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Opinião|Por que, Dr. Moro?


A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei

Por Nelma Kodama
Nelma Kodama Foto: Arquivo pessoal

Não quero soar repetitiva e tampouco trazer luz a quem já não mais está sob os holofotes, mas há que se fazer justiça – perdoem-me o trocadilho – à pergunta. O título deste artigo é uma paráfrase de mim mesma, em entrevista concedida ao programa Pânico, em meados de junho de 2024. Fato é que ainda aguardo a resposta e, enquanto aguardo, vou aqui divagando sobre a minha vida após a lava-jato.

Sempre digo a quem me é mais próximo que o documentário “Doleira”, da Netflix, conseguiu resumir muito bem, em uma hora e trinta e quatro segundos, um período da minha vida (aliás, abro aqui parênteses para mencionar o juiz Fabio Roque, que justamente utilizou-se do senso de liberdade de expressão e direito à informação e permitiu que parte das filmagens fosse gravada no Presídio da Mata Escura, em Salvador, com todo o suporte da Tx Filmes, que respeitou as regras da Lei do SAP , enquanto eu cumpria pena no sistema prisional em Salvador). Mas, os detalhes mais profundos dessa vida necessitariam de algumas horas, dias ou meses a mais de duração. E teriam temas e classificações para todos os gostos – da comédia ao drama, passando pelo horror. Desde a classificação livre até casos extremos de violência para 18+, mas deixemos isso para os próximos capítulos.

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Hoje, quero deixar um pouco de lado o que já foi falado e dar continuidade ao que vivi fora do foco. E, para dizer o principal, eu perdi o medo!

O que seria capaz de me parar?

Bem, eu já fui presa; eu já fui, como dizem os mais jovens, “cancelada”, em épocas que o cancelamento ainda não era assim chamado; eu fui abandonada por amigos, por alguns familiares, por amores; eu fui perseguida; eu fui violada e entendam isso como quiserem... Ah, e eu fui presa de novo, dizem que por organização criminosa e tráfico internacional de drogas, em uma situação em que eu não poderia ter sido mais inocente! Uma das maiores injustiças que eu jamais ousei cogitar.

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Mas, na verdade, eu fui presa novamente pelo estigma que infelizmente ainda carrego!

Pensei em falar que a lava-jato havia me trazido o agridoce dessa vida, mas retiro agora mesmo esse pensamento. A lava-jato me trouxe as agruras dessa vida. Humildemente peço a você, querido leitor, que se pergunte por que eu haveria de mentir?

A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei. Nunca! Estive lá e, resignada, em residência absoluta!

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Cumpri mais do que foi me imposto (mais uma vez, perdoem-me o trocadilho infame): 2 anos 3 meses e 11 dias em regime fechado, longe da minha família. Eu entrei em uma seara inexplorada, até então, por uma mulher. Isso causou, para dizer o mínimo, estranheza, curiosidade. Para dizer o máximo, atenção.

Mas, não, não farei disso um grande drama, porque não me apraz, mas essa atenção criou a imagem da primeira “bandida” presa pela lava-jato. A mente criminosa. Depois, a mandachuva do sistema prisional. Depois, a primeira “delatora” que iniciou o efeito dominó (lembro que o primeiro delator foi um homem, fraco, que não durou nem cinco minutos sob a pressão dos porões da lava-jato). E, ao longo de tudo isso, a “Amada Amante”. Querem melhor cenário para a vilã de uma novela brasileira?

Então, unam-se todos os pontos e coloquem essa vilã em terras além-mar, um ex-namorado, uma oportunidade e bingo! A pessoa perfeita para carregar a culpa, pasmem, de organização criminosa e tráfico internacional de drogas. Em um mergulho um pouco mais profundo, vê-se que a operação tinha seu próprio doleiro e não, definitivamente não era eu!

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Com a licença de mencionar um diálogo neste artigo, aqui segue o que se seguiu após eu ser presa em Portugal. Isso aconteceu em um domingo, enquanto eu mofava em um lamaçal de dejetos humanos dividindo espaço com o meu colchão no chão.

