Em pouco tempo, também aqui, as estatísticas revelavam dados alarmantes. E o problema evoluiu. Disputas políticas dificultaram a adoção de uma coordenação efetiva e eficaz pelo governo federal, deixando para os estados e municípios a fixação de regras, de acordo com as suas peculiaridades e o número de infectados.
Cinco meses após a identificação do primeiro caso no Brasil, as perspectivas são graves. As estatísticas, calculando-se por um milhão de habitantes, aponta o Brasil no 15º lugar do ranking mundial na quantidade de mortos.
Todo esse cenário, como muito se discutiu na imprensa e na academia, está ligado diretamente à forma como lidamos com a natureza. E aí é preciso distinguir o antes (como a deterioração do meio ambiente criou o vírus) e o depois (se o meio ambiente melhorará em razão da pandemia).
No antes, há evidências de que o vírus tem relação com a destruição das florestas e o tráfico ilegal de animais silvestres, ainda que a origem exata da doença não tenha sido determinada. Com relação ao depois, é certo que alguns aspectos melhoraram. Na China, por exemplo, houve um declínio substancial no consumo de combustíveis, com queda nos níveis de poluição atmosférica. Em São Paulo, se alguns poluentes continuarem diminuindo nas taxas apresentadas durante a pandemia, poderá se chegar aos níveis recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De fato, a pandemia de Covid-19 é um acontecimento inédito para as gerações atuais e, portanto, precisamos ser inteligentes para aprender a lidar com esta nova situação. Ora, se há evidências de que uma doença tão contagiosa surgiu da degradação da natureza e, mais do que isso, que outras mais letais podem surgir no futuro, a sociedade precisa repensar a forma como se relaciona com os ambientes naturais e sua biodiversidade.
E isso só pode acontecer de maneira eficaz por meio da educação ambiental. Assim, é imprescindível que o poder público adote o ensino da educação ambiental como matéria obrigatória em todos os níveis, revogando-se o fracassado art. 10, § 1º, da Lei 9.795/99, que proíbe a existência de matéria específica.
Historicamente, o Brasil sempre foi uma voz ativa e respeitada no cenário internacional em relação a políticas ambientais. No entanto, essa construção precisa ser fortalecida formalmente no nosso sistema educacional, começando desde o ensino fundamental. Isso é especialmente importante em razão do momento atual que vivemos, não apenas do novo coronavírus, mas de todo o descaso com a política ambiental. Somente no primeiro semestre deste ano, o desmatamento na Amazônia cresceu 25% em relação ao mesmo período de 2019, segundo o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Mais do que prejuízos à saúde e ao bem-estar das pessoas, o descaso com o meio ambiente tem provocado danos econômicos, evidenciados pela fuga de investidores e pela pressão crescente de grandes empresas para que as nossas florestas sejam protegidas. Tanto isto é verdade que CEOs de fortes aglomerados econômicos têm defendido a Amazônia. Contudo, uma conscientização coletiva em relação à importância do meio ambiente só pode acontecer quando a educação ambiental for tratada de maneira clara e enfática nas escolas, o que só pode acontecer com alterações na Lei 9.795/99, a começar pelo artigo 10º.
Obviamente que as ações não acabam aí. Outras medidas legais são importantes, como o recente Decreto 10.387/2020, que deu incentivos ao financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais, incluindo os setores de mobilidade urbana, energia e saneamento básico. Contudo, somente com a educação como base das políticas públicas de proteção ao meio ambiente é que poderemos evitar que novas pandemias aconteçam e permitir que o Brasil se prepare para um mundo sustentável.
*Vladimir Passos de Freitas é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor de Direito Ambiental do doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Foi presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública.