros altos. No entanto, em seu programa de governo, Lula e o PT não sinalizaram o que pretendiam fazer nesta área. Mesmo depois da posse, o governo demorou cerca de quatro meses para anunciar sua política fiscal. A própria hesitação do governo gerou tensões com o sistema político e com os agentes econômicos. Por fim, de modo geral, o novo arcabouço demonstra pretender um ajuste fiscal via aumento da arrecadação e não mediante revisão dos gastos públicos. Da mesma forma, segundo analistas, o novo arcabouço fiscal é bastante flexível em relação a metas de superávit primário. Politicamente, isso significa que o projeto apresentado é pouco crível ao longo do tempo, o que gera instabilidade política e desconfiança dos investidores.

Ao contrário do que o governo coloca em seus discursos, os críticos da política fiscal tipicamente petista não estão cobrando cortes na saúde, na educação e na assistência social aos mais pobres. Na realidade, a crítica é direcionada à ausência de sinalização do governo, não apenas no momento, mas historicamente, em relação a uma agenda de reformas. Mesmo tendo anunciado a pretensão de fazer reformas tributária e administrativa, o governo ainda não sinalizou como pretende fazê-las. Da mesma forma, o "novo" governo insiste em agendas antigas e ultrapassadas, como a recusa em discutir privatizações, levando à acomodação de aliados e apadrinhados políticos, muitas vezes sem a qualificação profissional adequada, em empresas estatais. De igual modo, o governo também não se moveu em direção a anunciar reformas de governança e transparência nas próprias empresas públicas.

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Esse conjunto de ações, que pretendem a expansão da arrecadação e dos gastos públicos em setores não-prioritários acaba por esconder um objetivo não lisonjeiro: o aumento do poder discricionário do governo, a partir do aparelhamento do Estado. Como ressaltamos, a política fiscal serve justamente para forçar que os governos estabeleçam prioridades e tornem o Estado sustentável economicamente ao longo do tempo. Diante da ausência desses mecanismos, o governo e o próprio Estado se tornam mais suscetíveis tanto à ineficiência quanto à corrupção. Dado o que aconteceu na última década, as expectativas em relação a uma recuperação da credibilidade e da sustentabilidade do Estado brasileiro não são, no momento, nada otimistas.

*Caio César Vioto de Andrade, doutor em História pela Unesp-Franca, pesquisa a história da administração pública no Brasil republicano. Professor-monitor do Insper

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

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Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Caio César Vioto de Andrade. Foto: Inac/Divulgação

Ao levarmos em conta os paradigmas da democracia liberal, devemos considerar não apenas as instituições propriamente políticas e jurídicas de limitação do poder do Estado, como a competição política, a alternância de poder e a divisão entre os poderes, sob a égide de uma Constituição. No âmbito econômico e administrativo também é necessária a observância de alguns princípios, afinal, para que o Estado funcione, ou seja, promova políticas públicas, é necessário dispor de recursos. Especialmente a partir da segunda metade do século XX, os países considerados desenvolvidos construíram suas instituições fiscais e monetárias, a fim de dar maior sustentabilidade ao Estado e às políticas públicas.

Entre os mecanismos fiscais, podemos citar o equilíbrio do orçamento, evitando a explosão da dívida pública. Diante de demandas sociais cada vez maiores, cabe aos governos estabelecerem prioridades. Sendo assim, especialmente nas últimas três ou quatro décadas, os países com democracia consolidada, em geral, optaram por direcionar a maioria dos recursos à saúde, educação e segurança pública, além da seguridade social, que abarca tanto a previdência social quanto as políticas focalizadas de distribuição de renda. Muitos países latino-americanos, no entanto, dispondo de menos recursos e de menos equilíbrio orçamentário, continuaram a insistir em políticas setoriais, com vistas à aceleração do desenvolvimento econômico. Em geral, além de não terem alcançado o objetivo de desenvolvimento nacional, esses recursos acabaram sendo desperdiçados atendendo a lobbies de empresas e setores próximos aos governos. Da mesma forma, a escassez de recursos também fez com que não conseguissem atender adequadamente as demandas sociais, embora tenha ocorrido alguns avanços.