Eu falei ao delegado:

- O senhor sabe que eu não sou traficante.

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Recebi um profundo olhar do doutor à minha frente.

- O senhor sabe que eu não sou traficante... e, quase clamando, repeti: O senhor sabe que eu não sou traficante!

Nesse momento, recebi a resposta:

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- Quando vi o seu nome, eu pensei que eu peguei um troféu! O meu troféu!

Em tempos modernos, não só mais a ocasião faz o ladrão, mas a opinião também o faz.

Hoje, retomo minha vida, um dia de cada vez.

Levanto antes do amanhecer e foco nos meus novos negócios, na esperança de que há de chegar a hora em que esse país me torne mais fácil conseguir trabalhar. Tento não pensar no que passou e no que ainda se passa, tento não pensar na dívida – injusta - de mais de 100 milhões de carrego na receita. E continuo me erguendo e reerguendo, me reinventando com a brava coragem de uma mulher igual a tantas outras.

Mas, por mais que eu tente não pensar no passado, um pedaço de metal ainda me liga a ele e teima em marcar fisicamente o que a minha mente se nega.

Retomando o assunto da minha rotina, eu acordo antes do amanhecer, às 4h30, para eu ter mais tempo para me reestruturar, porque antes das 18h, todos os dias, o meu passado me obriga a me recolher.

E essa é a minha vida após a lava-jato, até quando quiserem que assim eu viva.

Enquanto isso, em 2024 haverá eleições. E, só um lembrete: não é o contribuinte que está pagando as campanhas.

Mas, estou fora de casa terminando este artigo e já são 17h. Preciso interromper meu raciocínio porque meu passado me chama de volta.

Por que, Dr. Moro?

Por quê?

Nelma Kodama Foto: Arquivo pessoal

Não quero soar repetitiva e tampouco trazer luz a quem já não mais está sob os holofotes, mas há que se fazer justiça – perdoem-me o trocadilho – à pergunta. O título deste artigo é uma paráfrase de mim mesma, em entrevista concedida ao programa Pânico, em meados de junho de 2024. Fato é que ainda aguardo a resposta e, enquanto aguardo, vou aqui divagando sobre a minha vida após a lava-jato.

Sempre digo a quem me é mais próximo que o documentário “Doleira”, da Netflix, conseguiu resumir muito bem, em uma hora e trinta e quatro segundos, um período da minha vida (aliás, abro aqui parênteses para mencionar o juiz Fabio Roque, que justamente utilizou-se do senso de liberdade de expressão e direito à informação e permitiu que parte das filmagens fosse gravada no Presídio da Mata Escura, em Salvador, com todo o suporte da Tx Filmes, que respeitou as regras da Lei do SAP , enquanto eu cumpria pena no sistema prisional em Salvador). Mas, os detalhes mais profundos dessa vida necessitariam de algumas horas, dias ou meses a mais de duração. E teriam temas e classificações para todos os gostos – da comédia ao drama, passando pelo horror. Desde a classificação livre até casos extremos de violência para 18+, mas deixemos isso para os próximos capítulos.

Hoje, quero deixar um pouco de lado o que já foi falado e dar continuidade ao que vivi fora do foco. E, para dizer o principal, eu perdi o medo!

O que seria capaz de me parar?

Bem, eu já fui presa; eu já fui, como dizem os mais jovens, “cancelada”, em épocas que o cancelamento ainda não era assim chamado; eu fui abandonada por amigos, por alguns familiares, por amores; eu fui perseguida; eu fui violada e entendam isso como quiserem... Ah, e eu fui presa de novo, dizem que por organização criminosa e tráfico internacional de drogas, em uma situação em que eu não poderia ter sido mais inocente! Uma das maiores injustiças que eu jamais ousei cogitar.

Mas, na verdade, eu fui presa novamente pelo estigma que infelizmente ainda carrego!

Pensei em falar que a lava-jato havia me trazido o agridoce dessa vida, mas retiro agora mesmo esse pensamento. A lava-jato me trouxe as agruras dessa vida. Humildemente peço a você, querido leitor, que se pergunte por que eu haveria de mentir?

