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Por uma reforma tributária saudável e sustentável


Por Marcello Fragano Baird e André Lima
Marcello Fragano Baird e André Lima. Fotos: Divulgação  

O mundo passa por um período de grande sofrimento e imensos desafios, para os quais não estava preparado. O coronavírus já infectou mais de 30 milhões e vitimou quase um milhão de pessoas. No Brasil, já são mais de 135 mil vidas ceifadas pela pandemia.

A crise sanitária trouxe à tona mazelas históricas do país que insistimos em jogar para baixo do tapete. A enorme e injusta desigualdade do país foi escancarada e o descaso histórico com a saúde e nosso sistema público de saúde também foi evidenciado, e se não fosse pelo SUS estaríamos em situação muito pior. Ficou patente a necessidade de lidarmos com os fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, condições que agravam o risco de complicações ligadas ao coronavírus. São doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e cânceres, responsáveis por 75% de mortes, cujos fatores de risco são o tabagismo, a alimentação inadequada, o uso abusivo de bebidas alcoólicas e o sedentarismo.

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O Brasil também se viu obrigado a parar e refletir sobre a questão ambiental. A crise climática já pode ser considerada uma "emergência global" e não são mais tão raros os eventos climáticos extremos em todos os cantos do mundo e todo ano batemos recordes de temperatura média.

Esses problemas precisam ser enfrentados por um conjunto abrangente de políticas públicas. É importante que a reforma não se atenha apenas à simplificação dos impostos para gerar maior eficiência econômica, mas promova transformações amplas na sociedade e aponte para um futuro mais igualitário, mais sustentável e mais saudável.

A literatura científica e a experiência nacional e internacional já mostraram que uma maior tributação de produtos que causam danos desestimula seu consumo e, portanto, tem impacto positivo na saúde. Embora incida sobre o consumo, como as populações mais vulneráveis são justamente as mais afetadas em termos de saúde, essa tributação reveste-se de caráter progressivo. É por isso que organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, endossam essa medida.

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No Brasil, o caso do tabaco é emblemático. Estudo de 2012 mostrou que, dentre as várias medidas adotadas para o controle do tabagismo, como ambientes livres de fumo, restrição da publicidade e advertências nos maços de cigarro, a medida mais custo-efetiva foi o aumento dos impostos sobre o cigarro.

Estudo do Instituto Nacional de Câncer, de 2015, revelou que os custos do SUS com tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo superou a marca de R$ 39 bilhões, enquanto a arrecadação com produtos do tabaco alcançou apenas R$ 13 bilhões. Trata-se, portanto, de uma conta que não fecha, de modo que as empresas devem contribuir com sua parte pelas externalidades negativas que causam.

Ao contrário do que é alardeado pelos fabricantes, a tributação de produtos nocivos pode ser boa não apenas para a saúde, mas também para a economia. Relatório recém-lançado pela FIPE estimou os impactos econômicos da tributação sobre bebidas adoçadas e mostrou que uma alíquota de 20% sobre o produto final poderia aumentar o PIB em R$ 2,4 bilhões, gerar quase 70 mil empregos e incrementar a arrecadação governamental em quase R$ 5 bilhões. No caso das bebidas adoçadas, é preciso não apenas aumentar os impostos, mas rever os subsídios fiscais, dentro e fora da Zona Franca de Manaus, que alcançam a cifra de R$ 3 bilhões por ano, de acordo com a Receita Federal.

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No campo socioambiental e climático não é diferente. A tributação sobre as emissões de carbono, incidente somente sobre a queima de combustíveis fósseis, pode gerar uma arrecadação entre R$ 20 e R$ 50 bilhões/ ano. O valor arrecadado por esse novo tributo poderia permitir a redução da alíquota prevista para o novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços. Assim, colocamos em prática alguns princípios fundamentais da política ambiental e climática, previstos inclusive na nossa Constituição, como o do poluidor-pagar, ou seja, quem polui mais, paga mais.

A eliminação de incentivos tributários às atividades poluentes é outro fator que deve ser debatido. Se o Estado quer e precisa arrecadar mais, não faz sentido continuar com subsídios como queima de combustíveis fósseis, que recebeu nos últimos 30 anos mais de R$ 1 trilhão em subsídios de acordo com estudo do Instituto de Estudos Sócio Econômicos; incentivo à pecuária, que segundo o Instituto Escolhas foi de mais de R$ 125 bilhões nos últimos dez anos; ou o consumo de agrotóxicos, que recebeu nos últimos anos quase R$ 10 bilhões de subsídios por ano, segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Este estudo apontou que o valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente em 2020 (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões).

