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Opinião|Porto em noites de abril


Por José Renato Nalini

O livro “Há um porto a cada noite de abril”, de Mary Castilho, oferece leitura saborosa para as mentes sensíveis que ainda se emocionam com poesia. O mundo cruel da violência multiforme necessita como nunca de mais poesia. “O grande alvo/Da poesia é ser um amigo/É mitigar as ansiedades e levantar os pensamentos do homem”, proclamava Keats (1795-1821), em “Sono e Poesia”.

Mary Ferreira Borges de Castilho nasceu em Elisiário, mas estudou em Catanduva. Docente pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura, já editou dois livros: “Cântico dos destorcidos” e “As mãos e o sal”. Esta terceira obra tem a nostalgia de quem vivenciou a experiência interiorana dos lares paulistas. Algo comum às famílias da província: “No travesseiro, o cheiro das macelas vindas do campo recheava a fronha com flores e iniciais bordadas à mão pelas mulheres da casa. Era em latas enormes que se escondiam biscoitos, quitandas de família mineira, sobre a mesa tosca entoalhada”.

Quem não se reconhece em “Minha casa exala perfumes que saem da cozinha e penetram no íntimo dos que acessam pela porta de entrada. É o manjericão fresco da horta, ou o louro seco reservado no pote azulado, ou ainda um punhado de alecrim alegre”. A memória olfativa é uma das mais presentes no hemisfério das saudades.

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Quem teve avó carinhosa não pode deixar de se enternecer com o poema “Outro domingo”, dedicado ao neto: “Na calmaria do domingo, a carne é frita no azeite quente, à espera do alho pronto para o sabor final. E as lembranças foram penetrando naquele cheiro, amansando o tempo refugiado no meu cansaço. O calor do fogo e o do coração foram salpicados pelas vozes contidas ao meu lado, à espera da comida e das histórias que conto e reconto como se fossem pela primeira vez”. Somos repetitivos em relação àquilo que nos marcou. Netos nem sempre têm paciência para nos ouvir. Um experimento que se converte em poesia para os privilegiados.

A identidade com a vida campestre, extinta na metrópole, faz com que o leitor se reconheça nos versos “Amo pitangas e amoras e camomila do cerrado e amo quem as colhe e adoça minha boca e me traz calma”.

Gerações treinadas no apego às coisas impregnadas de afeto, sabem o que significa a periódica revisita ao que restou: “Dos meus guardados, retirados para limpeza, retirei lembranças. Foi a última xícara de café, de um jogo inteiro, presente de dona Zoraide. Que saudade. Dos copos, os para conhaque, todos intactos e sem uso, cada qual de uma cor, com tons suaves e pés dourados. Intactos, porque nunca combinaríamos nós com conhaque. Dos quarenta e oito copos do jogo de cristal, somente seis, de tamanhos variados, apontavam para a distância daquele constante uso, quando floresciam festas, amigos, gargalhadas”.

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Paul Valéry (1871-1945) observou que, “em poesia, trata-se, antes de mais nada, de fazer música com a própria dor, a qual diretamente não importa”. Existe um laivo de dor nos quatro poemas “Corpo”: “Mudanças sem curvas/o corpo quebrantado/parado/grave/sem tom”. Persistente em “Braços”: “Braços enfeitados por manchas, arranhados pelo tempo. Braços que se abrem à espera do abraço que a vida oferece. Braços que se cruzam na prece”. Mais presente ainda em “Mãos”: “Minhas mãos envelheceram. Acompanharam o corpo que acompanhou o tempo que se expandiram como eu. Há marcas na pele áspera que revelam o quanto acariciaram, o quanto transformaram a farinha em pão. Minhas mãos envelheceram e os dedos hirtos não fabricam mais/no teclado a música/que agasalhava a casa”. Em “Rosto”, difícil não evocar Cecília Meireles em “Retrato”: “Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo”. Mary Castilho oferece a sua bela versão para o rosto da maturidade: “Passo as mãos nas poucas marcas do rosto. Deveriam ser maiores os selos carimbados na grande viagem do tempo em mim. Não foi severo na proporção de que ainda me reconheço nesta outra”.

Para Jean Cocteau (1889-1963), “a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma”. Ele chegou a dizer que “a poesia é uma religião sem esperança”. Não é o que surge para quem se entregar à leitura de “Há um porto a cada noite de abril”, pois Mary Castilho conseguiu tirar poesia de tudo o que sua existência lhe propiciou e a partilha do resultado é capaz de transmitir terna doçura em quem se dispuser a lê-la.