A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei. Nunca! Estive lá e, resignada, em residência absoluta!

Cumpri mais do que foi me imposto (mais uma vez, perdoem-me o trocadilho infame): 2 anos 3 meses e 11 dias em regime fechado, longe da minha família. Eu entrei em uma seara inexplorada, até então, por uma mulher. Isso causou, para dizer o mínimo, estranheza, curiosidade. Para dizer o máximo, atenção.

Mas, não, não farei disso um grande drama, porque não me apraz, mas essa atenção criou a imagem da primeira “bandida” presa pela lava-jato. A mente criminosa. Depois, a mandachuva do sistema prisional. Depois, a primeira “delatora” que iniciou o efeito dominó (lembro que o primeiro delator foi um homem, fraco, que não durou nem cinco minutos sob a pressão dos porões da lava-jato). E, ao longo de tudo isso, a “Amada Amante”. Querem melhor cenário para a vilã de uma novela brasileira?

Então, unam-se todos os pontos e coloquem essa vilã em terras além-mar, um ex-namorado, uma oportunidade e bingo! A pessoa perfeita para carregar a culpa, pasmem, de organização criminosa e tráfico internacional de drogas. Em um mergulho um pouco mais profundo, vê-se que a operação tinha seu próprio doleiro e não, definitivamente não era eu!

Com a licença de mencionar um diálogo neste artigo, aqui segue o que se seguiu após eu ser presa em Portugal. Isso aconteceu em um domingo, enquanto eu mofava em um lamaçal de dejetos humanos dividindo espaço com o meu colchão no chão.

Eu falei ao delegado:

- O senhor sabe que eu não sou traficante.

Recebi um profundo olhar do doutor à minha frente.

- O senhor sabe que eu não sou traficante... e, quase clamando, repeti: O senhor sabe que eu não sou traficante!

Nesse momento, recebi a resposta:

- Quando vi o seu nome, eu pensei que eu peguei um troféu! O meu troféu!

Em tempos modernos, não só mais a ocasião faz o ladrão, mas a opinião também o faz.

Hoje, retomo minha vida, um dia de cada vez.

Levanto antes do amanhecer e foco nos meus novos negócios, na esperança de que há de chegar a hora em que esse país me torne mais fácil conseguir trabalhar. Tento não pensar no que passou e no que ainda se passa, tento não pensar na dívida – injusta - de mais de 100 milhões de carrego na receita. E continuo me erguendo e reerguendo, me reinventando com a brava coragem de uma mulher igual a tantas outras.

Mas, por mais que eu tente não pensar no passado, um pedaço de metal ainda me liga a ele e teima em marcar fisicamente o que a minha mente se nega.

Retomando o assunto da minha rotina, eu acordo antes do amanhecer, às 4h30, para eu ter mais tempo para me reestruturar, porque antes das 18h, todos os dias, o meu passado me obriga a me recolher.

E essa é a minha vida após a lava-jato, até quando quiserem que assim eu viva.

Enquanto isso, em 2024 haverá eleições. E, só um lembrete: não é o contribuinte que está pagando as campanhas.

Mas, estou fora de casa terminando este artigo e já são 17h. Preciso interromper meu raciocínio porque meu passado me chama de volta.

Por que, Dr. Moro?

Por quê?

Nelma Kodama Foto: Arquivo pessoal

Não quero soar repetitiva e tampouco trazer luz a quem já não mais está sob os holofotes, mas há que se fazer justiça – perdoem-me o trocadilho – à pergunta. O título deste artigo é uma paráfrase de mim mesma, em entrevista concedida ao programa Pânico, em meados de junho de 2024. Fato é que ainda aguardo a resposta e, enquanto aguardo, vou aqui divagando sobre a minha vida após a lava-jato.