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Outra oportunidade é a adoção de critérios socioambientais para definição da participação dos municípios na transferência de recursos arrecadados pelo novo tributo sobre o consumo (IBS). Hoje já é bastante conhecido o ICMS Ecológico, mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores de recursos financeiros arrecadados pelos estados através do ICMS, em razão do atendimento a determinados critérios ambientais. Pode-se estabelecer na distribuição dos recursos dos municípios e até mesmo dos estados um fator de aumento na participação para aqueles que cumprem determinados indicadores. A melhoria de índices de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos também estão diretamente associados à saúde pública.

Dados recém publicados pelo World Resources Institute - Brasil indicam ser possível incrementar em mais dois milhões de empregos com atividades econômicas sustentáveis e mais de R$ 2,8 trilhões de valor anual adicionado ao PIB até 2030 com o estímulo à economia verde.

Não podemos nos dar ao direito de querer sair dessa crise apostando no "mais do mesmo". A oportunidade é agora.

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*Marcello Fragano Baird, Coordenador de Advocacy na ACT Promoção da Saúde

*André Lima, Coordenador do IDS em Brasília ex-Secretário do Meio Ambiente do DF

Marcello Fragano Baird e André Lima. Fotos: Divulgação  

O mundo passa por um período de grande sofrimento e imensos desafios, para os quais não estava preparado. O coronavírus já infectou mais de 30 milhões e vitimou quase um milhão de pessoas. No Brasil, já são mais de 135 mil vidas ceifadas pela pandemia.

A crise sanitária trouxe à tona mazelas históricas do país que insistimos em jogar para baixo do tapete. A enorme e injusta desigualdade do país foi escancarada e o descaso histórico com a saúde e nosso sistema público de saúde também foi evidenciado, e se não fosse pelo SUS estaríamos em situação muito pior. Ficou patente a necessidade de lidarmos com os fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, condições que agravam o risco de complicações ligadas ao coronavírus. São doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e cânceres, responsáveis por 75% de mortes, cujos fatores de risco são o tabagismo, a alimentação inadequada, o uso abusivo de bebidas alcoólicas e o sedentarismo.

O Brasil também se viu obrigado a parar e refletir sobre a questão ambiental. A crise climática já pode ser considerada uma "emergência global" e não são mais tão raros os eventos climáticos extremos em todos os cantos do mundo e todo ano batemos recordes de temperatura média.

Esses problemas precisam ser enfrentados por um conjunto abrangente de políticas públicas. É importante que a reforma não se atenha apenas à simplificação dos impostos para gerar maior eficiência econômica, mas promova transformações amplas na sociedade e aponte para um futuro mais igualitário, mais sustentável e mais saudável.

A literatura científica e a experiência nacional e internacional já mostraram que uma maior tributação de produtos que causam danos desestimula seu consumo e, portanto, tem impacto positivo na saúde. Embora incida sobre o consumo, como as populações mais vulneráveis são justamente as mais afetadas em termos de saúde, essa tributação reveste-se de caráter progressivo. É por isso que organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, endossam essa medida.

No Brasil, o caso do tabaco é emblemático. Estudo de 2012 mostrou que, dentre as várias medidas adotadas para o controle do tabagismo, como ambientes livres de fumo, restrição da publicidade e advertências nos maços de cigarro, a medida mais custo-efetiva foi o aumento dos impostos sobre o cigarro.

Estudo do Instituto Nacional de Câncer, de 2015, revelou que os custos do SUS com tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo superou a marca de R$ 39 bilhões, enquanto a arrecadação com produtos do tabaco alcançou apenas R$ 13 bilhões. Trata-se, portanto, de uma conta que não fecha, de modo que as empresas devem contribuir com sua parte pelas externalidades negativas que causam.

Ao contrário do que é alardeado pelos fabricantes, a tributação de produtos nocivos pode ser boa não apenas para a saúde, mas também para a economia. Relatório recém-lançado pela FIPE estimou os impactos econômicos da tributação sobre bebidas adoçadas e mostrou que uma alíquota de 20% sobre o produto final poderia aumentar o PIB em R$ 2,4 bilhões, gerar quase 70 mil empregos e incrementar a arrecadação governamental em quase R$ 5 bilhões. No caso das bebidas adoçadas, é preciso não apenas aumentar os impostos, mas rever os subsídios fiscais, dentro e fora da Zona Franca de Manaus, que alcançam a cifra de R$ 3 bilhões por ano, de acordo com a Receita Federal.