No Brasil atual, após o desastre do governo Bolsonaro, o debate público se deslocou imediatamente para a política econômica do governo Lula III. Desde o processo eleitoral, pairavam muitas dúvidas sobre qual seria a postura do "novo" governo. Por um lado, havia o apoio do centro democrático e de economistas de orientação ortodoxa. Por outro, havia toda a tradição do PT e da economia heterodoxa, que preconizam a aceleração do desenvolvimento econômico via indução do Estado, especialmente através de subsídios e proteções setoriais.

Desde a campanha eleitoral, cobrava-se do candidato que chegou à presidência o anúncio de um "arcabouço fiscal", que detalhasse como o governo pretendia gerir o orçamento, tendo em vista o excessivo endividamento público e suas consequências, como os juros altos. No entanto, em seu programa de governo, Lula e o PT não sinalizaram o que pretendiam fazer nesta área. Mesmo depois da posse, o governo demorou cerca de quatro meses para anunciar sua política fiscal. A própria hesitação do governo gerou tensões com o sistema político e com os agentes econômicos. Por fim, de modo geral, o novo arcabouço demonstra pretender um ajuste fiscal via aumento da arrecadação e não mediante revisão dos gastos públicos. Da mesma forma, segundo analistas, o novo arcabouço fiscal é bastante flexível em relação a metas de superávit primário. Politicamente, isso significa que o projeto apresentado é pouco crível ao longo do tempo, o que gera instabilidade política e desconfiança dos investidores.

Ao contrário do que o governo coloca em seus discursos, os críticos da política fiscal tipicamente petista não estão cobrando cortes na saúde, na educação e na assistência social aos mais pobres. Na realidade, a crítica é direcionada à ausência de sinalização do governo, não apenas no momento, mas historicamente, em relação a uma agenda de reformas. Mesmo tendo anunciado a pretensão de fazer reformas tributária e administrativa, o governo ainda não sinalizou como pretende fazê-las. Da mesma forma, o "novo" governo insiste em agendas antigas e ultrapassadas, como a recusa em discutir privatizações, levando à acomodação de aliados e apadrinhados políticos, muitas vezes sem a qualificação profissional adequada, em empresas estatais. De igual modo, o governo também não se moveu em direção a anunciar reformas de governança e transparência nas próprias empresas públicas.

Esse conjunto de ações, que pretendem a expansão da arrecadação e dos gastos públicos em setores não-prioritários acaba por esconder um objetivo não lisonjeiro: o aumento do poder discricionário do governo, a partir do aparelhamento do Estado. Como ressaltamos, a política fiscal serve justamente para forçar que os governos estabeleçam prioridades e tornem o Estado sustentável economicamente ao longo do tempo. Diante da ausência desses mecanismos, o governo e o próprio Estado se tornam mais suscetíveis tanto à ineficiência quanto à corrupção. Dado o que aconteceu na última década, as expectativas em relação a uma recuperação da credibilidade e da sustentabilidade do Estado brasileiro não são, no momento, nada otimistas.

*Caio César Vioto de Andrade, doutor em História pela Unesp-Franca, pesquisa a história da administração pública no Brasil republicano. Professor-monitor do Insper

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

Caio César Vioto de Andrade. Foto: Inac/Divulgação

Ao levarmos em conta os paradigmas da democracia liberal, devemos considerar não apenas as instituições propriamente políticas e jurídicas de limitação do poder do Estado, como a competição política, a alternância de poder e a divisão entre os poderes, sob a égide de uma Constituição. No âmbito econômico e administrativo também é necessária a observância de alguns princípios, afinal, para que o Estado funcione, ou seja, promova políticas públicas, é necessário dispor de recursos. Especialmente a partir da segunda metade do século XX, os países considerados desenvolvidos construíram suas instituições fiscais e monetárias, a fim de dar maior sustentabilidade ao Estado e às políticas públicas.