Sempre digo a quem me é mais próximo que o documentário “Doleira”, da Netflix, conseguiu resumir muito bem, em uma hora e trinta e quatro segundos, um período da minha vida (aliás, abro aqui parênteses para mencionar o juiz Fabio Roque, que justamente utilizou-se do senso de liberdade de expressão e direito à informação e permitiu que parte das filmagens fosse gravada no Presídio da Mata Escura, em Salvador, com todo o suporte da Tx Filmes, que respeitou as regras da Lei do SAP , enquanto eu cumpria pena no sistema prisional em Salvador). Mas, os detalhes mais profundos dessa vida necessitariam de algumas horas, dias ou meses a mais de duração. E teriam temas e classificações para todos os gostos – da comédia ao drama, passando pelo horror. Desde a classificação livre até casos extremos de violência para 18+, mas deixemos isso para os próximos capítulos.

Hoje, quero deixar um pouco de lado o que já foi falado e dar continuidade ao que vivi fora do foco. E, para dizer o principal, eu perdi o medo!

O que seria capaz de me parar?

Bem, eu já fui presa; eu já fui, como dizem os mais jovens, “cancelada”, em épocas que o cancelamento ainda não era assim chamado; eu fui abandonada por amigos, por alguns familiares, por amores; eu fui perseguida; eu fui violada e entendam isso como quiserem... Ah, e eu fui presa de novo, dizem que por organização criminosa e tráfico internacional de drogas, em uma situação em que eu não poderia ter sido mais inocente! Uma das maiores injustiças que eu jamais ousei cogitar.

Mas, na verdade, eu fui presa novamente pelo estigma que infelizmente ainda carrego!

Pensei em falar que a lava-jato havia me trazido o agridoce dessa vida, mas retiro agora mesmo esse pensamento. A lava-jato me trouxe as agruras dessa vida. Humildemente peço a você, querido leitor, que se pergunte por que eu haveria de mentir?

A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei. Nunca! Estive lá e, resignada, em residência absoluta!

Cumpri mais do que foi me imposto (mais uma vez, perdoem-me o trocadilho infame): 2 anos 3 meses e 11 dias em regime fechado, longe da minha família. Eu entrei em uma seara inexplorada, até então, por uma mulher. Isso causou, para dizer o mínimo, estranheza, curiosidade. Para dizer o máximo, atenção.

Mas, não, não farei disso um grande drama, porque não me apraz, mas essa atenção criou a imagem da primeira “bandida” presa pela lava-jato. A mente criminosa. Depois, a mandachuva do sistema prisional. Depois, a primeira “delatora” que iniciou o efeito dominó (lembro que o primeiro delator foi um homem, fraco, que não durou nem cinco minutos sob a pressão dos porões da lava-jato). E, ao longo de tudo isso, a “Amada Amante”. Querem melhor cenário para a vilã de uma novela brasileira?

Então, unam-se todos os pontos e coloquem essa vilã em terras além-mar, um ex-namorado, uma oportunidade e bingo! A pessoa perfeita para carregar a culpa, pasmem, de organização criminosa e tráfico internacional de drogas. Em um mergulho um pouco mais profundo, vê-se que a operação tinha seu próprio doleiro e não, definitivamente não era eu!

Com a licença de mencionar um diálogo neste artigo, aqui segue o que se seguiu após eu ser presa em Portugal. Isso aconteceu em um domingo, enquanto eu mofava em um lamaçal de dejetos humanos dividindo espaço com o meu colchão no chão.

Eu falei ao delegado:

- O senhor sabe que eu não sou traficante.

Recebi um profundo olhar do doutor à minha frente.

- O senhor sabe que eu não sou traficante... e, quase clamando, repeti: O senhor sabe que eu não sou traficante!

Nesse momento, recebi a resposta:

- Quando vi o seu nome, eu pensei que eu peguei um troféu! O meu troféu!

Em tempos modernos, não só mais a ocasião faz o ladrão, mas a opinião também o faz.

Hoje, retomo minha vida, um dia de cada vez.

Levanto antes do amanhecer e foco nos meus novos negócios, na esperança de que há de chegar a hora em que esse país me torne mais fácil conseguir trabalhar. Tento não pensar no que passou e no que ainda se passa, tento não pensar na dívida – injusta - de mais de 100 milhões de carrego na receita. E continuo me erguendo e reerguendo, me reinventando com a brava coragem de uma mulher igual a tantas outras.