No campo socioambiental e climático não é diferente. A tributação sobre as emissões de carbono, incidente somente sobre a queima de combustíveis fósseis, pode gerar uma arrecadação entre R$ 20 e R$ 50 bilhões/ ano. O valor arrecadado por esse novo tributo poderia permitir a redução da alíquota prevista para o novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços. Assim, colocamos em prática alguns princípios fundamentais da política ambiental e climática, previstos inclusive na nossa Constituição, como o do poluidor-pagar, ou seja, quem polui mais, paga mais.

A eliminação de incentivos tributários às atividades poluentes é outro fator que deve ser debatido. Se o Estado quer e precisa arrecadar mais, não faz sentido continuar com subsídios como queima de combustíveis fósseis, que recebeu nos últimos 30 anos mais de R$ 1 trilhão em subsídios de acordo com estudo do Instituto de Estudos Sócio Econômicos; incentivo à pecuária, que segundo o Instituto Escolhas foi de mais de R$ 125 bilhões nos últimos dez anos; ou o consumo de agrotóxicos, que recebeu nos últimos anos quase R$ 10 bilhões de subsídios por ano, segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Este estudo apontou que o valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente em 2020 (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões).

Outra oportunidade é a adoção de critérios socioambientais para definição da participação dos municípios na transferência de recursos arrecadados pelo novo tributo sobre o consumo (IBS). Hoje já é bastante conhecido o ICMS Ecológico, mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores de recursos financeiros arrecadados pelos estados através do ICMS, em razão do atendimento a determinados critérios ambientais. Pode-se estabelecer na distribuição dos recursos dos municípios e até mesmo dos estados um fator de aumento na participação para aqueles que cumprem determinados indicadores. A melhoria de índices de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos também estão diretamente associados à saúde pública.

Dados recém publicados pelo World Resources Institute - Brasil indicam ser possível incrementar em mais dois milhões de empregos com atividades econômicas sustentáveis e mais de R$ 2,8 trilhões de valor anual adicionado ao PIB até 2030 com o estímulo à economia verde.

Não podemos nos dar ao direito de querer sair dessa crise apostando no "mais do mesmo". A oportunidade é agora.

*Marcello Fragano Baird, Coordenador de Advocacy na ACT Promoção da Saúde

*André Lima, Coordenador do IDS em Brasília ex-Secretário do Meio Ambiente do DF

Marcello Fragano Baird e André Lima. Fotos: Divulgação  

O mundo passa por um período de grande sofrimento e imensos desafios, para os quais não estava preparado. O coronavírus já infectou mais de 30 milhões e vitimou quase um milhão de pessoas. No Brasil, já são mais de 135 mil vidas ceifadas pela pandemia.

A crise sanitária trouxe à tona mazelas históricas do país que insistimos em jogar para baixo do tapete. A enorme e injusta desigualdade do país foi escancarada e o descaso histórico com a saúde e nosso sistema público de saúde também foi evidenciado, e se não fosse pelo SUS estaríamos em situação muito pior. Ficou patente a necessidade de lidarmos com os fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, condições que agravam o risco de complicações ligadas ao coronavírus. São doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e cânceres, responsáveis por 75% de mortes, cujos fatores de risco são o tabagismo, a alimentação inadequada, o uso abusivo de bebidas alcoólicas e o sedentarismo.

O Brasil também se viu obrigado a parar e refletir sobre a questão ambiental. A crise climática já pode ser considerada uma "emergência global" e não são mais tão raros os eventos climáticos extremos em todos os cantos do mundo e todo ano batemos recordes de temperatura média.

Esses problemas precisam ser enfrentados por um conjunto abrangente de políticas públicas. É importante que a reforma não se atenha apenas à simplificação dos impostos para gerar maior eficiência econômica, mas promova transformações amplas na sociedade e aponte para um futuro mais igualitário, mais sustentável e mais saudável.

A literatura científica e a experiência nacional e internacional já mostraram que uma maior tributação de produtos que causam danos desestimula seu consumo e, portanto, tem impacto positivo na saúde. Embora incida sobre o consumo, como as populações mais vulneráveis são justamente as mais afetadas em termos de saúde, essa tributação reveste-se de caráter progressivo. É por isso que organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, endossam essa medida.

No Brasil, o caso do tabaco é emblemático. Estudo de 2012 mostrou que, dentre as várias medidas adotadas para o controle do tabagismo, como ambientes livres de fumo, restrição da publicidade e advertências nos maços de cigarro, a medida mais custo-efetiva foi o aumento dos impostos sobre o cigarro.

Estudo do Instituto Nacional de Câncer, de 2015, revelou que os custos do SUS com tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo superou a marca de R$ 39 bilhões, enquanto a arrecadação com produtos do tabaco alcançou apenas R$ 13 bilhões. Trata-se, portanto, de uma conta que não fecha, de modo que as empresas devem contribuir com sua parte pelas externalidades negativas que causam.

Ao contrário do que é alardeado pelos fabricantes, a tributação de produtos nocivos pode ser boa não apenas para a saúde, mas também para a economia. Relatório recém-lançado pela FIPE estimou os impactos econômicos da tributação sobre bebidas adoçadas e mostrou que uma alíquota de 20% sobre o produto final poderia aumentar o PIB em R$ 2,4 bilhões, gerar quase 70 mil empregos e incrementar a arrecadação governamental em quase R$ 5 bilhões. No caso das bebidas adoçadas, é preciso não apenas aumentar os impostos, mas rever os subsídios fiscais, dentro e fora da Zona Franca de Manaus, que alcançam a cifra de R$ 3 bilhões por ano, de acordo com a Receita Federal.

No campo socioambiental e climático não é diferente. A tributação sobre as emissões de carbono, incidente somente sobre a queima de combustíveis fósseis, pode gerar uma arrecadação entre R$ 20 e R$ 50 bilhões/ ano. O valor arrecadado por esse novo tributo poderia permitir a redução da alíquota prevista para o novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços. Assim, colocamos em prática alguns princípios fundamentais da política ambiental e climática, previstos inclusive na nossa Constituição, como o do poluidor-pagar, ou seja, quem polui mais, paga mais.

A eliminação de incentivos tributários às atividades poluentes é outro fator que deve ser debatido. Se o Estado quer e precisa arrecadar mais, não faz sentido continuar com subsídios como queima de combustíveis fósseis, que recebeu nos últimos 30 anos mais de R$ 1 trilhão em subsídios de acordo com estudo do Instituto de Estudos Sócio Econômicos; incentivo à pecuária, que segundo o Instituto Escolhas foi de mais de R$ 125 bilhões nos últimos dez anos; ou o consumo de agrotóxicos, que recebeu nos últimos anos quase R$ 10 bilhões de subsídios por ano, segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Este estudo apontou que o valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente em 2020 (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões).

Outra oportunidade é a adoção de critérios socioambientais para definição da participação dos municípios na transferência de recursos arrecadados pelo novo tributo sobre o consumo (IBS). Hoje já é bastante conhecido o ICMS Ecológico, mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores de recursos financeiros arrecadados pelos estados através do ICMS, em razão do atendimento a determinados critérios ambientais. Pode-se estabelecer na distribuição dos recursos dos municípios e até mesmo dos estados um fator de aumento na participação para aqueles que cumprem determinados indicadores. A melhoria de índices de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos também estão diretamente associados à saúde pública.

Dados recém publicados pelo World Resources Institute - Brasil indicam ser possível incrementar em mais dois milhões de empregos com atividades econômicas sustentáveis e mais de R$ 2,8 trilhões de valor anual adicionado ao PIB até 2030 com o estímulo à economia verde.

Não podemos nos dar ao direito de querer sair dessa crise apostando no "mais do mesmo". A oportunidade é agora.

*Marcello Fragano Baird, Coordenador de Advocacy na ACT Promoção da Saúde

*André Lima, Coordenador do IDS em Brasília ex-Secretário do Meio Ambiente do DF

Marcello Fragano Baird e André Lima. Fotos: Divulgação  

O mundo passa por um período de grande sofrimento e imensos desafios, para os quais não estava preparado. O coronavírus já infectou mais de 30 milhões e vitimou quase um milhão de pessoas. No Brasil, já são mais de 135 mil vidas ceifadas pela pandemia.

A crise sanitária trouxe à tona mazelas históricas do país que insistimos em jogar para baixo do tapete. A enorme e injusta desigualdade do país foi escancarada e o descaso histórico com a saúde e nosso sistema público de saúde também foi evidenciado, e se não fosse pelo SUS estaríamos em situação muito pior. Ficou patente a necessidade de lidarmos com os fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, condições que agravam o risco de complicações ligadas ao coronavírus. São doenças cardiovasculares, respiratórias, diabetes e cânceres, responsáveis por 75% de mortes, cujos fatores de risco são o tabagismo, a alimentação inadequada, o uso abusivo de bebidas alcoólicas e o sedentarismo.

O Brasil também se viu obrigado a parar e refletir sobre a questão ambiental. A crise climática já pode ser considerada uma "emergência global" e não são mais tão raros os eventos climáticos extremos em todos os cantos do mundo e todo ano batemos recordes de temperatura média.