O livro “Há um porto a cada noite de abril”, de Mary Castilho, oferece leitura saborosa para as mentes sensíveis que ainda se emocionam com poesia. O mundo cruel da violência multiforme necessita como nunca de mais poesia. “O grande alvo/Da poesia é ser um amigo/É mitigar as ansiedades e levantar os pensamentos do homem”, proclamava Keats (1795-1821), em “Sono e Poesia”.

Mary Ferreira Borges de Castilho nasceu em Elisiário, mas estudou em Catanduva. Docente pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura, já editou dois livros: “Cântico dos destorcidos” e “As mãos e o sal”. Esta terceira obra tem a nostalgia de quem vivenciou a experiência interiorana dos lares paulistas. Algo comum às famílias da província: “No travesseiro, o cheiro das macelas vindas do campo recheava a fronha com flores e iniciais bordadas à mão pelas mulheres da casa. Era em latas enormes que se escondiam biscoitos, quitandas de família mineira, sobre a mesa tosca entoalhada”.

Quem não se reconhece em “Minha casa exala perfumes que saem da cozinha e penetram no íntimo dos que acessam pela porta de entrada. É o manjericão fresco da horta, ou o louro seco reservado no pote azulado, ou ainda um punhado de alecrim alegre”. A memória olfativa é uma das mais presentes no hemisfério das saudades.

Quem teve avó carinhosa não pode deixar de se enternecer com o poema “Outro domingo”, dedicado ao neto: “Na calmaria do domingo, a carne é frita no azeite quente, à espera do alho pronto para o sabor final. E as lembranças foram penetrando naquele cheiro, amansando o tempo refugiado no meu cansaço. O calor do fogo e o do coração foram salpicados pelas vozes contidas ao meu lado, à espera da comida e das histórias que conto e reconto como se fossem pela primeira vez”. Somos repetitivos em relação àquilo que nos marcou. Netos nem sempre têm paciência para nos ouvir. Um experimento que se converte em poesia para os privilegiados.

A identidade com a vida campestre, extinta na metrópole, faz com que o leitor se reconheça nos versos “Amo pitangas e amoras e camomila do cerrado e amo quem as colhe e adoça minha boca e me traz calma”.

Gerações treinadas no apego às coisas impregnadas de afeto, sabem o que significa a periódica revisita ao que restou: “Dos meus guardados, retirados para limpeza, retirei lembranças. Foi a última xícara de café, de um jogo inteiro, presente de dona Zoraide. Que saudade. Dos copos, os para conhaque, todos intactos e sem uso, cada qual de uma cor, com tons suaves e pés dourados. Intactos, porque nunca combinaríamos nós com conhaque. Dos quarenta e oito copos do jogo de cristal, somente seis, de tamanhos variados, apontavam para a distância daquele constante uso, quando floresciam festas, amigos, gargalhadas”.

Paul Valéry (1871-1945) observou que, “em poesia, trata-se, antes de mais nada, de fazer música com a própria dor, a qual diretamente não importa”. Existe um laivo de dor nos quatro poemas “Corpo”: “Mudanças sem curvas/o corpo quebrantado/parado/grave/sem tom”. Persistente em “Braços”: “Braços enfeitados por manchas, arranhados pelo tempo. Braços que se abrem à espera do abraço que a vida oferece. Braços que se cruzam na prece”. Mais presente ainda em “Mãos”: “Minhas mãos envelheceram. Acompanharam o corpo que acompanhou o tempo que se expandiram como eu. Há marcas na pele áspera que revelam o quanto acariciaram, o quanto transformaram a farinha em pão. Minhas mãos envelheceram e os dedos hirtos não fabricam mais/no teclado a música/que agasalhava a casa”. Em “Rosto”, difícil não evocar Cecília Meireles em “Retrato”: “Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo”. Mary Castilho oferece a sua bela versão para o rosto da maturidade: “Passo as mãos nas poucas marcas do rosto. Deveriam ser maiores os selos carimbados na grande viagem do tempo em mim. Não foi severo na proporção de que ainda me reconheço nesta outra”.

Para Jean Cocteau (1889-1963), “a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma”. Ele chegou a dizer que “a poesia é uma religião sem esperança”. Não é o que surge para quem se entregar à leitura de “Há um porto a cada noite de abril”, pois Mary Castilho conseguiu tirar poesia de tudo o que sua existência lhe propiciou e a partilha do resultado é capaz de transmitir terna doçura em quem se dispuser a lê-la.

O livro “Há um porto a cada noite de abril”, de Mary Castilho, oferece leitura saborosa para as mentes sensíveis que ainda se emocionam com poesia. O mundo cruel da violência multiforme necessita como nunca de mais poesia. “O grande alvo/Da poesia é ser um amigo/É mitigar as ansiedades e levantar os pensamentos do homem”, proclamava Keats (1795-1821), em “Sono e Poesia”.

Mary Ferreira Borges de Castilho nasceu em Elisiário, mas estudou em Catanduva. Docente pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura, já editou dois livros: “Cântico dos destorcidos” e “As mãos e o sal”. Esta terceira obra tem a nostalgia de quem vivenciou a experiência interiorana dos lares paulistas. Algo comum às famílias da província: “No travesseiro, o cheiro das macelas vindas do campo recheava a fronha com flores e iniciais bordadas à mão pelas mulheres da casa. Era em latas enormes que se escondiam biscoitos, quitandas de família mineira, sobre a mesa tosca entoalhada”.

Quem não se reconhece em “Minha casa exala perfumes que saem da cozinha e penetram no íntimo dos que acessam pela porta de entrada. É o manjericão fresco da horta, ou o louro seco reservado no pote azulado, ou ainda um punhado de alecrim alegre”. A memória olfativa é uma das mais presentes no hemisfério das saudades.

Quem teve avó carinhosa não pode deixar de se enternecer com o poema “Outro domingo”, dedicado ao neto: “Na calmaria do domingo, a carne é frita no azeite quente, à espera do alho pronto para o sabor final. E as lembranças foram penetrando naquele cheiro, amansando o tempo refugiado no meu cansaço. O calor do fogo e o do coração foram salpicados pelas vozes contidas ao meu lado, à espera da comida e das histórias que conto e reconto como se fossem pela primeira vez”. Somos repetitivos em relação àquilo que nos marcou. Netos nem sempre têm paciência para nos ouvir. Um experimento que se converte em poesia para os privilegiados.

A identidade com a vida campestre, extinta na metrópole, faz com que o leitor se reconheça nos versos “Amo pitangas e amoras e camomila do cerrado e amo quem as colhe e adoça minha boca e me traz calma”.

Gerações treinadas no apego às coisas impregnadas de afeto, sabem o que significa a periódica revisita ao que restou: “Dos meus guardados, retirados para limpeza, retirei lembranças. Foi a última xícara de café, de um jogo inteiro, presente de dona Zoraide. Que saudade. Dos copos, os para conhaque, todos intactos e sem uso, cada qual de uma cor, com tons suaves e pés dourados. Intactos, porque nunca combinaríamos nós com conhaque. Dos quarenta e oito copos do jogo de cristal, somente seis, de tamanhos variados, apontavam para a distância daquele constante uso, quando floresciam festas, amigos, gargalhadas”.

Paul Valéry (1871-1945) observou que, “em poesia, trata-se, antes de mais nada, de fazer música com a própria dor, a qual diretamente não importa”. Existe um laivo de dor nos quatro poemas “Corpo”: “Mudanças sem curvas/o corpo quebrantado/parado/grave/sem tom”. Persistente em “Braços”: “Braços enfeitados por manchas, arranhados pelo tempo. Braços que se abrem à espera do abraço que a vida oferece. Braços que se cruzam na prece”. Mais presente ainda em “Mãos”: “Minhas mãos envelheceram. Acompanharam o corpo que acompanhou o tempo que se expandiram como eu. Há marcas na pele áspera que revelam o quanto acariciaram, o quanto transformaram a farinha em pão. Minhas mãos envelheceram e os dedos hirtos não fabricam mais/no teclado a música/que agasalhava a casa”. Em “Rosto”, difícil não evocar Cecília Meireles em “Retrato”: “Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo”. Mary Castilho oferece a sua bela versão para o rosto da maturidade: “Passo as mãos nas poucas marcas do rosto. Deveriam ser maiores os selos carimbados na grande viagem do tempo em mim. Não foi severo na proporção de que ainda me reconheço nesta outra”.

Para Jean Cocteau (1889-1963), “a poesia é uma solidão espantosa, uma maldição de nascença, uma doença da alma”. Ele chegou a dizer que “a poesia é uma religião sem esperança”. Não é o que surge para quem se entregar à leitura de “Há um porto a cada noite de abril”, pois Mary Castilho conseguiu tirar poesia de tudo o que sua existência lhe propiciou e a partilha do resultado é capaz de transmitir terna doçura em quem se dispuser a lê-la.

Opinião por José Renato Nalini

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