Mas, por mais que eu tente não pensar no passado, um pedaço de metal ainda me liga a ele e teima em marcar fisicamente o que a minha mente se nega.

Retomando o assunto da minha rotina, eu acordo antes do amanhecer, às 4h30, para eu ter mais tempo para me reestruturar, porque antes das 18h, todos os dias, o meu passado me obriga a me recolher.

E essa é a minha vida após a lava-jato, até quando quiserem que assim eu viva.

Enquanto isso, em 2024 haverá eleições. E, só um lembrete: não é o contribuinte que está pagando as campanhas.

Mas, estou fora de casa terminando este artigo e já são 17h. Preciso interromper meu raciocínio porque meu passado me chama de volta.

Por que, Dr. Moro?

Por quê?

Nelma Kodama Foto: Arquivo pessoal

Não quero soar repetitiva e tampouco trazer luz a quem já não mais está sob os holofotes, mas há que se fazer justiça – perdoem-me o trocadilho – à pergunta. O título deste artigo é uma paráfrase de mim mesma, em entrevista concedida ao programa Pânico, em meados de junho de 2024. Fato é que ainda aguardo a resposta e, enquanto aguardo, vou aqui divagando sobre a minha vida após a lava-jato.

Sempre digo a quem me é mais próximo que o documentário “Doleira”, da Netflix, conseguiu resumir muito bem, em uma hora e trinta e quatro segundos, um período da minha vida (aliás, abro aqui parênteses para mencionar o juiz Fabio Roque, que justamente utilizou-se do senso de liberdade de expressão e direito à informação e permitiu que parte das filmagens fosse gravada no Presídio da Mata Escura, em Salvador, com todo o suporte da Tx Filmes, que respeitou as regras da Lei do SAP , enquanto eu cumpria pena no sistema prisional em Salvador). Mas, os detalhes mais profundos dessa vida necessitariam de algumas horas, dias ou meses a mais de duração. E teriam temas e classificações para todos os gostos – da comédia ao drama, passando pelo horror. Desde a classificação livre até casos extremos de violência para 18+, mas deixemos isso para os próximos capítulos.

Hoje, quero deixar um pouco de lado o que já foi falado e dar continuidade ao que vivi fora do foco. E, para dizer o principal, eu perdi o medo!

O que seria capaz de me parar?

Bem, eu já fui presa; eu já fui, como dizem os mais jovens, “cancelada”, em épocas que o cancelamento ainda não era assim chamado; eu fui abandonada por amigos, por alguns familiares, por amores; eu fui perseguida; eu fui violada e entendam isso como quiserem... Ah, e eu fui presa de novo, dizem que por organização criminosa e tráfico internacional de drogas, em uma situação em que eu não poderia ter sido mais inocente! Uma das maiores injustiças que eu jamais ousei cogitar.

Mas, na verdade, eu fui presa novamente pelo estigma que infelizmente ainda carrego!

Pensei em falar que a lava-jato havia me trazido o agridoce dessa vida, mas retiro agora mesmo esse pensamento. A lava-jato me trouxe as agruras dessa vida. Humildemente peço a você, querido leitor, que se pergunte por que eu haveria de mentir?

A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei. Nunca! Estive lá e, resignada, em residência absoluta!

Cumpri mais do que foi me imposto (mais uma vez, perdoem-me o trocadilho infame): 2 anos 3 meses e 11 dias em regime fechado, longe da minha família. Eu entrei em uma seara inexplorada, até então, por uma mulher. Isso causou, para dizer o mínimo, estranheza, curiosidade. Para dizer o máximo, atenção.

Mas, não, não farei disso um grande drama, porque não me apraz, mas essa atenção criou a imagem da primeira “bandida” presa pela lava-jato. A mente criminosa. Depois, a mandachuva do sistema prisional. Depois, a primeira “delatora” que iniciou o efeito dominó (lembro que o primeiro delator foi um homem, fraco, que não durou nem cinco minutos sob a pressão dos porões da lava-jato). E, ao longo de tudo isso, a “Amada Amante”. Querem melhor cenário para a vilã de uma novela brasileira?