Esses problemas precisam ser enfrentados por um conjunto abrangente de políticas públicas. É importante que a reforma não se atenha apenas à simplificação dos impostos para gerar maior eficiência econômica, mas promova transformações amplas na sociedade e aponte para um futuro mais igualitário, mais sustentável e mais saudável.

A literatura científica e a experiência nacional e internacional já mostraram que uma maior tributação de produtos que causam danos desestimula seu consumo e, portanto, tem impacto positivo na saúde. Embora incida sobre o consumo, como as populações mais vulneráveis são justamente as mais afetadas em termos de saúde, essa tributação reveste-se de caráter progressivo. É por isso que organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial, endossam essa medida.

No Brasil, o caso do tabaco é emblemático. Estudo de 2012 mostrou que, dentre as várias medidas adotadas para o controle do tabagismo, como ambientes livres de fumo, restrição da publicidade e advertências nos maços de cigarro, a medida mais custo-efetiva foi o aumento dos impostos sobre o cigarro.

Estudo do Instituto Nacional de Câncer, de 2015, revelou que os custos do SUS com tratamento de doenças relacionadas ao tabagismo superou a marca de R$ 39 bilhões, enquanto a arrecadação com produtos do tabaco alcançou apenas R$ 13 bilhões. Trata-se, portanto, de uma conta que não fecha, de modo que as empresas devem contribuir com sua parte pelas externalidades negativas que causam.

Ao contrário do que é alardeado pelos fabricantes, a tributação de produtos nocivos pode ser boa não apenas para a saúde, mas também para a economia. Relatório recém-lançado pela FIPE estimou os impactos econômicos da tributação sobre bebidas adoçadas e mostrou que uma alíquota de 20% sobre o produto final poderia aumentar o PIB em R$ 2,4 bilhões, gerar quase 70 mil empregos e incrementar a arrecadação governamental em quase R$ 5 bilhões. No caso das bebidas adoçadas, é preciso não apenas aumentar os impostos, mas rever os subsídios fiscais, dentro e fora da Zona Franca de Manaus, que alcançam a cifra de R$ 3 bilhões por ano, de acordo com a Receita Federal.

No campo socioambiental e climático não é diferente. A tributação sobre as emissões de carbono, incidente somente sobre a queima de combustíveis fósseis, pode gerar uma arrecadação entre R$ 20 e R$ 50 bilhões/ ano. O valor arrecadado por esse novo tributo poderia permitir a redução da alíquota prevista para o novo tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços. Assim, colocamos em prática alguns princípios fundamentais da política ambiental e climática, previstos inclusive na nossa Constituição, como o do poluidor-pagar, ou seja, quem polui mais, paga mais.

A eliminação de incentivos tributários às atividades poluentes é outro fator que deve ser debatido. Se o Estado quer e precisa arrecadar mais, não faz sentido continuar com subsídios como queima de combustíveis fósseis, que recebeu nos últimos 30 anos mais de R$ 1 trilhão em subsídios de acordo com estudo do Instituto de Estudos Sócio Econômicos; incentivo à pecuária, que segundo o Instituto Escolhas foi de mais de R$ 125 bilhões nos últimos dez anos; ou o consumo de agrotóxicos, que recebeu nos últimos anos quase R$ 10 bilhões de subsídios por ano, segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Este estudo apontou que o valor que o governo federal e os estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente em 2020 (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões).

Outra oportunidade é a adoção de critérios socioambientais para definição da participação dos municípios na transferência de recursos arrecadados pelo novo tributo sobre o consumo (IBS). Hoje já é bastante conhecido o ICMS Ecológico, mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores de recursos financeiros arrecadados pelos estados através do ICMS, em razão do atendimento a determinados critérios ambientais. Pode-se estabelecer na distribuição dos recursos dos municípios e até mesmo dos estados um fator de aumento na participação para aqueles que cumprem determinados indicadores. A melhoria de índices de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos também estão diretamente associados à saúde pública.

Dados recém publicados pelo World Resources Institute - Brasil indicam ser possível incrementar em mais dois milhões de empregos com atividades econômicas sustentáveis e mais de R$ 2,8 trilhões de valor anual adicionado ao PIB até 2030 com o estímulo à economia verde.

Não podemos nos dar ao direito de querer sair dessa crise apostando no "mais do mesmo". A oportunidade é agora.

*Marcello Fragano Baird, Coordenador de Advocacy na ACT Promoção da Saúde

*André Lima, Coordenador do IDS em Brasília ex-Secretário do Meio Ambiente do DF

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