Entre os mecanismos fiscais, podemos citar o equilíbrio do orçamento, evitando a explosão da dívida pública. Diante de demandas sociais cada vez maiores, cabe aos governos estabelecerem prioridades. Sendo assim, especialmente nas últimas três ou quatro décadas, os países com democracia consolidada, em geral, optaram por direcionar a maioria dos recursos à saúde, educação e segurança pública, além da seguridade social, que abarca tanto a previdência social quanto as políticas focalizadas de distribuição de renda. Muitos países latino-americanos, no entanto, dispondo de menos recursos e de menos equilíbrio orçamentário, continuaram a insistir em políticas setoriais, com vistas à aceleração do desenvolvimento econômico. Em geral, além de não terem alcançado o objetivo de desenvolvimento nacional, esses recursos acabaram sendo desperdiçados atendendo a lobbies de empresas e setores próximos aos governos. Da mesma forma, a escassez de recursos também fez com que não conseguissem atender adequadamente as demandas sociais, embora tenha ocorrido alguns avanços.

No Brasil atual, após o desastre do governo Bolsonaro, o debate público se deslocou imediatamente para a política econômica do governo Lula III. Desde o processo eleitoral, pairavam muitas dúvidas sobre qual seria a postura do "novo" governo. Por um lado, havia o apoio do centro democrático e de economistas de orientação ortodoxa. Por outro, havia toda a tradição do PT e da economia heterodoxa, que preconizam a aceleração do desenvolvimento econômico via indução do Estado, especialmente através de subsídios e proteções setoriais.

Desde a campanha eleitoral, cobrava-se do candidato que chegou à presidência o anúncio de um "arcabouço fiscal", que detalhasse como o governo pretendia gerir o orçamento, tendo em vista o excessivo endividamento público e suas consequências, como os juros altos. No entanto, em seu programa de governo, Lula e o PT não sinalizaram o que pretendiam fazer nesta área. Mesmo depois da posse, o governo demorou cerca de quatro meses para anunciar sua política fiscal. A própria hesitação do governo gerou tensões com o sistema político e com os agentes econômicos. Por fim, de modo geral, o novo arcabouço demonstra pretender um ajuste fiscal via aumento da arrecadação e não mediante revisão dos gastos públicos. Da mesma forma, segundo analistas, o novo arcabouço fiscal é bastante flexível em relação a metas de superávit primário. Politicamente, isso significa que o projeto apresentado é pouco crível ao longo do tempo, o que gera instabilidade política e desconfiança dos investidores.

Ao contrário do que o governo coloca em seus discursos, os críticos da política fiscal tipicamente petista não estão cobrando cortes na saúde, na educação e na assistência social aos mais pobres. Na realidade, a crítica é direcionada à ausência de sinalização do governo, não apenas no momento, mas historicamente, em relação a uma agenda de reformas. Mesmo tendo anunciado a pretensão de fazer reformas tributária e administrativa, o governo ainda não sinalizou como pretende fazê-las. Da mesma forma, o "novo" governo insiste em agendas antigas e ultrapassadas, como a recusa em discutir privatizações, levando à acomodação de aliados e apadrinhados políticos, muitas vezes sem a qualificação profissional adequada, em empresas estatais. De igual modo, o governo também não se moveu em direção a anunciar reformas de governança e transparência nas próprias empresas públicas.

Esse conjunto de ações, que pretendem a expansão da arrecadação e dos gastos públicos em setores não-prioritários acaba por esconder um objetivo não lisonjeiro: o aumento do poder discricionário do governo, a partir do aparelhamento do Estado. Como ressaltamos, a política fiscal serve justamente para forçar que os governos estabeleçam prioridades e tornem o Estado sustentável economicamente ao longo do tempo. Diante da ausência desses mecanismos, o governo e o próprio Estado se tornam mais suscetíveis tanto à ineficiência quanto à corrupção. Dado o que aconteceu na última década, as expectativas em relação a uma recuperação da credibilidade e da sustentabilidade do Estado brasileiro não são, no momento, nada otimistas.

*Caio César Vioto de Andrade, doutor em História pela Unesp-Franca, pesquisa a história da administração pública no Brasil republicano. Professor-monitor do Insper

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

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