Então, unam-se todos os pontos e coloquem essa vilã em terras além-mar, um ex-namorado, uma oportunidade e bingo! A pessoa perfeita para carregar a culpa, pasmem, de organização criminosa e tráfico internacional de drogas. Em um mergulho um pouco mais profundo, vê-se que a operação tinha seu próprio doleiro e não, definitivamente não era eu!

Com a licença de mencionar um diálogo neste artigo, aqui segue o que se seguiu após eu ser presa em Portugal. Isso aconteceu em um domingo, enquanto eu mofava em um lamaçal de dejetos humanos dividindo espaço com o meu colchão no chão.

Eu falei ao delegado:

- O senhor sabe que eu não sou traficante.

Recebi um profundo olhar do doutor à minha frente.

- O senhor sabe que eu não sou traficante... e, quase clamando, repeti: O senhor sabe que eu não sou traficante!

Nesse momento, recebi a resposta:

- Quando vi o seu nome, eu pensei que eu peguei um troféu! O meu troféu!

Em tempos modernos, não só mais a ocasião faz o ladrão, mas a opinião também o faz.

Hoje, retomo minha vida, um dia de cada vez.

Levanto antes do amanhecer e foco nos meus novos negócios, na esperança de que há de chegar a hora em que esse país me torne mais fácil conseguir trabalhar. Tento não pensar no que passou e no que ainda se passa, tento não pensar na dívida – injusta - de mais de 100 milhões de carrego na receita. E continuo me erguendo e reerguendo, me reinventando com a brava coragem de uma mulher igual a tantas outras.

Mas, por mais que eu tente não pensar no passado, um pedaço de metal ainda me liga a ele e teima em marcar fisicamente o que a minha mente se nega.

Retomando o assunto da minha rotina, eu acordo antes do amanhecer, às 4h30, para eu ter mais tempo para me reestruturar, porque antes das 18h, todos os dias, o meu passado me obriga a me recolher.

E essa é a minha vida após a lava-jato, até quando quiserem que assim eu viva.

Enquanto isso, em 2024 haverá eleições. E, só um lembrete: não é o contribuinte que está pagando as campanhas.

Mas, estou fora de casa terminando este artigo e já são 17h. Preciso interromper meu raciocínio porque meu passado me chama de volta.

Por que, Dr. Moro?

Por quê?

Nelma Kodama Foto: Arquivo pessoal

Não quero soar repetitiva e tampouco trazer luz a quem já não mais está sob os holofotes, mas há que se fazer justiça – perdoem-me o trocadilho – à pergunta. O título deste artigo é uma paráfrase de mim mesma, em entrevista concedida ao programa Pânico, em meados de junho de 2024. Fato é que ainda aguardo a resposta e, enquanto aguardo, vou aqui divagando sobre a minha vida após a lava-jato.

Sempre digo a quem me é mais próximo que o documentário “Doleira”, da Netflix, conseguiu resumir muito bem, em uma hora e trinta e quatro segundos, um período da minha vida (aliás, abro aqui parênteses para mencionar o juiz Fabio Roque, que justamente utilizou-se do senso de liberdade de expressão e direito à informação e permitiu que parte das filmagens fosse gravada no Presídio da Mata Escura, em Salvador, com todo o suporte da Tx Filmes, que respeitou as regras da Lei do SAP , enquanto eu cumpria pena no sistema prisional em Salvador). Mas, os detalhes mais profundos dessa vida necessitariam de algumas horas, dias ou meses a mais de duração. E teriam temas e classificações para todos os gostos – da comédia ao drama, passando pelo horror. Desde a classificação livre até casos extremos de violência para 18+, mas deixemos isso para os próximos capítulos.

Hoje, quero deixar um pouco de lado o que já foi falado e dar continuidade ao que vivi fora do foco. E, para dizer o principal, eu perdi o medo!

O que seria capaz de me parar?

Bem, eu já fui presa; eu já fui, como dizem os mais jovens, “cancelada”, em épocas que o cancelamento ainda não era assim chamado; eu fui abandonada por amigos, por alguns familiares, por amores; eu fui perseguida; eu fui violada e entendam isso como quiserem... Ah, e eu fui presa de novo, dizem que por organização criminosa e tráfico internacional de drogas, em uma situação em que eu não poderia ter sido mais inocente! Uma das maiores injustiças que eu jamais ousei cogitar.

Mas, na verdade, eu fui presa novamente pelo estigma que infelizmente ainda carrego!

Pensei em falar que a lava-jato havia me trazido o agridoce dessa vida, mas retiro agora mesmo esse pensamento. A lava-jato me trouxe as agruras dessa vida. Humildemente peço a você, querido leitor, que se pergunte por que eu haveria de mentir?

A vida me levou a ser doleira. Por indução, fiz evasão de divisas, sempre crendo que a parte beneficiada arcasse com a responsabilidade fiscal e eu com a pequena parte que me era competente. E eu nunca neguei. Nunca! Estive lá e, resignada, em residência absoluta!

Cumpri mais do que foi me imposto (mais uma vez, perdoem-me o trocadilho infame): 2 anos 3 meses e 11 dias em regime fechado, longe da minha família. Eu entrei em uma seara inexplorada, até então, por uma mulher. Isso causou, para dizer o mínimo, estranheza, curiosidade. Para dizer o máximo, atenção.

Mas, não, não farei disso um grande drama, porque não me apraz, mas essa atenção criou a imagem da primeira “bandida” presa pela lava-jato. A mente criminosa. Depois, a mandachuva do sistema prisional. Depois, a primeira “delatora” que iniciou o efeito dominó (lembro que o primeiro delator foi um homem, fraco, que não durou nem cinco minutos sob a pressão dos porões da lava-jato). E, ao longo de tudo isso, a “Amada Amante”. Querem melhor cenário para a vilã de uma novela brasileira?

Então, unam-se todos os pontos e coloquem essa vilã em terras além-mar, um ex-namorado, uma oportunidade e bingo! A pessoa perfeita para carregar a culpa, pasmem, de organização criminosa e tráfico internacional de drogas. Em um mergulho um pouco mais profundo, vê-se que a operação tinha seu próprio doleiro e não, definitivamente não era eu!

Com a licença de mencionar um diálogo neste artigo, aqui segue o que se seguiu após eu ser presa em Portugal. Isso aconteceu em um domingo, enquanto eu mofava em um lamaçal de dejetos humanos dividindo espaço com o meu colchão no chão.

Eu falei ao delegado:

- O senhor sabe que eu não sou traficante.

Recebi um profundo olhar do doutor à minha frente.

- O senhor sabe que eu não sou traficante... e, quase clamando, repeti: O senhor sabe que eu não sou traficante!

Nesse momento, recebi a resposta:

- Quando vi o seu nome, eu pensei que eu peguei um troféu! O meu troféu!

Em tempos modernos, não só mais a ocasião faz o ladrão, mas a opinião também o faz.

Hoje, retomo minha vida, um dia de cada vez.

Levanto antes do amanhecer e foco nos meus novos negócios, na esperança de que há de chegar a hora em que esse país me torne mais fácil conseguir trabalhar. Tento não pensar no que passou e no que ainda se passa, tento não pensar na dívida – injusta - de mais de 100 milhões de carrego na receita. E continuo me erguendo e reerguendo, me reinventando com a brava coragem de uma mulher igual a tantas outras.

Mas, por mais que eu tente não pensar no passado, um pedaço de metal ainda me liga a ele e teima em marcar fisicamente o que a minha mente se nega.

Retomando o assunto da minha rotina, eu acordo antes do amanhecer, às 4h30, para eu ter mais tempo para me reestruturar, porque antes das 18h, todos os dias, o meu passado me obriga a me recolher.

E essa é a minha vida após a lava-jato, até quando quiserem que assim eu viva.

Enquanto isso, em 2024 haverá eleições. E, só um lembrete: não é o contribuinte que está pagando as campanhas.

Mas, estou fora de casa terminando este artigo e já são 17h. Preciso interromper meu raciocínio porque meu passado me chama de volta.

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